Penálti para aqui, penálti para ali: que saudades que Duarte Gomes tinha deste forrobodó (ou então não)
A I Liga está finalmente de volta... assim como as queixas sobre a arbitragem. Mas, disso, Duarte Gomes não tinha saudades nenhumas - até porque o Famalicão-FC Porto teve erros para ambas as partes
04.06.2020 às 16h36

JOSE COELHO
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O espectáculo está de volta.
O regresso do futebol trouxe de volta a normalidade que tanta falta nos fazia. A tal normalidade a sério, a genuína, a de sempre... não a "nova" a que agora nos habituámos, com máscaras, distâncias, luvas, ausência de espirros e afins.
Sei disso depois de ver, ler e ouvir, com toda a atenção, as reações públicas ao que aconteceu ontem, durante e no pós-jogo de Famalicão.
O árbitro da partida (para mim, um dos mais qualificados do quadro, o que não é sinónimo de perfeição ou infalibilidade), não teve o regresso que gostaria. Não teve uma noite feliz. Eu sei disso e ele, que é inteligente, humilde e auto-crítico, também saberá.
Entre vários lapsos cometidos, errou duas vezes em momentos importantes do jogo: não assinalou um pontapé de penálti favorável ao FC Famalicão e, perto do fim, não assinalou outro para o FC Porto.
Os dois foram lances algo "inesperados" em campo: o primeiro atípico e desnessário - com o defesa a controlar o lance, atrasar a bola para o seu GR e depois a fazer o impensável - e o segundo meio escondido e atabalhoado, mas claro e óbvio nas imagens. As imagens que todos vimos, em casa, de vários ângulos. As mesmas que o VAR tinha o dever e a obrigação de ver, em sala.
Não sei se tiverem essa noção, mas quando Nuno Almeida errou no lance de Pepe, o mundo virtual explodiu.
Teve uma espécie de "orgasmo artificial", que parecia estar contido há meses!
Atiraram-se foguetes e foguetes pelos céus azuis do Facebook e Twitter. A sede (e saudade) do choradinho do costume estava toda ali, esmagada contra a jugular, à espera de explodir boca fora.
O futebol é o ópio do povo mas só dá pica quando o povo se sente injustiçado. E o povo só se sente injustiçado quando vê o benefício dos outros, esquecendo-se de todos os que também teve. A memória seletiva é qualquer coisa de espantoso.
Ontem foram tantos os que, em plena partida, deram asas à sua indignação, tal a sensação de devastação pelo "rolo compressor do sistema", essa máquina poderosa criada por homens maus, com o intuito único de enganarem pessoas muito boas, inocentes e fofinhas.
Adeptos anónimos - ora com mais humor e sarcasmo, ora a destilar ódio e a espumar de raiva - cuspiram tudo o que estava entalado na garganta há meses, como que pegando em toda a pena que sentem de si próprios e atirando-a, aos sete ventos, de forma tão triunfante quanto libertadora.
Que bem que lhes deve ter sabido esses instantes de glória.
E que saudades que eu tinha desta normalidade tão normal, onde nem faltaram, claro, os intelectuais da escrita, os falsos moralistas de conduta impoluta, que logo se apressaram a pegar na pena para a habitual alfinetada satírica, tal a saudade que tinham em servir o mestre com a mestria irrelevante de paus-mandados. Cada qual nasce para o que nasce.
Foi giro... até ser chato. E foi chato quando Nehuén, num ato desnecessário e irrefletido, levantou a mão esquerda para prensar a bola contra o peito de Aboubakar, em plena área famalicense.
Caramba! Essa não estava nos planos! E agora, que se escreveu tanto sobre a malandrice do Pepe e os roubos do costume, coisos e afins?? E agora?
Então o festival estava todo montadito para duas, três semanas de "Calimerice Aguda - Nível Patológico Extremo" e, do nada, surge aquele raio daquela mão aparvalhada, para estragar tudo?!?
Não é justo..o que fazer? Como manter o discurso, o alinhamento, a teoria tão bem pensada? Que argumentos usar?
Bem... no passa nada.
Basta fazer de conta que aquela mãozinha malandra não aconteceu ou que não foi clara, importante, relevante, ostensiva, deliberada, sei lá... esperem, esperem!! Se calhar, basta apenas insistir na tese de que o primeiro penálti sim, foi gigante, óbvio, catastrófico, claríssimo, impactante, inacreditável, deliberado, etc.
Que saudades que eu tinha deste forrobodó. Só que não.
O "povo" entretém-se assim, porque pensa que o futebol entusiasmante é isto. Foi ensinado a pensar que a bola só tem piada, salero e interesse quando a conversa em redor do jogo mete ladrões, padrinhos, roubos de igreja, ajudas deliberadas e demais palhaçadas.
É um fenómeno interessante que daria para anos e anos a fio de sessões de terapia.
A parte boa desta normal normalidade é que é transversal. É coerente. É total.
Não sabiam?
Logo à noite ou, no máximo, daqui a uma ou duas jornadas, as redes sociais voltarão a ter picos de tráfego como não tinham há meses. A loucura estará de volta não tarda nada.
O samba será exatamente o mesmo, só que dançado por outros bailarinos. Depende do penálti, do fora de jogo ou do vermelho que apareça (ou não).
Mudam os palhaços, mas mantém-se o circo. E será assim até ao fim, porque reconhecer que se perdeu bem, que o adversário foi melhor, que o campeão foi merecido... não é coisa de macho.
Confessem. Não tinham saudades?
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