Há muito que FIFA, UEFA e International Board pretendem, com toda a razão, eliminar práticas de jogo violento e qualquer tipo de condutas que ponham em causa a integridade física dos principais atores do jogo. Estes devem ser protegidos de entradas maliciosas ou praticadas com força excessiva e/ou com intensidade/velocidade acima do necessário.
As instruções que os árbitros recebem regularmente vão nesse sentido e fazem todo o sentido.
Regra geral qualquer jogador que não respeite a saúde física do adversário, que "vá por cima" e parta-lhe a perna ou que lhe desloque o maxilar depois de entrada intempestiva, tem que ser mandado embora de imediato.
Mas este tipo de recomendações não podem aplicar-se em todos os lances que resultem numa lesão séria, porque há muitos em que isso acontece de forma absolutamente fortuita e inevitável. Sem que exista sequer falta. E leia-se aqui "inevitável" como algo que nenhum atleta poderia, de algum modo, conseguir evitar em determinado contexto de jogo.
Se assim não fosse, qualquer choque de cabeça que resultasse num ferimento muito sério para um dos atletas, obrigaria à expulsão do outro. E qualquer lance em que um jogador fosse pisado gravemente, por colocar o pé debaixo da bota do adversário que corria para o lance, teria que resultar num vermelho direto para aquele.
Será que é esta a justiça que o futebol pretende? Não. Não é. E se é, não pode ser.
A proteção do jogo e de todos os seus intervenientes é uma premissa fundamental no futebol moderno, recheado de talentos que precisam de ser defendidos de entradas assassinas, grosseiras ou com força excessiva.
Isso não é nem pode ser sinónimo de expulsar qualquer jogador que, sem cometer qualquer falta (e esta é a parte mais relevante aqui), magoe um colega de profissão.
Essa linha - a que separa uma realidade de outra - pode ser ténue e, em certas jogadas, difícil de calibrar. Há lances no limite. Que confundem. Que ficam na fronteira entre atuar e não atuar.
Mas há outros que não.
A expulsão de Luis Díaz é a negação do futebol, porque a alternativa ali era o "não remate". Era não arriscar marcar o golo. Era abdicar da jogada. Se há lance em que um jogador nada fez a não ser exercer a sua profissão, foi o de ontem.
Não deixa de ser curioso que esta recomendação internacional esteja agora a ser levantada para legitimar a decisão, quando a semana passada nem sequer foi evocada num momento em tudo pior: Kritciuk, guarda-redes da BSAD, colidiu de cabeça com Nanu, num choque arrepiante. O jogador do FC Porto caiu inanimado, esteve inconsciente, saíu de ambulância e foi diagnosticado com concussão cerebral e traumatismo cervical. Tudo igual num lance diferente: ação totalmente involuntária de um lado, consequência terrível do outro.
Porque é que o guarda-redes da BSAD não foi expulso? Ainda bem que não foi, porque não tinha mesmo que o ser. Tal como ontem Díaz também não tinha.
Há não muito tempo, Son (do Tottenham) "colidiu" com André Gomes (Everton) e partiu-lhe a perna de forma inadvertida. Não fez falta nenhuma. Foi azar puro, que resultou numa lesão horrível e prolongada do jogador português. O árbitro, ao abrigo dessa instrução, expulsou o jogador sul-coreano com cartão vermelho direto.
A FA despenalizou-o pouco depois. Sabem porquê? Porque, apesar da terrível consequência, Son não tinha cometido infração, não tinha metido o "pé por cima" nem tinha atuado de forma desrespeitosa para com o jogo ou para com o adversário. Foi um lance normal e inevitável, com azar imensurável.
Percebem a diferença?
Não falta é igual a não cartão. É tão simples quanto isto. Se não for assim, fechem o futebol por favor.
Agora ao que realmente interessa, porque apesar de tudo, é só de bola que estamos a falar.
Primeiro, que David Carmo recupere rápido e bem, porque é um grande talento, um jovem fantástico e merece uma carreira recheada de coisas boas, muito boas.
Segundo, as reações. As reações que se tem visto sãos simplesmente inenarráveis.
Isto já não é apenas doentio, é criminoso. E se é criminoso, a justiça tem que atuar com toda a celeridade e de forma implacável.
Não é aceitável que uma decisão de jogo faça sair da toca pervertidos de toda a espécie. Não é aceitável que funcione como arma de arremesso para se fazerem ameaças graves ou para se divulgarem publicamente dados pessoais de árbitros e respetivos familiares.
Está tudo doido. Primeiro quem potencia tudo isto e depois os energúmenos que o materializam.
O futebol está mesmo doente e os árbitros - numa fase terrível em termos qualitativos - não criam monstros. Eles já existiam e só estavam à espera de sentirem legitimidade para fazer aquilo que fazem melhor: assustar, condicionar, magoar.
São uns canalhas, uns escroques, uns ordinários. Uns bandidos.
A casa está a arder e é preciso fazer alguma coisa. Há muita reflexão para fazer e ações para tomar, porque isto não tende a parar.