Fernando Alonso, afinal, ainda sonha
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06.03.2023

Fernando Alonso foi campeão mundial de Fórmula 1 duas vezes (2005 e 2006) e, em 2008, dizia ter cumprido os seus sonhos na modalidade. Mais ainda perdura: hoje é o piloto mais velho no paddock e ainda está cá para as curvas
Paul-Henri Cahier/Getty
Ver um braço esticado com punho cerrado no topo é comum, quem ganha tem direito a expressar a alegria como pode e dentro de um apertado cubículo sem teto, aprisionado na máquina, não pode muito mais do que erguer um membro para fora do monolugar. É ato banal, mas sabemos como é a fibra humana. A repetição dos atos na vida tolda-nos a adrenalina e o entusiasmo desvanece à medida que minguam as primeiras vezes, as borboletas já não pousam da mesma forma na barriga quando revisitamos atos que prezamos, mesmo se espetaculares. Ver, portanto, o estado que se apoderou de Fernando Alonso no Bahrain foi uma reminiscência da felicidade passada.
Quando o espanhol estacionou perto do espalhafatoso palco montado no alcatrão, depois de ziguezaguear o carro na reta da meta na dança da celebração, pulou que nem adolescente para fora da toca e acorreu com pressa ao gradeamento onde o esperavam vários elementos da Aston Martin, a sua equipa da Fórmula 1. Tentou abraçá-los a todos com gritos abafados pelo capacete. Aos quase 42 anos, parecia um miúdo extasiado pela novidade, aparentemente vencedor da corrida inaugural da época. Mas o que ele festejava era um 3.º lugar, um vice do vice-campeão dos vencidos que também temos por costume ignorar com as palas que afunilam a nossa visão aos vencedores.
O sorriso a ligar-lhe orelhas ao ser entrevistado mal saiu do carro, ainda com o cabelo colado à testa pelo suor, já se notava no que se lhe ouviu pelo rádio da Aston Martin, ao cruzar a meta. Repetiu quatro vezes um “gracias” aos engenheiros, mecânicos e todos com quem trabalha, perguntando-lhes “o que é que vocês fizeram, rapazes?”. Presenciar uma estrela dos volantes, colecionador de tantos recordes na sua juventude automobilística, a virar-se para os outros antes de para si próprio - a eles entregaria, mais tarde, o troféu do 3.º lugar -, como tantos o fazem, é uma demonstração de humildade.
Fernando Alonso tinha razões para ostentar uma certa bravata nesta sua existência quarentona. Entrado na Fórmula 1 em 2001, pela Minardi, o espanhol de Oviedo acelerou para ser um íman de recordes de precocidade ao volante: foi então o mais novo de sempre a ter uma pole position, a ganhar uma corrida, a ser campeão do mundo (24 anos) e a revalidar esse título. Em 2005 e 2006, com o azul da Renault, reinou nas quatro rodas rainhas da velocidade e forçou o término da hegemonia de Michael Schumacher, o rei gelado que então parecia indestronável. O heptacampeão ia em cinco títulos consecutivos e entre o germânico, os finlandeses Mika Häkkinen e Kimi Räikkönen (o vencedor em 2007 de quem ficou a um ponto) ou o escocês David Coulthard, o espanhol pertence a uma era onde, ao terminar o seu primeiro Grande Prémio, pensou que “não conseguiria um único pódio”.

O terceiro lugar no GP do Bahrain foi o 99.º pódio da carreira de Alonso, que agora pretende ir atrás da 33.ª vitória
David Davies - PA Images
O espanhol teve os seus devaneios de ego, as tricas com gentes várias, os baixos intercalados com os altos, alguns sustos também. Nenhum título mundial deu à Ferrari em quatro anos. Teve acidentes que foram atentados à sua vida - em 2015, chocou contra um muro em Barcelona e disse “sou o Fernando, corro em karts e quero piloto de Fórmula 1” quando lhe fizeram as perguntas-padrão para despistar danos causados por traumatismos cranianos. Demoraria uma semana a reaver as memórias pós-1995. Saiu a mal da primeira passagem da McLaren, onde definhou dentro de monolugares problemáticos na metade enfadonha da grelha. Em 2018, aborrecido com as demandas da modalidade, foi embora, ainda um doidivanas por velocidade que carecia de outros estímulos.
Quando o espanhol sumiu para experimentar o rali Dakar, as 500 milhas de Indianápolis ou as 24 horas de Le Mans, quem ficou órfão dele no alcatrão confessou a saudade. Teve várias faíscas com Lewis Hamilton, mas o inglês dos sete títulos mundiais gabou-o como “o talento puro mais elevado contra o qual” já competira; o compatriota Carlos Sainz disse que saía “o piloto mais completo” da Fórmula 1 e era “uma grande perda”. No domingo, esgueirou-se corajosamente por dentro do sete vezes campeão mundial da Mercedes antes de ser um abutre com rodas e pacientemente esperar por uma aberta para também ultrapassar o espanhol da Ferrari. E saiu do Bahrain com o 99.º pódio da carreira, “orgulhoso” da sua equipa e classificando de “surreal” estar dentro do segundo melhor carro na primeira corrida da temporada.
Já sentado e de boné, o seu hirto e musculado pescoço a extravasar a largura da cabeça, claro que 10 das 13 perguntas da conferência de imprensa após a corrida se dirigiram a Alonso. O espanhol, para já, é a história desta época. Só podia ser alvo de um interrogatório que enfadou Max Verstappen e Sérgio Pérez, os dois Red Bull que até se puseram a trocar impressões acerca do novo polo da equipa que lhes dava vestimenta. “Disparou-me a adrenalina”, revelou, um fogo de artifício no seu cérebro a extasiá-lo como um jovem, admitindo que a 33.ª vitória num Grande Prémio “pode chegar”. De repente, o quarentão fervilhava como nas primeiras vezes.
Por maior que seja a minúcia no trato do corpo, zelo pelas horas de sono ou bisturi na alimentação, quem já dobrou a esquina dos 30 sabe que o tempo espera por ninguém. E o invólucro de ossos e músculos que nos tem por cá faz questão de nos lembrar disso. Com os 42 anos à sua espera em julho, estar encafuado num monolugar durante horas, com forças G’s a apertá-lo, temperaturas altas a colá-lo ao fato e maratonas mentais para memorizar curvas ou pontos de travagem, Fernando Alonso é um conto de inspiração de como uma pessoa se pode superar, queira a sua vontade e haja substância no seu talento.
Ele está cá para as curvas onde um qualquer quarentão abrandaria num carro comum, ele perdura e resiste quando, em 2008, dizia ter “cumprido todos os sonhos” na Fórmula 1 e alcançado “tudo o que esperada”. Isso foi há 15 anos. O que faz um piloto, supostamente, já sem matéria para sonhar naquilo em que se especializou, continuar a ter objetivos e a persegui-los em vez de se resguardar no recato que sempre estimou? E o que o levará a caçá-los nesta era hipermediatizada da Fórmula 1, onde microfones e câmaras da Netflix ficcionam a realidade com drama que apele a quem não a vê exatamente pelas corridas? A resposta poderá ser uma: nunca é tarde para se voltar a sonhar.
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Zona Mista
“Estou orgulhoso, mas não estou contente, porque o nosso objetivo é bater todos os recordes do triplo salto.”
A frase é de Jorge Pichardo, pai de Pedro Pablo, o saltador em série transformado em papa-medalhas desde que ambos saírem de Cuba para assentarem em Portugal. Chegados ao aeroporto, o progenitor que também é treinador colocou os padrões bem cá para cima, quase sintoma de uma relação pai-filho onde o patriarca puxa à exaustão pelas exigências postas no caçula, não fosse também comum ouvir palavreado semelhante em quem, por estes dias, domina o triplo salto no planeta. Pichardo, o mais novo, revalidou o título europeu de pista coberta, na sexta-feira, juntando-o ao ouro olímpico, mundial e continental ao ar livre. Ambos não escondem a caçada a que agora se dedicam, mais do que nunca: bater os 18,29 metros que Jonathan Edwards fixou, em 1995, como recorde do mundo.
O que vem aí
Segunda-feira, 6
🚴♂️ É semana de acompanhar duas ‘Clássicas da Primavera’ do ciclismo: é dia para a segunda etapa do Paris-Nice, onde há dois vencedores do Tour envolvidos (Jonas Vingegaard e Primoz Roglic) e um português, Rui Oliveira. A afamada ‘Corrida do Sol’ tem oito etapas e realiza-se a diário, até domingo (Eurosport). Já agora e no mesmo canal, arranca o Tirreno Adriático, que durará sete dias.
⚽ A 23.ª jornada da I Liga fecha com o Casa Pia-Paços de Ferreira (20h15, Sport TV1). Em Espanha, o Celta de Vigo de Carlos Carvalhal e Gonçalo Paciência defronta o Osasuna (20h, Eleven Sports2).
Terça-feira, 7
🏀 Na NBA, os Cleveland Cavaliers defrontam os Boston Celtics (00h, Sport TV1).
⚽ Feita a semana de pausa, regressa a Liga dos Campeões. Além do Benfica-Club Brugge (20h, TVI) e, à mesma hora, joga-se o Chelsea-Borussia Dortmund (Eleven Sports2).
Quarta-feira, 8
🏀 NBA: os Dallas Mavericks jogam com os Utah Jazz (1h30, Sport TV3).
🌊 Em Peniche, começa o MEO Rip Curl Pro Portugal, terceira etapa do circuito mundial de surf. Apesar de não haver portugueses com residência por lá, três foram convidados a participar: Teresa Bonvalot, Yolanda Hopkins e Frederico Morais. O período de espera da prova vai até 16 de março.
⚽ Mais Liga dos Campeões: há o Tottenham-AC Milan (20h, Eleven Sports2) e o cabeça de cartaz que é a 2.ª mão do Bayern de Munique-PSG (Eleven Sports1).
Quinta-feira, 9
🏀 NBA: os Denver Nuggets encontram-se com os Chicago Bulls (2h, Sport TV2).
E chegamos à Liga Europa, onde o Sporting recebe o Arsenal (17h45, SIC) para a 1.ª mão dos oitavos de final à mesma hora do AS Roma-Real Sociedad (Sport TV2). Na outra leva de jogos do dia (às 20h), haverá um Manchester United-Real Betis (Sport TV1) ou Sevilha-Fenerbahçe (Sport TV2), ambos com portugueses ao barulho.
Sexta-feira, 10
🏀 Mais NBA: os Memphis Grizzlies batem-se com os Golden State Warriors (00h30, Sport TV2) e os Detroit Pistons jogam contra os Charlotte Hornets (00h, Sport TV3).
⚽ Arranca a 24.ª jornada da I Liga com o FC Porto-Estoril Praia (20h15, Sport TV1).
Sábado, 11
⚽ Mais I Liga: Desp. Chaves-Portimonense (15h30, Sport TV2), Paços de Ferreira-Santa Clara (15h30, Sport TV1), V. Guimarães-Arouca (18h, Sport TV1) e Vizela-SC Braga (20h30, Sport TV1).
Domingo, 12
⚽ Na Premier League há uma partida das boas para ver em Londres, onde o Fulham de Marco Silva, João Palhinha e Cédric Soares recebe o líder Arsenal, de Fábio Vieira e companhia (14h, Eleven Sports1). Por cá, continua a I Liga: Rio Ave-Gil Vicente (15h30, Sport TV2), Marítimo-Benfica (18h, Sport TV1) e Sporting-Boavista (20h30, Sport TV2).
Hoje deu-nos para isto

Aos 24 anos, Mbappé tem um Mundial ganho e outro perdido na final, 66 jogos por França e, agora, também é o melhor marcador da história do PSG.
Michael Regan - FIFA
Que Kylian Mbappé é especial, correndo esbaforido com os braços retilíneos e esticados para trás quando aciona o seu modo veloz, à super-herói sem capa, já o sabíamos faz tempo, mas que nele é pouco tempo. O francês, se pausarmos por um momento, não anda por cá assim há tanto, ainda ontem era o lingrinhas do jardim de gaiatos do AS Monaco de 2017 que chegou às meias-finais da Liga dos Campeões, a serpentear supersonicamente por entre adversários que nunca o tinham visto mais gordo.
Meses depois, o Paris Saint-Germain esbanjava €180 milhões para devolver o adolescente à capital francesa da qual orbitava em criança, nas ruas de um bairro social (Bondy) da periferia onde as ruas são um viveiro alcatroado de talento. E vão cinco épocas no milionário sonho do PSG - com um Mundial ganho e outro perdido na final pelo meio - em que Mbappé, um delgado habilidoso que é fã de pedir bolas perto da linha para com elas arrancar, só não marcou mais de 30 golos na primeira. No domingo, chegou ao seu trigésimo nesta sua sexta temporada em Paris, onde acabou a levantar um troféu no Parque dos Príncipes.
Kylian Mbappé está com 24 anos. É um miúdo, ainda um projeto de existência, seja enquanto pessoa ou como futebolista. Mas, e isto também já era sabido, o gaulês é um talento geracional, um dos que surgem quando os planetas acertam agendas e se alinham no cosmos para serem a referência do inalcançável entre os seus pares: Cristiano e Messi foram-no na era que agora finda; Ronaldinho era tão radiante que sua luminosidade era demais para ser duradoura; o ‘Fenómeno’ Ronaldo antecedeu-os mesmo com os joelhos a não quererem que ele fosse lendário; Diego Maradona e Pelé foram génios opostos que provaram a existência de distintos brilhos no futebol.
O francês a quem se destaca a similitude facial com uma tartaruga ninja bateu o recorde de golos da história do PSG, agora tem 201 em 247 jogos, mais do que Edinson Cavani conseguiu nos seus 301 espalhados por oito épocas. Mbappé é uma fantástica aberração, uma anomalia moderna do futebol cadente em fintas, ideias malucas, risco e dribladores natos preocupados mais em agitar as balizas do que o âmago das emoções de quem anseia ver um humano a atazanar a vida a outro com a bola nos pés. Mbappé ainda é uma mescla incrível desses lados. Veremos se continuará a sê-lo até o físico o frenar, lá bem mais para a frente, quando lhe minguar as capacidades. Por enquanto, nada parece já ter sido inventado que o consiga parar.