Confesso que estive a uma bela dose de lombinhos e duas imperiais de sofrer com o agonizante empate do Benfica em Guimarães. A comida e também a distância para o televisor – durante os setenta minutos a que assisti, o jogo foi pouco mais do que duas manchas distantes e, em certos momentos, amalgamadas ao redor do meio-campo – libertaram-me do sofrimento impotente do adepto que, nestes jogos sem oportunidades, equivale a estar preso num pesadelo.
Mas nem todos os benfiquistas tiveram o privilégio de mitigar o sofrimento com um agradável repasto e escudados pela distância para a televisão e, ao contrário do que diziam nas semanas anteriores, que sabiam que o Benfica não iria ganhar todos os jogos, que cedo ou tarde a equipa perderia pontos, que jogos maus acontecem em todas as épocas, as reações sanguíneas demonstraram que, lá no fundo, ardia dentro deles a esperança viva de que o Benfica ganhasse todos os jogos, que talvez fosse possível atravessar incólume as 34 jornadas do campeonato, que por uma vez na história ocorresse o fenómeno de uma temporada sem jogos maus ou em que os jogos maus não se traduzissem em perda de pontos.
Quem disse que o futebol é razão? Parece que os benfiquistas, estes benfiquistas que caíram numa depressão fundíssima no sábado à noite, estavam preparados para que a equipa não ganhasse todos os jogos, só não estavam preparados para que não ganhasse este em particular, que foi o que não ganhou. E porquê? Porque era o jogo após a paragem das seleções, porque Porto e Sporting ganharam, porque, porque sim, porque os jogos são para ganhar e não há nenhuma razão para que o nosso clube não ganhe sempre.
Bastou um mau jogo, uma exibição pouco conseguida, para que o temor da desgraça iminente se espalhasse pelos mais íntimos recessos do benfiquismo: Roger Schmidt foi desmascarado, isto é a repetição da época anterior em que após um arranque formidável se segue um desmoronamento sísmico, os adversários já perceberam como é que o Benfica joga, quem descobriu o antídoto foi o Vitória! Ah, e outra coisa: fora, Rui Costa!
Queria dedicar alguma atenção a esta ideia da descoberta de um antídoto, como se a partir de agora qualquer equipa só tivesse de se abastecer no laboratório do Vitória, de inocular os jogadores com o remédio anti-Schmidt e, pronto, este Benfica nunca mais ganhará um jogo. Recordo que, após as primeiras séries de vitórias do Sporting de Rúben Amorim, também vigorou a ideia de que os adversários já tinham percebido como é que a equipa jogava e o que precisavam de fazer para a anular. Mas uma coisa é perceber como é que o adversário joga e traçar o plano para o travar, outra coisa é executar o plano na perfeição e, efetivamente, travar o adversário.
Será que o Club Brugge descobriu a fórmula para golear o Porto no Dragão? Será que o Chaves, ao ganhar por 2-0 em Alvalade, abriu as portas da casa do Sporting para os seguintes a saquearem à vontade? A uma noite desinspirada do Benfica não se poderá ter juntado a capacidade do Vitória – e não de outra equipa qualquer – de neutralizar os pontos fortes do adversário?
Sinceramente, estava à espera que uma sucessão de treze vitórias, incluindo um apuramento imaculado para a Champions e duas vitórias na fase de grupos, acalmasse um pouco este catastrofismo cutâneo que depressa se infiltra na corrente sanguínea e, em menos de nada, deprime uma nação inteira. Doce ilusão, a minha. Lá no fundo, todo o benfiquista vê num percalço uma injúria cósmica, todo o benfiquista sonha e deseja a Terra Prometida de uma época sem deslizes, sem derrotas, sem empates, sem soluços a semear dúvidas, a regar o ceticismo que cresce, espontâneo, no seu coração vermelho.