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Duarte Gomes

Duarte Gomes

ex-árbitro de futebol

Pagar bilhete não dá o direito de insultar ou agredir. Como exigir paz se, cá fora, se arremessam pedras como se isso fosse normal?

As redes sociais criaram a oportunidade perfeita para que um conjunto de pessoas (e entidades) expressassem a sua malícia e vilania com nota artística, lamenta Duarte Gomes. O antigo árbitro critica ainda quem ocupe o seu tempo - por hóbi ou porque a avença é boa - a lançar rumores, a deturpar afirmações ou a tentar desestabilizar quem está ligada ao futebol

Duarte Gomes

Tim Clayton - Corbis

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"Mais Futebol, Menos Ódio".

Este foi o lema escolhido pela Liga Portugal, Sindicato de Jogadores, Associação Nacional dos Treinadores de Futebol (ANTF) e Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol (APAF) para a campanha que irá realizar-se aquando do arranque da 2.ª jornada das competições profissionais em Portugal.

A mensagem aqui passada é relevante, oportuna e não deve cair em "saco-roto", perdurando para a história apenas como uma iniciativa que, na prática, se revelou inócua. Que nada acrescentou ou mudou.

Não! Este é um tema importante, muito importante, que deve ser levado a sério por toda a gente!

O futebol é a montra maior do desporto e, por cá, não deve haver muita gente que duvide disso. Há milhões de pessoas que seguem os jogos com entusiasmo e atenção, todas as semanas, a cada jornada. Passo a passo. Para muitos, esse é até o único momento que verdadeiramente lhes traz felicidade, emoção e alegria.

Um fenómeno assim, tão avassalador, tão grande no impacto que tem sobre os outros, deve ser ser bem tratado porque tudo o que produz afeta ou influencia alguém. Tudo o que cria mexe neste ou naquele.

Já muito se disse e escreveu sobre a responsabilidade que carregam os seus maiores atores. É gigantesca e é importante que quem está lá dentro nunca o esqueça.

Mas agora é tempo de falar sobre o dever cívico que cabe a cada um de nós, adeptos, comentadores, simpatizantes.

Ninguém tem legitimidade para exigir paz ou verdade se contribuir ativamente para o seu contrário. De que vale pedir espetáculos com transparência e ética se, cá fora, atiram-se ofensas, ameaças e mentiras por dá cá esta palha? Se cá fora arremessam-se pedras e insultos, como se nada se passasse, como se tudo isso fosse normal e legal?

Que moral temos nós para pedir o que quer que seja, se tratamos mal aqueles a quem exigimos respeito?

É preciso que façamos todos um exercício de consciência e percebamos o contributo ativo que temos (ou não) dado para a melhoria de tudo o que tem a ver com o jogo.

Pagar bilhete não dá o direito de provocar ou agredir quem quer que seja. Ter as quotas em dia não legitima violência ou qualquer outro tipo de intolerância. E, já agora, comentar em televisão também não dá a ninguém carta branca para fomentar discursos de ódio ou para promover a carreira através de agenda própria ou estratégia organizada.

Para exigir aos outros, é preciso dar a dobrar.

Esta iniciativa a quatro, que se materializará com uma espécie de "blackout digital" (das 18h desta sexta-feira até às 22h30 da próxima segunda-feira não haverão atualizações nas respetivas redes sociais) que visa despertar consciências. Visa dar um murro na mesa e gritar "Basta!!" a todos aqueles que fazem do racismo, da xenofobia ou do ódio a sua forma predileta de estar no desporto.

E, infelizmente, há muita gente assim. As redes sociais criaram a oportunidade perfeita para que um conjunto de pessoas (e entidades) expressassem a sua malícia e vilania com nota artística.

Há quem ocupe o seu tempo - por hóbi ou porque a avença é boa - a lançar rumores, a deturpar afirmações ou a tentar desestabilizar quem está ligada ao futebol.

Fazem-no via online, mas também para os telemóveis pessoais ou até mesmo à porta de casa ou do trabalho dos alvos que escolhem. E fazem-no livremente, de forma muito tranquila, a qualquer hora do dia, porque sabem que dificilmente serão castigados. Dificilmente serão chamados a responder por isso.

Jogadores, treinadores e árbitros são quase sempre os alvos preferenciais destes criminosos do anonimato, mas é preciso que todos percebam que isto não pode continuar a ser assim.

Campanhas de sensibilização como esta, mais mediatizadas e preventivas, são um excelente princípio, mas só a punição exemplar nos tribunais passará a maior das mensagens cá para fora. Enquanto isso não acontecer, não haverá sensibilização que resista.

Portugal (ainda) não é uma terra sem lei e é bom que não se comece a parecer como tal.

Chacinar a imagem, bom-nome e integridade de outrem é um crime igual ou maior do que tantos outros que são punidos todos os dias, nas muitas comarcas deste país. Que se legisle bem e rapidamente, para dar a quem decide a oportunidade de repor a justiça que muitos merecem e não têm.

Por mais iniciativas destas. E por mais medidas que exijam o melhor de cada um de nós.