Quando André Franco entrou em campo, aos 72’, levou uma pequena folha de papel para Pepe. Ali estava o derradeiro mapa do tesouro, a rota para o cancelamento do escândalo que ia rolando em Vila do Conde, seguindo depois para o espaço entre a perna suada e a caneleira. Estava 3-0 e o melhor que os desafinados e sem harmonia campeões nacionais fizeram foi reduzir, por Toni Martínez, perto do apito final.
Antes do jogo, Luís Freire, o treinador do Rio Ave, admitiu que aquele clube normalmente não se dava muito bem com o FC Porto. “Mas isso é passado e estamos cá para fazer uma nova história. Queremos mostrar que somos uma equipa competitiva, com muita vontade de crescer e de fazer coisas boas, mostrando um bom futebol”, prometeu como quem anuncia intenções, o homem que chegou a ouvir “volta para a distrital” nas bancadas de um clube onde era o treinador. Os futebolistas do Rio Ave, ainda sem qualquer vitória, levaram aquelas palavras a sério.

MIGUEL RIOPA
Aos 43’, a equipa da casa vencia os visitantes por 3-0. Abdul-Aziz Yakubu fez dois golos e deu o passe, depois de uma cueca em Marcano, para o golo de Pedro Amaral, ao segundo poste. O Porto até entrara com o ritmo do costume, com as novas dinâmicas do que aparenta ser uma espécie de losango, com Uribe, Otávio (à esquerda) e Bruno Costa, deixando o vagabundear para Pepê, um futebolista que tem condições para dominar o campeonato. Havia movimentos e contra-movimentos, embora aqui e ali pouca largura, o que parecia travar algumas saídas rápidas para o ataque. Taremi e Evanilson procuravam-se e tentavam servir aquelas suculentas diagonais curtas.
Joca ia deixando bons detalhes. Guga, idem. A intenção de tentar jogar era óbvia. À passagem do minuto 20, o Rio Ave cresceu muito e o FC Porto mostrou-se desconfortável. Foi nesta fase que apareceu o 1-0, com um bom passe do corajoso Fábio Ronaldo (obrigou Diogo Costa a grande defesa no primeiro minuto) para Aziz. O 2-0 surgiu sensivelmente 10 minutos depois, tal como o 3-0, mantendo a cadência da surpresa. Quase tão surpreendente era observar uma equipa a ser tão ou mais agressiva que o Porto.
Conceição vociferava. Pepê tentava contrariar o mundo e a realidade, com uma qualidade especial. O nível dos que vestem de azul ia caindo, levando o treinador a colocar a aquecer Gabriel Veron, Galeno e Danny Loader, logo aos 38’. Os dois primeiros entraram ao intervalo, assim como Toni Martínez. Pepê passou para ala direito, o que na teoria se compreende pelo que o brasileiro desequilibra, mas deixá-lo tão longe da baliza em certos momentos soou a contraproducente.
O Rio Ave não perdeu a vontade de jogar bom futebol, mas também ligou o calculismo, por isso foi baixando o bloco e viu de perto as inúmeras tentativas que o rival ia assinando. Estava mais agressivo, o FC Porto. Uma mão de Costinha colocou Taremi na marca de penálti para, quem sabe, fundar uma reviravolta épica. Mas o iraniano chutou à trave. As oportunidades sucediam-se: Pepe, Toni Martínez, André Franco, Galeno, Veron, que aparentemente será um caso sério no nosso futebol. Para além do desacerto dos homens de azul, Jhonatan ia fechando a porta com categoria.

Octavio Passos
O golo do Porto chegou mesmo, por Martínez, após balão de Pepê para a área. O que foi surpreendente mais uma vez foi a forma como a seguir Galeno e Otávio falharam golos que pareciam cantados, ameaçando quem sabe o empate. As gentes de Vila do Conde, que aplaudiram Taremi quando saiu, iam cantando quando sentiam a equipa por cima. Talvez seja por isso que gente como Menotti, o senhor campeão do mundo de 1978, diz a frase: “Nunca vi uma equipa a ganhar 3-0 e cansada”. Os futebolistas do Rio Ave estavam ligados, a sonhar com a tal história que o seu treinador antecipou.
“Foi uma noite quase perfeita, sofremos um golo no fim”, diria na flash interview Aziz, corrigindo o jornalista, rejeitando ainda a ideia de surpresa, pois trabalharam para aquela alegria. “Foi um bom jogo para nós, entrámos muito bem, felizmente tivemos as chances. Foi uma noite quase perfeita.” Se não foi perfeita, foi perfeita como não acontecia há 18 anos, o tempo que o Rio Ave ficou sem vencer o FC Porto nos Arcos. Na altura, contra o futuro campeão europeu Porto de José Mourinho, Miguelito fez o único golo da noite. Sérgio Conceição também estava em campo…