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O começo da construção de Bob

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Esta tarde, na Cidade do Futebol, começa o primeiro estágio da era Roberto Martínez

Esta tarde, na Cidade do Futebol, começa o primeiro estágio da era Roberto Martínez

Gualter Fatia/Getty

Para um amante do diálogo e da palavra, não conseguir comunicar no idioma do país onde vive deve assemelhar-se a um pesadelo. Roberto Martínez é testemunha disso: conversador nato, fã da concórdia encontrada através da palavra, chegou em 1995 a Wigan, a pouco mais de 30 minutos de carro de Manchester, sem saber falar inglês. A falha foi corrigida e, depois de 21 anos de trabalho como jogador e treinador no Reino Unido, Roberto saiu das ilhas com Bob como carinhoso diminutivo, uma mulher escocesa e sendo considerado “um inglês nascido em Espanha”.

Até janeiro de 2023, a diferença linguística que separava o catalão do domínio do português seria bastante menos profunda do que a que o afastava do inglês em 1995, mas, ainda assim, Roberto não concebe o seu trabalho sem dominar o idioma do país que o escolheu como primeiro selecionador não lusófono da história. Portanto, logo após ter sido fechada a contratação, Bob mergulhou em, pelo menos, duas horas diárias de aulas de português, numa adaptação linguística a somar à futebolística: um tour pelos estádios do futebol nacional, desde Alvalade, Luz ou Dragão até ao António Coimbra da Mota ou ao Aurélio Pereira, além de conversas pessoais com todos os convocados para o Mundial 2022.

Este processo teve a primeira concretização prática na sexta-feira, com a lista de convocados inaugural do espanhol. Mostrando os efeitos das lições de português, num esforço para se expressar na língua da audiência que tinha perante si, Bob deu passo a outra característica fundamental da sua personalidade: a tendência para o consenso e a aversão a ruturas abruptas.

Dos 26 jogadores que estiveram na lista de Fernando Santos no Catar, 23 constaram entre os primeiros eleitos de Martínez — entretanto, Pepe foi dispensado por lesão. William Carvalho, Ricardo Horta e André Silva foram os únicos preteridos, com as chamadas de Gonçalo Inácio e Diogo Leite, demonstrações da vontade de renovar o eixo da defesa e de ter alternativas para testar os três centrais, a serem a única verdadeira nota diferente no que toca a nomes próprios.

RODRIGO ANTUNES/Lusa

O traço pessoal da construção de Bob será, assim, dado de outras formas. Desde logo, pela comunicação, mais aberta e explicativa, menos fechada e com menos medo do exterior, vendo no contacto com os órgãos de comunicação social uma oportunidade e não um perigo.

De uma maneira ou outra, todos os selecionadores dos últimos 20 anos saíram do banco nacional com polémicas e conflitos pelo meio: António Oliveira e as novelas da Coreia; Scolari e a assinatura pelo Chelsea em pleno Euro 2008; Queiroz e a lesão de Nani, o anti-doping, o bate-boca com Pepe e Deco, o “fale com o Carlos Queiroz”; Bento e o índice de suspeição lesional nas tristezas do Brasil; Santos e a suplência de Cristiano Ronaldo, o capitão que fez juras de amor eterno ao engenheiro em Saint-Denis, mas que não se despediu publicamente do agora selecionador da Polónia.

Estará entre as prioridades de Roberto Martínez evitar a fricção. Para já, 2023 ajudará a um arranque suave. A qualificação para o Euro 2024 dará um cenário ideal para testes e ajustes. Bósnia, Eslováquia, Luxemburgo, Islândia e Liechtenstein, num grupo em que os dois primeiros garantem qualificação direta para o torneio que se disputará na Alemanha, são adversários, no mínimo, simpáticos.

Neste 2023 que antecede o ano em que, verdadeiramente, o novo selecionador será colocado à prova, o grande teste ao dialogante que gosta de consensos tem forma de lenda, rasto de 118 golos em 196 internacionalizações e presente longe da elite da bola em que atua a esmagadora maioria deste elenco.

Com o apuramento para o Europeu a não dever ser mais do que o cumprir de uma formalidade — se assim não for, será um péssimo sinal —, a gestão da situação de Cristiano Ronaldo será, talvez, o maior desafio dos primeiros meses da construção de Bob. Chamando-o, o catalão evita entrar já pelo ruído e conflito. De certa forma, passa a bola ao avançado, que terá a oportunidade de fechar uma das histórias mais gloriosas do futebol com a dignidade que o seu próprio percurso merece, longe de amuos ou olhares desafiantes, mas entendendo que o tempo passa e que alguém lhe está a dar uma oportunidade de preservar o legado que o rapaz que nasceu há mais de 38 anos na Madeira construiu.

Quinta-feira contra o Liechtenstein, em Alvalade, no estádio que foi inaugurado ao ritmo de fintas de um adolescente com vontade de comer o mundo, chega o primeiro jogo da era Roberto Martínez.

O que se passou

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Flexibilidade é a palavra escrita no quadro (a análise à primeira convocatória de Roberto Martínez)

Foi na sequência de uma pergunta sobre Gonçalo Inácio e Diogo Leite, os dois centrais que são as únicas verdadeiras novidades na lista do novo selecionador, que Martínez traçou o caminho: “Temos de ser flexíveis tacticamente”, apontou. Para o analista e comentador Tomás da Cunha, parece claro que, tal como acontecia na Bélgica, há vontade para experimentar um sistema com três defesas. Sobre Cristiano Ronaldo, a chamada não surpreende, mas mais do que a inclusão na convocatória, que divide opiniões, importa perceber se já aceita um estatuto secundário

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Era o encontro mais importante da 25.ª jornada, até pelas implicações para a tabela, e jogou-se para isso: apesar do 0-0, o SC Braga - FC Porto foi um grande duelo, com as duas equipas a olharem para a baliza, oportunidades para os dois lados e a falta de definição a ser o único entrave. Com o empate, o Benfica fica agora com 10 pontos de vantagem. Mesmo longe, venceu a ronda em toda a linha

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Zona mista

Estava deprimido e quase a desistir. Fui visitar o memorial e disse: ‘Como é que vou desistir?’. Como este país sofreu e como deu a volta é inspirador para todo o mundo, então eu não podia desistir

Gianni Infantino, reeleito, sem oposição, presidente da FIFA, explicou como um memorial das vítimas do genocídio no Ruanda, em 1994, o ajudou quando chegou ao cargo, em 2016. Depois de se ter sentido trabalhador migrante ou homossexual no Catar, o suíço, cada vez com mais poder concentrado na sua figura, achou por bem comparar um acontecimento que levou à morte de mais de 500.000 pessoas à sua campanha para dirigir uma organização com mais de €4 mil milhões em reservas bancárias.

O que aí vem

Segunda-feira, 20
🏀 NBA: Memphis Grizzlies - Dallas Mavericks (0h, Sport TV2) e Houston Rockets - Golden State Warriors (0h, Sport TV6)

Terça-feira, 21
🤾 Liga Europeia de andebol: Bidasoa - Sporting (19h45, Sporting TV) e Benfica - Flensburg (19h45, BTV)
🏀 NBA: Brooklyn Nets - Cleveland Cavaliers (23h30, Sport TV2)

Quarta-feira, 22
⚽ O Argentina - Panamá é o primeiro encontro da albiceleste desde que se sagrou campeã mundial no Catar, em dezembro (0h, Sport TV1)
🎾 ATP 1000 (15h, Sport TV5) e WTA 1000 de Miami (16h, Eleven1)

Quinta-feira, 23
⚽ Arranca a qualificação para o Euro 2024 e a era Roberto Martínez na seleção nacional: Portugal - Liechtenstein (19h45, RTP1)
⚽ Também na qualificação há ainda o Itália - Inglaterra (19h45, Sport TV2) e o Dinamarca - Finlândia (19h45, Sport TV4)

Sexta-feira, 24
⚽ Qualificação Euro 2024: França - Países Baixos (19h45, Sport TV1), Suécia - Bélgica (19h45, Sport TV2) e Chéquia - Polónia (19h45, Sport TV3), este último com a estreia de Fernando Santos nos polacos

Sábado, 25
⚽ Qualificação Euro 2024: Espanha - Noruega (19h45, Sport TV1) e Croácia - País de Gales (19h45, Sport TV2)
🏁 Arranca a temporada de MotoGP, em Portugal, com qualificação (11h, Sport TV4) e a novidade da corrida de Sprint (15h, Sport TV4)

Domingo, 26
⚽ Portugal volta a jogar na qualificação para o Euro 2024, com o Luxemburgo (19h45, RTP1)
⚽ Ainda na qualificação para o próximo Europeu, siga o Inglaterra - Ucrânia (17h, Sport TV1) ou o Malta - Itália (19h45, Sport TV2)
🏁 MotoGP: GP Portugal, corrida (14h, Sport TV4)

Hoje deu-nos para isto

António Morgado, durante a corrida de juniores do Mundial de 2022, na Austrália, quando foi segundo classificado

António Morgado, durante a corrida de juniores do Mundial de 2022, na Austrália, quando foi segundo classificado

Con Chronis/Getty

O bigode e estilo atacante já fizeram de António Morgado uma personagem de culto entre os fãs de ciclismo nas redes sociais. Mas são os resultados que fazem do português de 19 anos uma das maiores promessas do mundo das duas rodas não motorizadas: vice-campeão do mundo junior no ano passado, acaba de vencer o Tour of Rhodes, na Grécia.

Na estreia numa corrida por etapas ao serviço da Axeon, por onde também passaram Rúben Guerreiro, os irmãos Oliveira ou João Almeida, Morgado deu mais uma demonstração do seu enorme potencial. Tal como Almeida, é caldense e vindo do CC Bairrada, presidido por Nélson Oliveira, já um veterano nas andanças do World Tour, na Movistar.

Enquanto o ciclismo das equipas portuguesas definha, entre um dos maiores escândalos de doping de sempre e a quase irrelevância internacional, além-fronteiras os corredores nacionais vão exibindo resultados como há muito não se via. Se João Almeida é o ponta-de-lança destas ambições a duas rodas — ele que começa hoje a Volta à Catalunha, com adversários de luxo, na preparação para o Giro que arranca a 6 de maio —, António Morgado, o rapaz do bigode, é uma esperança que vai adquirindo tons de certeza.

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