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FC Porto

Era uma vez a velhinha resistência casapiana e um dragão sem fogo

O FC Porto empatou esta noite, no Jamor, contra o Casa Pia, num jogo sem golos. A defesa dos casapianos, uma equipa reduzida a 10 antes do intervalo, sofreu mas resistiu às investidas dos futebolistas treinados por Sérgio Conceição, que foi dotando a equipa de mais atacantes. Ricardo Batista, o guarda-redes, parou tudo

Hugo Tavares da Silva

PATRICIA DE MELO MOREIRA

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Lá bem atrás no tempo, os guarda-redes que hoje são profissionais foram miúdos que treinaram para serem guarda-redes. Saíam de casa com o compromisso dentro do saco. Muitos ainda jogaram em pelados, à chuva ou com vento. Treinavam tarde e a más horas, alguns em condições questionáveis. As luvas cheiravam sempre a um obsceno inferno, parecia algo protocolar. Iam ao chão quando mais ninguém ousava pensar sequer em ir ao chão. Equipamentos ensopados. Dedos torcidos, bolas na cara, pisadelas.

Os guarda-redes que hoje são profissionais um dia foram miúdos que queriam ter uma noite especial ou uma manhã de domingo com um sol que abraça a alma com vontade. Ricardo Batista, o guarda-redes do Casa Pia, adicionou mais um cromo para o álbum de noites especiais. Atrás dos estóicos companheiros, a última barreira entre o céu e o que era expectável, ajudou a segurar um precioso ponto contra os campeões nacionais: 0-0 no Jamor.

Para Sérgio Conceição não havia nada que saber: os mesmos futebolistas que golearam o Arouca na última jornada mereciam a oportunidade de repetir o bailado. Cedo começaram os panfletos de intenções a sair das botas dos jogadores do FC Porto. Matheus Uribe disparou duas vezes. Ricardo Batista inaugurou aqui uma exibição sólida.

A intenção de ambas as equipas parecia semelhante: reação forte sem bola, sair rápido na frente. São competitivas, bem organizadas e têm argumentos para ferir o rival apressadamente, visando sobretudo Takahiro Kunimoto (ótimos detalhes e valentia para abanar o jogo) e Saviour Godwin e, do outro lado, Gabriel Veron e Wenderson Galeno. Os visitantes entraram melhor, mas a defesa dos gansos, liderada por Vasco Fernandes, ia correspondendo. Fernando Varela, depois de uma bela bola de Derick Poloni, voltou a sacudir os pensamentos dos que achavam que isto ia ser um jogo de sentido único. O desempenho defensivo de Nermin Zolotic também merece destaque.

Ricardo Batista, de 36 anos, é o guarda-redes do Casa Pia

Ricardo Batista, de 36 anos, é o guarda-redes do Casa Pia

Gualter Fatia

Já sem Neto em campo (lesionado, entrou Yan Eteki), os dragões foram ganhando relevância no jogo, embora criando menos perigo, o Casa Pia foi acertando. O futebol singular de Otávio tardava a impor-se. Os laterais do FC Porto, quase anónimos até à meia hora de jogo, começaram a aparecer mais, visto que a bola descansava mais tempo nas botas dos de azul.

Mesmo com a expulsão de Lucas Soares (segundo amarelo por entrada em Galeno), os campeões nacionais revelaram muitos problemas para criar embaraços para o tranquilo e inspirado Ricardo Batista, cujo cheiro das luvas é felizmente um mistério para nós. Faltava fineza e frescura às ideias e chuteiras dos rapazes treinados por Conceição. Com 10 em campo, era uma incógnita adivinhar como seria a resistência dos jogadores de Filipe Martins, mas só se pode esperar o melhor de quem só ainda sofreu 11 golos na Liga, somente mais um do que as melhores defesas (Benfica e FC Porto)

João Nunes, que entrou ao intervalo para o lado direito da defesa por Clayton, seria massacrado pelas investidas de Galeno e companhia. Pepê entrou também para o lugar de Uribe, ambos não estiveram particularmente felizes esta noite. É certo que o Porto ia empurrando o adversário para perto da sua baliza, mas não havia aquelas diagonais curtas e rápidas dos avançados, nas costas da defesa, já a invadir a área. Faltava Evanilson claramente, ausente por lesão.

O relvado estava difícil, solto, havia muitas escorregadelas e a bola também decidia por vezes o rumo que queria tomar. Nesta altura, a meia hora do fim, já era Godwin contra o mundo, quase sempre sem poder espremer uma boa jogada. As pernas dos de preto suspiravam um qualquer luto, mas não se entregavam completamente. E em vez do luto, lutaram.

E o perigo do orgulhoso rival começou. Primeiro Galeno, de cabeça. Depois, já com Toni Martínez em campo, Taremi. A seguir, foi o avançado espanhol mais do que uma vez. Quando não falhavam na baliza, tinham pela frente Ricardo Batista. O desperdício acumulava-se como uma lixeira esquecida. O Porto, que ia cedendo à tentação de cruzar a toda hora para os avançados que mudaram a morada fiscal para a área dos casapianos, ia cheirando o golo e desafiava a concentração e afinação alheias.

Já com Namaso e André Franco no relvado – pelo não muito importante João Mário e o tocado Wendell (que já ia participando no corredor central) –, os visitantes tentavam forçar, com Iván Marcano a tentar a sorte com o pé mais fraco e depois com a cabeça de Toni Martínez a procurar cabecear na nuvem da glória. Sentia-se quem sabe a falta do toque e do veneno de meninos como Vitinha e Fábio Vieira, ou de futebolistas com esse perfil, para tornar o jogo mais variado e menos previsível, mais técnico. A participação de Mehdi Taremi foi inferior ao que é habitual, então foi uma sucessão de pequenos eventos que ditaram o que aconteceu esta noite no Jamor.

Mais dois pontos perdidos para o FC Porto, que vê o Sp. Braga assaltar o segundo lugar da classificação, e mais uma noite memorável para Ricardo Batista e para o orgulho dos casapianos, que aguentaram os (não tão) ferozes dragões com menos um jogador durante mais de 45 minutos.