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Duarte Gomes

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Uma data que Duarte Gomes não esquece: março de 2016

O antigo árbitro internacional fala do ano em que deixou a arbitragem, um adeus não planeado, e abraçou outro desafio profissional

Duarte Gomes

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A crónica desta semana é escrita na primeira pessoa. Não me levem a mal. Não o faço por presunção. Quero apenas partilhar convosco uma data importante na mudança de rumo que vivi, em termos profissionais.
Foi há precisamente sete anos que comecei a colaborar com o Grupo Impresa. A data está gravada na memória e jamais será esquecida: março de 2016.
A partir de então, fiz um pouco de tudo nesta casa: comentário em televisão, diretos, participação em vários formatos d' "O Dia Seguinte", duas temporadas do programa "Ó Sr. Árbitro", para além de um podcast semanal ("A Culpa é do Árbitro") e artigos de opinião nos sites da SIC Notícias, Expresso e Tribuna Expresso.
Confesso-vos que, quando anunciei o final de carreira em janeiro do mesmo ano, nunca me tinha passado pela cabeça tornar-me "comentador desportivo".
Nunca me tinha ocorrido ingressar na imprensa ou colaborar com os media. Penso que não tive tempo para isso. É que os convites surgiram de forma súbita e inesperada. Tão súbita e inesperada quanto a decisão de pendurar o apito.
O adeus aos relvados não foi planeado nem teve tempo para ser preparado. Foi prematuro e forçado por lesões sucessivas e cirurgias constantes. Já o disse aqui antes. A verdade, nua e crua, é que já não tinha condições para arbitrar jogos ao mais alto nível. Não conseguia treinar bem, não conseguia fazer provas físicas e não conseguia cumprir os mínimos para me manter no ativo. Quando o corpo não consegue, a cabecinha faz tilt, que é como quem diz, funciona no sentido contrário do que devia. Engana-nos. E foi assim até ao dia em que deixou de ser.
A paragem definitiva foi um murro no estômago, mas a vida é mesmo assim e não apenas para mim. No meio disto, sei que sou um verdadeiro privilegiado e estou grato por isso.
Perante um vazio de projetos - houve um convite muito firme para continuar ligado à arbitragem, que foi entretanto beliscado por questões que não importam agora referir -, surgiu entretanto o interesse sério, honesto e concreto (esse sim) de alguns órgãos de comunicação social, que naturalmente me deixaram muito orgulhoso.
Por entre dúvidas e incertezas, a opção final acabou por recair para este lado: o da SIC Notícias, do Expresso/Tribuna Expresso (e mais tarde do jornal A Bola, depois de uma passagem curta mas de boa memória no jornal O Jogo).
O que esta nova função me ofereceu, mais do que um trabalho em si, foi a oportunidade de continuar a fazer coisas ligadas à arbitragem, a área que gosto e onde vivi parte importante da minha vida. O desafio era enorme (sei bem o que as pessoas pensam dos árbitros e da classe), mas até por isso senti gozo adicional em abracá-lo.
Tentar acrescentar esclarecimento técnico a uma área habituada a carimbar lances sem entender os comos ou porquês, era tarefa hercúlea, mas não impossível.
Tinha dois trunfos para explorar nessa transição: o facto de conhecer bem a casa onde morei e o de saber como tudo se processava ao nível da análise às arbitragens, nomeadamente em relação aos comentários feitos por pessoas emocionalmente parciais ou com pouco conhecimento das leis de jogo.
A luta ainda hoje é grande, primeiro porque os árbitros às vezes põem-se a jeito (é verdade), mas sobretudo porque a tolerância ao erro, a falta de distanciamento ao clube e a incapacidade de ter empatia num espetáculo desta grandeza são muitíssimo mais fortes do que a tentativa de se procurar soluções na base, com estratégia, serenidade e pensamento analítico. Há pouca paciência no futebol. O imediatismo é inimigo da construção de coisas boas e profícuas.
Há sete anos não estava bem ciente disso. Hoje estou e devo-o ao papel que desempenho na imprensa desportiva. Hoje consigo perceber melhor os dois lados: como se sente as coisas lá dentro e como se destila raiva cá fora.
Sei quando as pessoas estão a ser sinceras com a mente ou sinceras com o coração. Tento filtrar uma da outra, porque só com abstração se consegue levar este barco a bom porto.
Pelo caminho, há e haverá sempre muita gente amuada, ofendida e raivosa. Até amigos. Sobretudo amigos. Faz parte. Desde que representem todos os lados da barricada - e representam - será sempre bom sinal.
O futuro a Deus pertence, mas tem sido uma viajem inovadora, desafiante e prazerosa.
E quando é assim, está tudo bem.