E assim, meus amigos, com um suspiro e não com um estrondo, terminou o processo de ruben-amorinização em curso no Sporting. Um dia será contada a verdadeira história de tudo o que aconteceu, os segredos de bastidores, os gritos que ecoaram de madrugada em Alcochete, as tenebrosas reuniões entre Amorim e Hugo Viana a fim de escalpelizarem a dimensão da traição de Varandas, mas por enquanto devemos ater-nos ao essencial e o essencial é que o clube remeteu o treinador para a sua vertente funcionária e despromoveu-o do estatuto de figura tutelar, omnipresente e omnisciente.
“Neste momento, com Varandas sabiamente afastado da ribalta, o Sporting é um clube, e não apenas uma equipa, cada vez mais à imagem do treinador: serenamente ambicioso, metódico sem ser frio, sensato e contundente.” Escrevi estas palavras há menos de um ano, numa crónica intitulada O Príncipe Espontâneo, e tê-las-ia repetido há uma semana, quando Amorim, gestor e porta-voz da gestão, treinador e diretor de comunicação do clube, teorizou sobre este novo Sporting do qual os jogadores já não queriam sair à primeira oportunidade, reclamando discretamente (como sempre o fez) a paternidade do mesmo.
Na altura, e isto é nítido, o treinador estava convencidíssimo de que Matheus Nunes só sairia por uma proposta irrecusável. E talvez seja necessário esclarecer o significado de irrecusável que tem sido muito maltratado nos últimos tempos. É como se qualquer proposta, venha ela de onde vier, tivesse o mesmo peso, o mesmo poder de persuasão, o mesmo grau de “irrecusabilidade”. Não tem. É difícil para um clube português recusar uma proposta de 40 milhões por um jogador? É. Mas ter do outro lado da mesa de negociações um Liverpool, um Manchester United, um Bayern de Munique ou um Real Madrid é uma coisa. Ter um Wolverhampton é outra bem diferente.
Trinta milhões de euros por Slimani oferecidos pelo Leicester: proposta irrecusável. Quarenta milhões por Matheus Nunes vindos do Wolverhampton, clube da esfera “mendal”? Alto e pára o baile! E não venham com aquela história de que o dinheiro vale o mesmo. Aqui estamos a falar de um negócio delineado em perfeita articulação entre a direção do clube e o empresário Jorge Mendes. Com Rúben Amorim, era dele que estava a falar, à margem, a leste, na terra da fantasia, a viajar na maionese. Num dia era o arquiteto de um condomínio de luxo do qual nenhum jogador queria sair, no outro é um porteiro limitado a registar as entradas e saídas no livro de ocorrências.
Este negócio tem muitas semelhanças com as vendas de Fábio Silva ou Raul Jiménez para o mesmo clube. Alguém acredita que aos gabinetes de Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira tenham chegado “propostas irrecusáveis” completamente inesperadas? Que a oportunidade de negócio tenha caído do céu? É óbvio que não. Foram negócios “cozinhados” entre clubes e o empresário por necessidades financeiras daqueles. Já se sabe que Jorge Mendes é quem lança a corda aos náufragos, corda que também pode servir para os enforcar.
A grande diferença é que Matheus Nunes era uma das grandes figuras deste Sporting, talvez o seu principal ativo futebolístico. Outra diferença é que ninguém no Sporting achou que seria má ideia desproteger o treinador e expô-lo ao ridículo em vésperas de clássico. Porque foi isso que aconteceu: alguém deixou que o principal estandarte do clube, a pedra sobre a qual assenta este novo Sporting, um homem cuja capacidade de comunicação é unanimemente elogiada, fizesse figura de parvo, além de o privar de um recurso humano fundamental para enfrentar a época.
Talvez os responsáveis pela decisão esperem que Rúben Amorim siga o exemplo de Sérgio Conceição, que barafuste, que se encolerize, que mande tudo para o diabo, mas que depois use essa cólera, essa fúria, para motivar o grupo de trabalho. Porém, a relação entre Conceição e Pinto da Costa é de natureza diferente. O treinador do Porto sempre poupou o presidente às acusações, alimentando o “mito do rei enganado”: quando há decisões que Sérgio Conceição considera serem prejudiciais, a culpa é sempre da corte que rodeia o rei e nunca do soberano. Assim, Conceição liberta a insatisfação sem beliscar o monarca incontestado.
No Sporting, cujo líder, para benefício próprio, praticamente se ausentara do palco, o enganado é outro, aquele “príncipe espontâneo” que estava a criar um clube à sua imagem e que, de repente, viu o espelho estilhaçar-se à sua frente. Não se vê maneira de remediar este mal. Frederico Varandas até pode comprar um jogador para compensar Rúben Amorim e equilibrar a equipa, mas, para infelicidade do presidente, confiança não é coisa que se compre no mercado. Nem quando se tem Jorge Mendes do nosso lado.