Ao contrário de muitas outras, mais objetivas, as infrações cometidas com as mãos são momentos de análise muito difícil para qualquer árbitro de futebol. Porquê?
Porque a sua (i)legalidade raramente é evidente. Porque a sua natureza técnica é quase sempre dúbia ou especulativa, o que torna a sua sentença mais falível e contestável.
Mas felizmente este fenómeno - o de nos habituarmos à ideia que há situações de jogo que não podem ter carimbos - parece agora ser melhor compreendido por todos os que amam o futebol. E ainda bem que assim é.
Acreditem quando vos digo: o futebol não é uma ciência exata.
E por muito que se insista na vontade em ter clareza das decisões - preto no branco, ou é ou não é - há muitos momentos em que isso simplesmente não é possível.
Isso acontece, por exemplo, quando a intensidade é mais subjetiva (falta/não falta), o contacto no limite (tocou/não tocou) ou a entrada na fronteira (amarelo/vermelho).
Por alguma razão, a maioria das leis começa com um lacónico: “Se na opinião do árbitro”, que é como quem diz... desenrasquem-se.
Trata-se de um presente envenenado nas mãos de quem tem a responsabilidade de medir e julgar, num instante fotográfico, intenções, intensidades e afins.
O caro leitor não tem noção da dificuldade que é, para um árbitro, perceber se um jogador toca ou não na bola deliberadamente (com as mãos/braços).

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É tão difícil e tão ingrato que a lei criou uma série de ferramentas, verdadeiras referências técnicas, para ajudar os juízes a tomarem a melhor decisão:
1. A mão/braço vai em direção à bola? Ou é a bola que vai em direção à mão/braço? No primeiro caso, o mais certo é haver infração. No segundo, o mais certo é que não exista falta.
2. A distância entre os jogadores é significativa ou a bola surgiu de forma inesperada, tipo “queima roupa”? O primeiro caso pode evidenciar infração. O segundo não.
3. A mão/braço do jogador estava ao longo do corpo e em posição natural para o seu movimento defensivo ou, pelo contrário, estava colocada em zona desnecessária? Ocupava um espaço anormal para a sua ação (volumetria)? No primeiro caso, não deve haver infração. Nos outros é quase certo que exista.
4. A bola sofreu um desvio ou ressalto antes de tocar na mão/braço? Ou isso não aconteceu? Na primeira opção isso significa que pode não ter havido infração. Na segunda sugere que esta possa ter ocorrido.
Além destes, permitam-me acrescentar um quinto: se um braço estiver predisposto para tocar na bola deliberadamente, o mais certo é que esteja tenso. Rígido. Para que a jogada morra intencionalmente ali.
Se, por outro lado, estiver mais flexível (mole) e for para trás (empurrado pela força da bola), é provável que só tenha havido contacto acidental, não corte faltoso.
Um dos problemas em avaliar este tipo de lances é que, não raras vezes, eles têm indicadores mistos. Ou seja, por um lado parece haver razão para punir (por exemplo, uma bola vir de longe), por outro não (braço ao longo do corpo).
Qualquer um destes argumentos, por si só, não garante existir ou não infração. São apenas meios para atingir um fim: o de ajuizar bem.
Se o leitor estiver de espírito aberto e conseguir criar alguma distância face a lances que a sua razão ainda veja com emoção, conseguirá entender que tudo isto pode ser diabólico para um árbitro.
Tenha isso em conta da próxima vez que assistir a jogadas complicadas como estas, porque a sua tolerância também é fundamental na melhoria do ambiente crispado que agora se vive.
Perceba que aqueles milésimos de segundo em que tudo acontece quase não permitem raciocinar. Perceba ainda que há situações em que nem as imagens televisivas ajudam a descodificar, o que invalida qualquer possibilidade de video-apoio.
E é aí que importa dar o benefício da dúvida a quem decide.
É frustrante não haver uniformidade de critérios, que todos tanto desejamos e queremos, mas no futebol isso só é possível quando as situações são claras, objetivas e inequívocas.
Nas outras, poderemos sempre concordar ou discordar... mas o importante mesmo é aceitar e respeitar.