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No banco com os misters

André David e a Taça: “Não é ambição desmedida de meninos que são jovens mas não são estúpidos. Podemos ter um jogar rico em equipa pobre”

André David já foi um dos treinadores mais jovens dos campeonatos profissionais em Portugal, depois de ter começado a carreira de treinador de seniores no Tourizense, então no 3º escalão nacional, em 2011/12, com apenas 26 anos, e de ter chegado ao Académico de Viseu, da 2ª Liga, em 2016/17, com 30 anos. Agora treina o Loures, do Campeonato de Portugal, que recebe este sábado o Sporting (20h45, RTP1), para a 3ª eliminatória da Taça de Portugal, e não tem dúvidas que a equipa pode deixar uma marca: "Há malta que defende que o modelo de jogo pode variar muito de acordo com os intervenientes. Eu acho que a complexidade daquilo que é o meu modelo de jogo é que pode mudar de acordo com o que são os intervenientes, se tiverem mais ou menos qualidade. Podemos ter um jogar rico em equipa de pobres"

Mariana Cabral

André David é treinador do Loures, equipa do Campeonato de Portugal (3º escalão nacional), desde o início da época 2018/19. Começou a carreira no Tourizense, em 2011/12, e depois passou por Oliveira do Hospital, Bragança, Académico de Viseu e Gafanha

Ana Brigida

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Qualquer pessoa entra aqui no estádio e vê o teu treino, está tudo aberto.
Sim. Às vezes o portão está fechado, mas esta é uma zona de passagem para as pessoas que querem ir para a urbanização. A malta que vem por trás do estádio atalha por aqui, portanto isto costuma estar aberto. Quem quer, entra, como tu entraste e como está agora aquele senhor ali ao fundo [aponta]. Quem quiser vê o treino, mas nós também não temos muito a esconder.

Não te importas que vejam os treinos?
Não me importo. Recebemos aqui malta da universidade, malta de todo o lado que pede para estar presente. Não colocamos qualquer tipo de entrave a isso. Acho que não há muitos segredos no treino.

Nem nesta semana excecional?
Não. O Sporting se quiser observar aquilo que nós fazemos vai ao InStat, que deve ter - também se não tem InStat tem Wyscout ou uma plataforma qualquer -, e retira aquilo que quer, porque está lá tudo. Vamos ser fiéis ao que fazemos normalmente e diariamente, porque não tem sentido de outra forma. Portanto o Sporting chega lá e vê - e se quisesse vir aqui observar também conseguia, não há grandes segredos.

Sabes quem é o Hugo Falcão?
Sei, conheci-o pessoalmente quando tivemos um jogo treino.

Ele agora é o treinador mais novo em campeonatos profissionais, um "título" que também já foi teu.
É verdade. Comecei nos seniores do Tourizense, depois de ter passado muitos anos no treino noutros contextos, em Vila Real...

Na formação?
Sim, na Associação de Futebol de Vila Real, no Abambres... Depois fui parar a Touriz, para ser treinador adjunto e treinador de guarda-redes dos seniores e assumir a equipa dos juniores, que estava na 2ª Divisão. Era um projeto com jogadores jovens brasileiros, burquinenses, portugueses, que estavam lá inseridos naquele contexto, porque aquilo tem uma mini academia, com um campo relvado, um mini estádio e um sintético. A equipa de juniores tinha miúdos de Lisboa, ex-formação do Sporting, por exemplo. Eu estava lá nos juniores quando peguei na equipa sénior, que estava quase sem solução do ponto de vista desportivo, porque estava para descer, estava a cinco pontos da linha de água. Por essa situação difícil e pelo trabalho que estava a desenvolver nos juniores, decidiram apostar em mim assim um bocado... "Olha, treina, vê o que consegues. Se manténs a equipa, és treinador de 2ª Divisão [atualmente Campeonato de Portugal] na próxima época. Se desceres à 3ª divisão [já não existe], passas a ser adjunto novamente". E nós conseguimos a manutenção na última jornada. Fizemos na altura nove jogos, com um a ser de transição: quatro empates, quatro vitórias e perdemos um jogo que devíamos ter ganhado, na penúltima jornada, e tinha ficado logo resolvido. E pronto, foi aí, aos 26 anos, que começou o meu futuro. Garantindo a manutenção e havendo uma melhoria na equipa, aquilo acabou por me dar a possibilidade de ficar naquele contexto, que era um contexto amador, mas em que se trabalhava como se fôssemos profissionais, com seis ou sete unidades de treino por semana, como nós quiséssemos, porque eles estavam ali à nossa inteira disposição. Ajudávamos a desenvolver alguns jogadores, o Xavier que agora está no Tondela, o Perdigão no Chaves, o Alemão na Oliveirense, o Paná no Académico de Viseu... Uma série de jogadores que tinham muita qualidade. E pronto, daí para a frente fui sempre treinador.

Aí já eras apenas treinador?
Sim. Quando fui para Touriz, fui apenas como profissional. Antes, em Vila Real, trabalhava também num bar de um amigo e dava AEC [atividades de enriquecimento curricular, no ensino básico], enquanto também treinava, para juntar uma módica quantia. Tinha ali quase todo o horário preenchido, nas 12 horas em que estava acordado [risos]. Depois transitei para Touriz e fiquei apenas a treinar. Nunca cheguei a concorrer às escolas. Tenho mestrado, não está concluído, mas nunca concorri porque saí de Vila Real e depois fui deixando passar, ficou a faltar-me a tese. Tirei o mestrado de ensino, que era o que toda a gente fazia, para alargar um bocado as possibilidades, se um dia tivesse de cair no ensino, mas só entrei para desporto por causa do treino. Olha, depois foi correndo mais ou menos bem e chegámos à 2ª Liga...

E o que aconteceu aí?
Fui despedido [risos]. Atingi os requisitos que um colega teu, jornalista, me dizia que tinha de ter para ser treinador: tinha de ter 30 anos e tinha de ser despedido pela primeira vez. Só a partir daí é que já me iam olhar como treinador [risos]. Os 30 anos entretanto já foram e o ser despedido também. Desde 2011/12, foi a única vez. As coisas não correram bem e não conseguimos atingir os objetivos, por isso voltei para o Campeonato Nacional de Seniores [agora chamado Campeonato de Portugal].

Ana Brigida

O que correu mal?
Sabes que andar aqui nestes contextos exige uma grande capacidade de adaptação...

Nos contextos semiprofissionais?
Exatamente. Há uma série de coisas... Olhas para aquilo que idealizas como perfeito e depois obviamente as coisas nunca são assim, porque temos de ter a capacidade de saber gerir e jogar com alguns fatores. Por exemplo, o massagista, que normalmente é um senhor que já está no clube há muitos anos, o que faz com que se rejeite os fisioterapeutas - acha-se que um enfermeiro chega perfeitamente e não é preciso; depois não há câmara de filmar; mesmo o treinar ao sábado... Nós no Bragança ficámos em 3º lugar no acesso à 2ª Liga, na série norte, e treinávamos terça, quarta, quinta e sexta. Sábado e quarta de manhã não treinávamos porque o presidente dizia que a Câmara não queria. "Então mas porquê?" Não queriam e nunca consegui treinar. No resto das condições até havia dinheiro para uma série de coisas, mas aquilo não. Pronto e eu achava que a nossa capacidade de adaptação funcionava em tudo. Não sou daqueles que diz que tem de ser assim ou vou embora, acho que tem de haver um meio-termo, para conseguirmos jogar com isto. Ok, não concordamos, não gostamos, não é bem por aqui, mas às vezes temos de ter a capacidade de perceber que quem gere são pessoas que gostam muito dos clubes, dão muito aos clubes, tanto do seu tempo como do seu dinheiro, é muito amor e paixão. Podem ter as limitações naturais de eventualmente não terem a visão desportiva mais adequada, ou tão avançada como gostaríamos, mas temos de ter a capacidade de gerir, porque não fazem por maldade, fazem porque simplesmente não sabem ou não valorizam. A minha ida para o Académico de Viseu, um contexto totalmente profissional, tinha algumas limitações, não adianta estar a falar muito disso. Mas eu achei que, tal como nos anos anteriores, me iria conseguir adaptar mediante aquelas limitações, como me tinha adaptado a outros contextos. Achei que me conseguia adaptar a tudo, mas percebi que há limites para a nossa capacidade de adaptação.

Podes dar um exemplo?
Posso dar um exemplo, mas também não quero voltar a chamar muito a atenção para isto: o facto de não concordar com a construção do plantel, que estava praticamente renovado. Isso na 2ª Liga traz limitações, porque o plantel é construído, eles têm contrato e rescindir pode custar o valor do contrato. E se o plantel tem 20 e tal jogadores e queremos rescindir com sete e ir buscar sete, então depois posso ter de ficar com 34 jogadores a receber, o que não é comportável, por exemplo. E às vezes há jogadores da casa, no caso, que eram de Viseu e que o presidente preservava e não queria mexer por ali, mas eu achava que devia mexer, por várias razões, inclusive por um caso de indisciplina. Mas também achei que depois me iria conseguir adaptar, ok, que as coisas não iam voltar a acontecer e iriam melhorar, mas são erros que nunca mais na vida vou cometer.

Serviu de aprendizagem?
Sim, serviu para aprender. Porque há algumas coisas, diretrizes, formas de estar, regras, liderança... Há limites no nosso espaço e aí não podemos deixar que alguém intervenha, para não perdermos aquilo que é a nossa dignidade, a nossa liderança, a nossa força do grupo, onde temos de fazer acreditar que as nossas ideias são as melhores. Quer dizer, não é que sejam as melhores, cremos que são ideias boas e adaptadas ao contexto e que podem levar a equipa a ganhar jogos. Não começámos bem, ajustámos, mas, numa altura em que estávamos a melhorar, perdemos com o último classificado e isso gerou depressão, entre aspas, junto de quem mandava. Depois continuámos mais duas ou três jornadas, mas foi só um arrastar, porque aquele resultado, se fosse positivo, traria uma distância considerável para a linha de água e daria muita confiança para o que vínhamos a fazer, dois empates e três vitórias, mas aquela derrota... Pronto, isso mexe com o aspeto emocional e acabámos por saltar fora. Mas serviu para aprender bastante.

Mas, hoje em dia, seja na 2ª Liga ou se calhar até nos sub-23, o treinador muitas vezes não é consultado naquilo que é a escolha dos jogadores.
Sim. Acho que na 2ª Liga o único treinador que constrói o seu plantel é o Vítor Oliveira. É a única pessoa que tem força para escolher quem quer e para dispensar quem quer. Porque o Vítor Oliveira também é o único treinador que é contratado, na sua essência, pela marca que ele traz. Nós todos trazemos uma marca, mas ele é o único que é contratado por essa marca. Porque todos os restantes são contratados porque são contratados. Ou com base no aconselhamento de alguém ou com base num resultado desportivo bom da época anterior, mas que muitas vezes não tem nada a ver com a realidade que vão encontrar a seguir. Quando se contrata sem saber por que razão é que se contrata, ou melhor, quando se contrata sem ter critérios claros para se contratar...

Mas contratam o Vítor Oliveira porque ele ganha, sobe as equipas.
Certo, contratam-no por isso, mas depois dão-lhe toda a abertura para fazer as coisas. Mas se calhar se contratarem outro do CNS [agora Campeonato de Portugal] porque ele ganhou, depois os jogadores são aqueles que já lá estão, podem ser jogadores que o treinador pode querer mandar embora e se calhar não há abertura para que isso aconteça... A liderança do treinador tem de ser suportada por uma estrutura. Porque, se não for, se for fragilizada, não há sucesso. Não adianta comprar guerras e manter guerras dentro de um grupo de trabalho que se quer são e a crescer com harmonia e simbiose.

Hoje em dia há muitos treinadores jovens que tem muito conhecimento sobre o jogo e sobre o treino. Achas que isso é apenas uma parte do que é necessário? Os treinadores têm noção que têm de se adaptar e aturar, digamos assim, dirigentes e problemas logísticos?
Há todo um outro lado que nós ou dominamos ou temos de aprender a dominar. Ou conhecemos ou vamos conhecendo.

Mas no início da tua carreira já conhecias esse lado?
Eu tinha era medo desse lado. Na equipa de juniores do Tourizense, com as quatro pessoas que ali investiam, ou que representavam o investidor - que mandavam, por assim dizer -, ao fim de algum tempo, para um jogo treino que servia para preparar o playoff de acesso à fase de subida.... Ou seja, nós quando entrámos nos juniores, tínhamos nove pontos, à nona jornada, e acabámos no 3º lugar, no playoff que dava acesso à fase de subida. Nós queríamos preparar esse jogo, que era com o Moreirense, com um jogo treino com o Rio Ave, em casa. Uma dessas pessoas, provavelmente por desconhecer o meu perfil - mas a verdade é que eu se calhar também não voltava a agir da maneira que agi naquele momento -, foi-me dizer que A não podia jogar, B não interessava que jogasse, o guarda-redes tinha de jogar... E eu disse-lhe: "Olha, não és tu que me vais dizer quem vai jogar. O jogo é para preparar um momento, não é para mostrar os jogadores que temos aqui aos outros clubes. Tu mandas em mim, se quiseres despedes-me. Mas na equipa mando eu". E a seguir ligaram-me logo dois sócios a dizer que eu era maluco e não sei quê. Não, não sou maluco. Aquilo não são modos de me dizer que quer que as coisas aconteçam. Se achava que o jogo e se calhar o pagamento da viagem para que o Rio Ave se deslocasse a Touriz para jogar tinha duas vertentes - a de preparar o jogo seguinte e a de mostrar aquilo que eram os jovens jogadores que ali estavam e que podiam alimentar o Rio Ave, que coincidiu na fase em que o Rio Ave foi à fase de campeão, juntamente com Benfica, FC Porto e Sporting, na altura em que entrou o projeto Jorge Mendes no Rio Ave - então nessa altura tinha logo dito: "Olha, André, gostávamos que o jogo tivesse também esta vertente, na medida do possível, vê lá o que pode acontecer". Mas foi numa de "tem de ser assim e assim". Então tem de ser assim quando tu mandares, enquanto mandar eu, sou eu que mando. E aceitas, se achares que os resultados são bons. Se não achares, muito bem também. A equipa tinha nove pontos quando nós entrámos lá e passados sete jogos tínhamos seis vitórias e um empate. Pronto. Era o meu feitio na altura, com 26 anos, era até uma forma de me defender de alguns ataques.

Agora já terias agido de forma mais conciliatória?
Agora eventualmente teria outra abordagem, não levando para um campo tão drástico, porque quando se leva para aí alguém que manda, estamos a desafiar uma liderança e sujeitamo-nos a sofrer as consequências, e não há necessidade, há outras formas de mostrar discórdia. Nesse âmbito também considero que cresci bastante. O treino é bom, gerir o treino é bom, mas acho que há duas ou três coisas que são fundamentais para um treinador. O processo de treino, claro, porque é a nossa arma.

É o mais importante, não?
É, é uma das coisas mais importantes. A gestão daquilo que são os seres humanos também é muito importante, porque eles são jogadores, mas antes de serem jogadores são homens, e a gestão do grupo e das expetativas são importantes. Há que ter a capacidade de mobilizar e de fazê-los acreditar na qualidade das nossas ideias - e a qualidade dessas ideias é o terceiro aspeto importante, porque não duvido que na 1ª e na 2ª Ligas e no CNS (agora Campeonato de Portugal) haja muita gente que trabalha bem, não conheço todos, mas quem está lá acaba por trabalhar realmente bem, agora, considero que a liderança e a qualidade das ideias, adaptadas eventualmente a alguns contextos, fazem a diferença e marcam a diferença de uns treinadores para outros.

Ana Brigida

Como avalias então a qualidade das ideias no Sporting?
Estou mais preocupado com a qualidade das ideias do Loures e com a capacidade que o Loures vai ter de interpretar o jogo, com as resistências que o adversário nos vai colocar, com um grande objetivo que temos, que é passar à próxima eliminatória. Utópico? Talvez, mas não é uma ambição desmedida de uns meninos de uma equipa técnica que são jovens mas não são estúpidos. Sabemos bem que as possibilidades serão de 90% para 10% ou até 99% para 1%, mas queremos ter a capacidade de reduzir os espaços para o Sporting e encontrar espaços para enganar e surpreender. Estamos muito focados em coisas específicas, porque no nosso jogo da semana passada, contra o Torreense, que até perdemos, tivemos 70% de posse de bola, o que vale o que vale, com vários remates, várias oportunidades de golo não concretizadas... É neste caminho que temos de continuar a crescer, mas naturalmente sabemos que esta semana se calhar somos nós que vamos ter 30% de posse, mas estamos a preparar a equipa de encontro a isso, porque é claro que vamos ser obrigados a defender mais tempo, mas também vamos ter de ter bola se queremos ser minimamente audazes, atrevidos e mostrar aquilo que valemos. O momento com bola é um momento que não podemos de forma alguma ignorar e que queremos ver em prática. Dentro disto, teremos uma ou outra especificidade, sabendo que estrategicamente podemos usar um ou outro aspeto defensivo ou ofensivo para surpreender o Sporting. É isso que tem centrado as nossas atenções. Agora, se o Sporting joga bem ou joga mal, joga bonito ou joga feio, é uma questão que não me diz nada. Não tenho de ser eu a avaliar, porque é um colega de profissão e há tanta gente aí nos canais generalistas que faz isso.

A propósito desse último jogo que referias, falei com um treinador que jogou contra vocês e ele disse que ganhou, mas levou um banho de bola. Sendo habitual para as tuas equipas querer ter bola e um estilo de jogo mais dominante, como é que se faz a adaptação para um jogo como o de hoje, em que dificilmente terás tanta bola?
Quando olhamos para isto de ter muita bola e perder, ou, como o colega disse, levou chocolate mas ganhou, isso leva-nos a refletir, porque nós também não somos estúpidos, nós queremos é ganhar. O objetivo do jogo é ganhar. Se o meu objetivo for chegar ao Porto, por exemplo, eu quero é chegar ao Porto. Naturalmente que quem faz uma viagem quer chegar ao destino; eu também quando estou num jogo quero ganhar. O caminho para lá é que pode ser diferente. Agora, o caminho escolhido tem de ser essencialmente aquele que nós acreditamos que é o melhor para chegar lá. E o mais eficaz. Às vezes o mais eficiente, mas essencialmente o mais eficaz, o que nos faz chegar lá. Quando nós analisamos esse facto de termos tido capacidade para ter mais bola do que o adversário, criar mais problemas ao adversário, fazer com que a equipa tenha situações de finalização, e depois sofre, então isso leva-nos a pensar no porquê de sofrermos. Ok, estamos a jogar assim, mas se o adversário mete dez contra ataques por jogo e em dois ou três deles coloca gente na cara do guarda-redes e passamos por dificuldades, então alguma coisa está mal.

A equipa pode não estar equilibrada a atacar.
Mas a verdade é que num dos jogos que tivemos jogámos, criámos, mas depois num cruzamento adversário para a área a bola escapou às mãos do nosso guarda-redes, bateu na cabeça do avançado e eles ganharam 1-0. Ou outras situações assim. Se a equipa de facto não concede situações de finalização, de perigo ao adversário, e o adversário marca golo numa única situação, significa que essa eficácia é mentirosa. Aconteceu ali. Muitas vezes as equipas não mostram em campo aquilo que é a verdadeira qualidade dos intervenientes, porque uma coisa é o talento e outra coisa é o rendimento que em determinado momento os jogadores e a equipa apresentam. Isso às vezes vai mudando. Ok, o adversário marcou uma vez, mas vamos continuar a insistir, a otimizar, a melhorar algumas situações e vamos continuar a crescer para ser mais fortes. Neste jogo contra o Sporting, sabemos que não vamos ter tanta bola, porque não nos vão deixar ter tanta bola, vão ser agressivos e tentar ter mais bola, nós sabemos perfeitamente isso e sabemos que temos de estar bem preparados e ter alguma capacidade de sofrimento e paciência para estar sem bola, o que é difícil num equipa que está habituada a ter bola. Por outro lado, quando tivermos a bola... É claro que o cansaço durante o jogo vai levar a que a equipa tenha menos discernimento e menos capacidade, essencialmente mental, para ter bola. Isso vai obrigar a que tenhamos de ser atrevidos, audazes, malandros na forma de estar em campo, para termos o atrevimento de querer fazer com o Sporting exatamente o que tentámos fazer aqui com o Torreense e antes com o Nogueirense, com o Oeiras, com o Caldas... Aquilo que tem sido o crescimento da equipa nestas seis semanas desde que estamos aqui no Loures é para continuar, por isso temos de aproveitar um jogo de dificuldade acrescida, de intensidade elevada, para fazer crescer aquilo que são as nossas ideias em campo, para na semana seguinte sermos melhores.

E quais é que são essas ideias de jogo?
Defensivamente, gostamos de ter uma equipa junta, compacta, a defender alto, longe da baliza, o mais longe que o adversário nos permitir, para que o adversário não tenha condições de utilizar o espaço mais próximo da nossa baliza para atacar. Quando recuperamos, se pudermos aproveitar o contra ataque e o espaço que o adversário nos dá nas costas, muito bem, se não conseguirmos, então a equipa joga junta, chega junta e está junta no último terço, para que nesse momento, se não conseguir criar ou finalizar, no momento da perda da bola, possa estar próxima para conseguir reagir rapidamente e recuperar a bola. Esta tem sido a nossa ideia geral: reduzir espaços ao adversário e defender longe da nossa baliza e depois, juntos, encontrar espaços para chegar a zonas de finalização e finalizar e chegar ao golo.

De que forma é que essa ideia tem vindo a mudar nos vários clubes por onde passaste? Tem alguma coisa a ver com os diferentes intervenientes?
Não. Há malta que defende que o modelo de jogo pode variar muito de acordo com os intervenientes. Acho que a complexidade daquilo que é o meu modelo de jogo é que pode mudar de acordo com o que são os intervenientes, se tiverem mais ou menos qualidade. Costumava dizer que quem via o Tourizense de preto e branco, o Oliveira do Hospital de azul e branco, o Bragança de amarelo, o Gafanha de azul branco, via que aquela equipa era uma equipa da equipa técnica do André David. Via que era uma ideia nossa, porque há uma série de coisas, não só a forma de atacar, não só a forma do toque que os jogadores dão na bola, da forma como se ligam uns com os outros, aquilo que é a simbiose que eles vão criando com aquilo que são os nossos exercícios, com aquilo que são as nossas ideias... Viam isso no Oliveira do Hospital, que subiu do distrital ao CNS, e no ano seguinte, no CNS, sendo uma equipa com um orçamento muito menor comparado com a maior parte das equipas daquela série, mas ficámos apenas com um ponto a menos do que as equipas que estavam no playoff. Ou seja, a complexidade que os adversários nos iam criando, a capacidade que tivemos, em termos coletivos, de crescer enquanto equipa, levou a que alguns jogadores que eram de distrital, miúdos que ganhavam 100 euros e que nós fomos buscar, pudessem criar uma qualidade de jogo assinalável, assente numa boa organização defensiva, a mesma que temos agora. Quer dizer, a mesma não, seria ridículo, que isto já foi há três ou quatro anos e fomos crescendo e melhorando, mas parecidom no sentido em que não deixamos jogar por dentro, obrigamos a jogar pelo corredor, temos zonas de pressão bem definidas, temos a equipa junta em 20, 25 metros, às vezes a defender com uma disposição de 4-3-3, às vezes a defender com uma disposição de 4-4-2... Na altura era uma equipa que atacava em 4-3-3, com trocas posicionais nos corredores... Isto eram algumas coisas que identificavam no nosso modelo. Os executantes são diferentes, mas depois acho que os executantes crescem no jogo, de acordo com a qualidade coletiva, que consegue potenciá-los. Acredito nisto. Acredito que as minhas ideias podem ser aplicadas em qualquer equipa. Podemos ter um jogar rico numa equipa de pobres. Agora, as resistências que apanhamos pela frente, quanto melhores e mais equilibradas, se calhar depois não nos permitem ter tanta complexidade no nosso jogo, sobretudo no momento ofensivo. Obrigam-nos a ser mais pobres ou mais ricos.

Então, simplificando a questão, numa equipa do André David não vamos ver o central a meter um charuto no avançado?
Se ele não tiver conforto num primeiro momento do jogo e tiver de fazê-lo, faz. Se ele fizer isso dez vezes então já me vai ouvir, porque não precisa de fazê-lo, obviamente. No primeiro momento do jogo há aquela pressão, olhando para o Sporting, há de ser um momento em que o Sporting vai entrar forte, porque quer mostrar que é favorito, quer mostrar que tem melhores jogadores e que é uma equipa de Liga Europa. E nós podemos ter de levar o jogo para onde nos sentirmos mais confortáveis, para entrarmos no jogo de forma equilibrada também nos aspetos emocionais, porque é estúpido da minha parte querer começar a jogar curto com a equipa ainda ansiosa e eles a pensarem que estão ao lado dos gajos que veem na televisão. Se não tiverem a capacidade para se soltarem disso, porque isso pode acontecer perfeitamente, é natural, podem começar a ter erros técnicos e a ficarem muito desconfortáveis no jogo e depois demorar mais 20 minutos - ou até sofrer um golo - para finalmente se soltarem e entrarem normalmente dentro do jogo. Portanto prefiro que se adote outro tipo de estratégias e que eles, dentro da complexidade da qual falávamos há pouco, vão crescendo e percebendo que a cada dia são mais capazes, são mais atrevidos, mais maduros e competentes a fazer coisas que o mister quer. Quero que eles façam, sim, mas que ganhem conforto e que ganhem esse atrevimento, que vão crescendo e evoluindo.

Ana Brigida

O mediatismo traz mais ansiedade do que motivação?
Tenho dito que o mediatismo neste contexto tem uma parte boa e uma parte má: tem a parte boa, da motivação extrínseca que existe, mas que pode até funcionar mal no futuro. Na motivação intrínseca, eles têm de perceber que têm de ser capazes de evoluir treino a treino e que este é apenas mais um jogo, com um grau de dificuldade muito mais elevado do que os restantes, para crescermos e sermos mais fortes coletivamente. Porque eles também sabem que só aparecem individualmente, salvo raras exceções, se coletivamente formos uma equipa forte. Porque se não criarmos condições para um extremo ir para cima e desequilibrar, se ele tiver de desequilibrar numa situação de um contra quatro ou de um contra três, não vai ter sucesso. Mas se criarmos condições para ele receber em um para um, já enquadrado e podendo ir para cima deles, é muito mais fácil. O jogo coletivo proporciona isso, na forma como nós jogamos e envolvemos os jogadores. Isso faz parte do nosso crescimento e vai ter de continuar assim, para que quando formos jogar com o Peniche, na próxima semana, termos a noção clara de que o trabalho que fizemos esta semana, independentemente do mediatismo, serviu e ajudou a que nós crescêssemos e fôssemos mais capazes e competentes. O chip para o campeonato tem de ser ligado, porque a motivação que nos fez trabalhar também esta semana foi a de crescer coletivamente e individualmente.

Preferias jogar muito bem e toda a gente reconhecer uma grande capacidade aos jogadores e perderem 1-0, ou jogarem muito mal e indo apenas uma vez à área contrária ganhar 1-0?
Eu prefiro ganhar. Agora, isso não vai acontecer, porque isso não é a nossa identidade. Isso não se pode colocar assim, não é? Eu quero ganhar e a eliminatória é para se ganhar. Só temos é o Sporting pela frente, um dos maiores clubes nacionais. Mas o nosso objetivo é ganhar. Não vai ser assim como disseste porque não faz parte da nossa identidade. Poderá obviamente acontecer que passemos mais tempo a defender do que aquele que gostaríamos, mas depois aos 92', que é para não sofrer muito tempo, marcamos um golo e ganhamos 1-0 [risos]. Ótimo. De outra forma posso ficar dez anos mais velho [risos], com a ansiedade. Eu gosto muito de ganhar. Fico insatisfeito quando ganhamos sem jogar bem e fico louco quando ganhamos e jogamos bem. E aqui jogar bem para muita gente é muita coisa, para mim é ser fiel ao que é o nosso treino, ao nosso dia a dia, à nossa identidade e ao nosso modelo. É isso o meu jogar bem. É isso que eles tentam controlar, porque é esse o nosso trabalho diário. Jogar bem, correr tudo bem e ganhar, nem que seja só por 1-0, não concedendo nenhuma oportunidade ao adversário, dominando e controlando, fico super feliz. Se perdemos e jogamos bem, fico triste. Ganhar deixa-me satisfeito, ganhar e jogar bem deixa-me eufórico.

Que peso tem a estratégia na tua semana de treinos? Especialmente nesta semana que antecedeu o jogo contra o Sporting?
Esta semana tem tido um peso maior do que o normal. Não sei avaliar se a estratégia vale 10%, se a observação vale 5%, se o trabalho de prevenção de lesões vale 5%... Sei é que há uma série de aspetos paralelos, que não são dissociáveis daquilo que é o jogar de um jogador, do rendimento individual, porque têm um peso grande. Ou seja, várias coisas têm um pequeno peso e depois isso tudo leva a que haja um peso grande. Se contarmos que a aleatoriedade do jogo pode ser de 20 ou 30%, isso é muita percentagem que nós não controlamos e que queremos ter controlada, com trabalho feito e realizado. Esta semana, naturalmente... Todos os adversários que vimos jogar contra o Sporting tiveram muitas dificuldades para bloqueá-lo, independentemente de tudo o que se diz atualmente deste Sporting. Foi difícil não deixar que o Sporting saísse das zonas de pressão, porque tem qualidade individual, tem jogadores com potencial para sair de qualquer espaço, contra as equipas da 1ª Liga - e contra as equipas da 2ª Liga também deve ter e contra as equipas do nosso campeonato então terá de certeza absoluta. Não será fácil e por isso definimos algumas pequenas nuances que achámos que estrategicamente, num ou noutro posicionamento, poderiam ser vantajosas para termos um jogo, na maior parte do tempo, equilibrado, naquilo que diga respeito a situações de perigo, e controlado, para que não deixemos que o Sporting nos desequilibre com facilidade. Aí temos alguma preocupação extra porque a nossa boa organização defensiva - que nós achamos que é boa, porque nos quatro jogos que fizemos para o campeonato e um para a Taça, apenas sofremos em dois jogos, e foi de bola parada - irá encontrar pela frente mais resistência.

Esta semana focaram-se mais na organização defensiva?
Demos um bocadinho mais de ênfase à organização defensiva, também porque temos vindo a dar previamente bastante ênfase ao que é a organização ofensiva, portanto houve um bocadinho mais de volume de trabalho na organização defensiva, para especificarmos algumas questões e tentar de alguma maneira reproduzir uma ou outra situação que o Sporting tem como padrão e que nós identificámos. Queremos estar preparados para combater esses pontos fortes, essencialmente.

E as bolas paradas, já agora, se sofreram dois golos assim.
[risos] Exato, sofremos dois golos quase na mesma zona e eles devem saber isso, portanto vamos estar de certeza absoluta preparados para combater isso.

Só apanhei aqui a última meia-hora do treino de hoje [quinta-feira], mas foi só finalização.
Apanhaste aqui uma coisa que até nunca fazemos. Em seis semanas, foi a primeira vez. Há alguma tensão, algum nervosismo, alguma ansiedade, também por querer fazer bem com bola, porque está sempre aqui gente a ver. Mas eles sabem que não é por ser Taça que vai ser Natal mais cedo, não há prémios para ninguém. Só há o premiar daquilo que é o rendimento e há o confiar naquilo que é o trabalho deles, porque quem tem rendimento, joga, quem não tem rendimento não joga. E nós para dar aqui algum conforto e quebrar aquilo que tem sido o foco constante em algumas coisas do nosso trabalho, premiámos aqui de certo modo os jogadores com uns remates de forma mais simplista, para eles se divertirem - até fizeram uma aposta com os guarda-redes. E pronto, nesse aspeto foi um treino um bocadinho diferente, porque hoje, para nós é sexta-feira [em termos da periodização semanal dos treinos] e amanhã [sexta-feira] será o nosso "sábad"o habitual, com algumas bolas paradas, e depois vamos também fazer um treininho no sábado antes do jogo. Não costumamos fazê-lo, mas como o jogo é só à noite, achámos que era melhor, para soltar e para ativar um bocado, e aproveitar também para insistir numa ou outra questão estratégica.

Faz diferença que o jogo seja jogado noutro campo que não o vosso?
Sim, naturalmente. Para quem está habituado a trabalhar aqui, num sintético, é diferente trabalhar na relva. Agora, para o jogo que nós queremos jogar até há mais vantagens em termos mais espaço e relva, com a bola a não ter tantas dificuldades em rolar. Este piso aqui [estádio do Loures], ainda por cima sem rega, obriga muitas vezes a que haja dificuldades na receção, o passe também não fica bem, a bola às vezes salta, enfim, perdem-se segundos na decisão, porque são momentos em que podíamos estar de cabeça levantada, mas a tendência é para baixar, para que a bola não fuja no gesto técnico. Naturalmente jogar na relva - mesmo não sabendo em que condições está o relvado natural - será mais vantajoso para nós.

Ana Brigida

Já chegaste aos oitavos de final da Taça de Portugal. É especial?
Sim, no segundo ano em que estive no Tourizense, jogámos contra a Académica. Entrou quase naquilo que estavas a dizer há pouco: jogámos muito bem, toda a gente ficou encantada com a equipa, mas perdemos 3-0. Sofremos um golo aos 35 minutos e isso soltou a equipa, mas depois sofremos um golo de penálti que o Edinho sofreu, penso que aos 81 minutos, e depois aí acabou o jogo. E sofremos outro já a terminar. Nessa altura aquela equipa mostrou o que nós também queremos mostrar agora: o que é a qualidade coletiva e individual do nosso jogo, para os jogadores se potenciarem e mostrarem. Lembro-me que na altura o [Luís] Freitas Lobo [comentador da SportTV] salientou o Perdigão, que depois saltou para a 1ª Liga, e aquela era uma equipa com jogadores com qualidade técnica.

Nunca chegaste a pensar no Jamor?
Não, nunca pensei, sinceramente. Não sei se é falta de ambição, se é estupidez, se o que é, mas não tenho esse sonho de chegar ao Jamor. Não sei se é por ter vindo mesmo lá de baixo e sonhar só patamar a patamar. O meu grande sonho, até tenho isso escrito num documento Word que tenho, era ser melhor treinador do que aquilo que fui enquanto jogador, mas isso também não era muito difícil [risos].

Eras mau?
Era. Só queria ser treinador de campeonatos nacionais e isso foi logo. Depois o objetivo era chegar à 2ª Liga. Cheguei.

Também chegaste. E depois?
Agora é voltar à 2ª Liga e chegar à 1ª Liga. Mas não tenho aquele sonho, nem uma meta muito bem definida a longo prazo. Quero chegar aos campeonatos profissionais. Não tenho 100% de certezas, mas tenho muitas certezas que vamos lá voltar. Sei como se trabalha, percebi alguns erros que cometi e de certeza absoluta que quando voltar vou estar muito mais preparado e mais capaz. E tenho quase 100% de certeza que vamos voltar aos campeonatos profissionais e vamos voltar a ter sucesso.

Com as devidas diferenças, é um bocado como o exemplo do Paulo Fonseca, que subiu e voltou a descer e depois voltou a subir.
Mas isso é um erro de raciocínio. Só salientamos os percursos mais peculiares: Paulo Fonseca, Leonardo Jardim, José Mourinho... isso se calhar é 1% daquilo que são os treinadores. E nós às vezes esquecemo-nos um bocadinho disso. É como a música. Pode haver 10 ou 20 grandes álbuns, mas depois há milhões de músicas. Mas o nosso cérebro está programado para ver aquilo que sobressai. Olhamos para o percurso de alguns treinadores e pensamos que era ótimo, sempre a subir, como o Marco Silva ou o Paulo Fonseca, com mais ou menos sucesso relativo, mas depois esquecemo-nos, por exemplo, que o Sarri foi despedido para aí umas sete ou oito vezes, o Jesus também acho que teve algumas chicotadas pelo percurso... Portanto, a tendência é ter sempre algum insucesso associado. O contrário é que é peculiar, como o percurso do Jardim. O Jardim foi despedido agora, mas foi despedido numa época mais frágil, depois de ter tido muito sucesso, durante anos. Quantos treinadores é que vão ter este percurso? Poucos. A tendência é sempre haver alguns despedimentos e ir crescendo com isso. A minha maior frustração foi ficar sem clube no ano seguinte a esse ano em que fomos à 5ª eliminatória da Taça de Portugal com o Tourizense. Estávamos em 6º lugar no final da 1ª volta, conseguimos rentabilizar dois jogadores, mas não conseguimos colmatar o peso que eles tinham no grupo e tivemos uma série de derrotas, depois voltámos a encaminhar e garantimos a manutenção, mas houve algumas zangas e sobrou para mim também, portanto voltei para o distrital. Quando estamos em Lisboa, com a proximidade e os contactos que se criam, a capacidade de mostrar aquilo que é o nosso trabalho é muito maior. Naquela altura ainda só tinha um ano e meio como treinador sénior. Ok, quem é o André David? 27 anos? O que é que fez? Nem sequer foi bom jogador, não conhece diretores, não conhece ninguém, portanto tinha de ser contratado pelo trabalho. Não tive essa continuidade no CNS e tive de voltar ao distrital, mas foi a melhor coisa que me aconteceu, porque antes a maioria das vezes o desafio era não perder, porque a pressão nunca estava do nosso lado. Mas no distrital nós tínhamos a pressão, porque tínhamos de ganhar, tínhamos de jogar para ganhar todos os jogos. Nós tentamos crescer com as ideias e inventamos e reinventamos e também percebemos que tínhamos essa capacidade. São perspetivas diferentes. Por exemplo, sábado à noite, o 0-0 vai estar bom, porque na Taça um 0-0 está sempre bom, mas no campeonato, para uma equipa que quer subir, o 0-0 nunca é bom, nem em casa nem fora nem pelo caminho. E essa pressão nas minhas costas fez-me muito bem, foi das coisas que mais me custou mas das que melhor me fez, porque me obrigou a crescer muito enquanto treinador naquela altura.

Quem foram as referências que te fizeram crescer como treinador?
Quando falava daquela questão da marca, eu acredito muito que nós como treinadores somos uma marca. Naquilo que é o nosso jogo, na liderança, na comunicação, no conhecimento, na gestão... numa série de questões. As pessoas ao longo do tempo vão percebendo isso. Eu, inegavelmente, fui influenciado por José Mourinho, porque estou na universidade na altura em que ele aparece, por volta de 2003, a ganhar tudo e a mudar o paradigma, abrindo a porta a jovens treinadores, com irreverência, e em termos de treino mudou aquilo que era o padronizado. Em termos de percurso, admiro muito o que fez o Jardim, até porque sou de Vila Pouca de Aguiar, de Sabroso de Aguiar, que é uma terra muito próxima de Chaves, e habituei-me a ver o Chaves da altura do Jardim, inclusivamente vi o jogo da subida, e fiquei o torcer por alguém que não me diz nada enquanto pessoa mas que começou a dizer-me enquanto treinador, pela personalidade, pela forma de estar, e habituei-me a torcer pelos êxitos dele. Não é alguém que me tenha influenciado muito pela forma de jogar, mas pelo percurso, como quem torce por um clube de que gosta. E depois, naturalmente, há vários treinadores que gosto de ver, desde Guardiola, Sarri, Conte... As equipas dizem-nos algumas coisas e nós vemos e roubamos, de certa forma, e às vezes procuramos adaptar ao que é o nosso modelo, com algumas dinâmicas que já temos. Na altura também André Villas-Boas, no FC Porto, Vítor Pereira... Há aqui alguma malta que me influenciou muito pela forma de jogar.

Um treinador do Campeonato de Portugal ganha bem?
Depende do que é que é viver bem [risos]. Costumo dizer que fazemos o que amamos e ainda nos pagam. É das poucas profissões no mundo em que isso acontece, porque há grande parte das pessoas que trabalham sem gostar do que fazem, se calhar gostariam de fazer outra coisa na vida. Eu não faria outra coisa se não ser treinador. Se calhar podia não ser a este nível, mas é um contexto em que trabalhamos no que gostamos e ainda nos pagam. Nos clubes por onde tenho passado felizmente nunca houve ordenados em atraso e recebemos bem mais do que o ordenado mínimo nacional, talvez o dobro ou mais do que o dobro, também porque depois juntamos ao ordenado casa e alimentação, que também são pagas pelo clube.

A tua equipa técnica é composta por quantas pessoas?
Este ano não está completa, porque um dos elementos não pôde vir, mas integramos um dos elementos que fazia parte da casa, o João, que é fantástico também. Temos uma equipa técnica disposta em treino de guarda-redes, observação do nosso rendimento e do adversário, condição física, entre aspas, na prevenção de lesões, como forma complementar - e todos têm de ter conhecimento da metodologia do treino. Mas são estas três grandes áreas. Somos quatro. É um bom número. Se calhar em termos da operacionalização do treino eles até se sentem inúteis, porque eu gosto muito de intervir no treino, comunicar com os jogadores, portanto eles também ajudam, claro, mas eu gosto muito de ter um papel ativo e liderar o treino e vivê-lo por dentro. O planeamento do treino é feito por todos. No início damos sempre algum espaço para que os guarda-redes treinem de forma específica com o treinador de guarda-redes e depois ligamos com o resto do treino, sempre tendo em vista aquilo que é o modelo de jogo da equipa e a operacionalização do mesmo.