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O que queremos que seja o desporto em Portugal?

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Tata Martins, envolta na bandeira de Portugal, celebra a medalha de ouro na prova de scratch dos Europeus de pista

Tata Martins, envolta na bandeira de Portugal, celebra a medalha de ouro na prova de scratch dos Europeus de pista

SEBASTIEN BOZON/Getty

Os últimos metros da corrida de scratch dos Europeus de pista, na Suíça, foram de aparente tranquilidade para Tata Martins. Ali sentada naquela bicicleta sem travões, juntava mais uma linha a um percurso que, aos 23 anos, a torna na mulher-história do nosso ciclismo. Horas depois da vitória incontestada da ribatejana, a seleção de futebol começava a viagem para a Nova Zelândia, onde disputará o play-off intercontinental para tentar estar, pela primeira vez, no Mundial feminino. Isto tudo na sequência do êxito de Francisca Veselko, campeã mundial júnior de surf, título logrado nos EUA.

Da Nova Zelândia aos EUA, com escala na Suíça, há mulheres portuguesas que desenham contos de glória, relatos de êxito que surgem pegados à bandeira portuguesa, a mesma que Tata Martins colocou aos ombros nas celebrações do campeonato da Europa. Mas de onde vêm estas mulheres?

Os sprints de Tata Martins, os tubos de Francisca Veselko ou as fintas dançantes de Kika Nazareth vêm de um país onde, no desporto como no resto da vida, ser mulher é estar no lado da desigualdade, é entrar em campo começando o jogo em desvantagem. O cenário traçado pelo relatório “All IN: Towards Balance gender in sport”, da União Europeia e do Conselho da Europa, evidencia como, em Portugal, as mulheres estão sub-representadas em cargos de direção de clubes e federações, na quantidade de treinadoras existente ou na frequência da prática desportiva, saltando à vista as dificuldades para, com a chegada à idade adulta, conciliar a vida profissional e pessoal com o exercício físico.

Tata Martins, a mulher viciada em ganhar medalhas, só o ano passado passou a ter um salário fixo; a maior parte das jogadoras de seleção que já está na Nova Zelândia competem na Liga BPI, campeonato marcado pelos baixos ordenados, a fraca qualidade dos relvados — muitos deles sintéticos — e as precárias condições de muitas das futebolistas. Uma jogadora portuguesa, em tempos campeã nacional, confidenciou-me, nos últimos dias, que teve de rumar a um campeonato de um país de Leste porque, por cá, as propostas que lhe apresentavam rondavam os €1.000 euros mensais, pagos em apenas 10 meses, porque quando a Liga parava não havia salário.

Kika Nazareth e a bola, uma relação de amor

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José Fernandes

O Acordo Coletivo de Trabalho proposto poderá cometer o pecado da ambição excessiva e levará ainda a muita discussão, mas vem agitar este panorama, tal como as sugestões do relatório do grupo criado pelo Governo. Este documento testa a vontade do poder político para a criação de legislação que proteja as desportistas na gravidez, na remuneração, no acesso a cursos para treinar. O Governo, suportado por uma maioria absoluta parlamentar, saiu na fotografia da apresentação do relatório, mas, mais do que palavras vãs, é da concretização legislativa que depende parte da melhoria das condições das mulheres desportistas em Portugal.

Enquanto governantes fazem pomposas cerimónias de condecoração das atletas desprotegidas num país que as coloca em posição desigual, importa fazer perguntas: o que queremos que seja o desporto em Portugal? Como queremos que seja o desporto em Portugal?

O desporto pode ser território desigual, de racismo e machismo, de agressões a árbitros em jogos de crianças. Pode ser o espaço onde uma Kika, uma Tata ou uma Veselko conseguem triunfar apesar das condições que a rodeiam, transformando-se nas exceções dentro da regra que são as barreiras levantadas às mulheres que sonham com praticar desporto. Pode ser fonte de alegria esporádica, de orgulho patriótico que surge nos intervalos em que as praticantes não estão a lutar contra as adversidades do quotidiano.

Mas também poderia ser um espaço mais justo, mais saudável, menos agressivo. Poderia mostrar ao resto da sociedade que é possível as mulheres não partirem em desvantagem. Poderia atentar melhor à situação de 99% das pessoas que o querem praticar, sem se agarrar ao 1% que vale medalhas, distinções e cerimónias que colam quem precisa de atenção mediática a quem driblou a adversidade.

Sem um desporto mais igual, vermos uma mulher num pódio desenhado com a bandeira nacional continuará a ser fenómeno raro, produto do esforço e qualidade singular daquela pessoa e não de um ecossistema estruturado que favorece o florescimento do talento. Por cada Tata que sprinta para a vitória, há muitas que, por mais que pedalem, não conseguem escalar as montanhas contextuais que lhes são erguidas. Queremos que o desporto em Portugal derrube essas barreiras?

O que se passou

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Yohan Tavares, central de 34 anos a jogar na II divisão francesa, confessa que na adolescência foi um rebelde e os pais chegaram a ter de ir buscá-lo à polícia. Portugal foi uma espécie de tábua de salvação, mas acabou por partir, para jogar na Tailândia, em Chipre e em França, embora tenha regressado sempre pelo meio, para jogar em Setúbal, Tondela e na B SAD. Pronto para estrear-se no papel de pai, dentro de aproximadamente um mês, diz-se um cidadão do mundo, que ama viajar não olhando a gastos nessas alturas e que gosta muito de ler, desde os clássicos como Hemingway, até livros de futebol

Zona mista

“Não somos uma equipa com um longo historial de títulos, estivemos em divisões inferiores e lá voltaremos, se for preciso. Não seria um problema. Contrataremos o Paul Dickov e o Mike Summerbee e estaremos de volta à Premier League, tenho a certeza.”

Pep Guardiola reagiu com ironia às mais de 100 acusações feitas pela Premier League ao City, relembrando jogadores do passado do clube, quando o dinheiro de Abu Dhabi ainda não tinha colocado o lado azul de Manchester como a força dominante do futebol inglês. As alegadas violações de regras financeiras por parte do clube podem valer à equipa de Bernardo Silva e Rúben Dias sanções que vão da perda de pontos à descida de divisão, mas os especialistas indicam que uma decisão sobre o caso pode demorar entre dois a quatro anos a ser conhecida. Entretanto, fica mais uma nuvem de suspeita em torno do City, semelhante a outras que também pairam sobre o PSG, projeto igualmente erguido com dinheiro do golfo Pérsico.

O que aí vem

Segunda-feira, 13

🌊 Já decorre o Hurley Pro Sunset Beach, segunda etapa do circuito mundial de surf onde Teresa Bonvalot é a única portuguesa (compete graças a um injury wildcard). O período de espera vai da prova vai até 23 de fevereiro.
⚽ I Liga: Rio Ave - Estoril (18h, Sport TV1) e Boavista - Casa Pia (21h15, Sport TV1)
⚽ Na Premier League há dérbi de Merseyside: Liverpool - Everton (20h, Eleven 1)
🎾 ATP 500 Roterdão (12h, Sport TV2), ATP250 Delray Beach (18h, Sport TV3) e ATP250 Buenos Aires (21h30, Sport TV4)

Terça-feira, 14

⚽ Está de regresso 🎶 THE CHAAAAAAAPIONS 🎶: Paris Saint-Germain - Bayern Munique (20h, TVI/Eleven 1) e Milan - Tottenham (20h, Eleven 2)

Quarta-feira, 15

⚽ É a vez da primeira das equipas portuguesas nos ‘oitavos’ da Champions: Club Brugge - Benfica (20h, Eleven 1). Veja também o Borussia Dortmund - Chelsea (20h, Eleven 2)
⚽ Na Premier League, jogo que pode ser decisivo para o título: Arsenal - Man. City (19h30, Eleven 3)

Quinta-feira, 16

⚽ Liga Europa: Sporting - Midtjylland (20h, SIC). Veja também o Barcelona - Man. United (17h45, Sport TV2)
⚽ Liga Conferência: SC Braga - Fiorentina (17h45, Sport TV1)

Sexta-feira, 17

⚽ Seleção feminina, jogo de preparação para o playoff: Nova Zelândia - Portugal (6h, 11)
⚽ I Liga: Gil Vicente - Vizela (20h15, Sport TV1)
⚽ Liga saudita: Al Nassr - Al Taawon (15h, Sport TV1)

Sábado, 18

⚽ I Liga: Portimonense - Marítimo (15h, Sport TV1), Estoril - Paços Ferreira (18h, Sport TV2) e FC Porto - Rio Ave (20h30, Sport TV1)
⚽ Premier League: Aston Villa - Arsenal (12h30, Eleven 1), Chelsea - Southampton (15h, Eleven 3) e Nottingham Forest - Man. City (15h, Eleven 1)

Domingo, 19

⚽ I Liga: Santa Clara - Famalicão (15h30, Sport TV1), SC Braga - Arouca (18h, Sport TV1) e Casa Pia - Vitória (20h30, Sport TV1)
⚽ Ligue 1: Paris Saint-Germain - Lille (12h, Eleven 1)
⚽ Premier League: Man. United - Leicester (14h, Eleven 1)
⚽ La Liga: Barcelona - Cádiz (20h, Eleven 1)
🎾 ATP 500 Roterdão, final (14h30, Sport TV5), ATP250 Buenos Aires, final (19h, Sport TV5)

Hoje deu-nos para isto

Deco e Derlei, dois dos principais craques do FC Porto de todas as conquistas de Mourinho

Deco e Derlei, dois dos principais craques do FC Porto de todas as conquistas de Mourinho

Eddy LEMAISTRE/Getty

Foi em maio de 2004 que Gelsenkirchen se tornou cidade imperdível do roteiro das conquistas internacionais do FC Porto, entrando para a lista onde também figuram Viena ou Sevilha. A noite do 3-0 ao AS Monaco não só consagrou a equipa de José Mourinho, Ricardo Carvalho ou Deco, catapultando-os todos para notáveis carreiras na elite do futebol, mas também marcou uma espécie de virar de página nas competições europeias.

Desde 2004, não mais uma equipa que não fosse inglesa, espanhola, italiana ou alemã venceu a principal prova do continente. Não houve, sequer, um finalista fora das cinco ligas mais endinheiradas. O FC Porto foi o último clube a quebrar este domínio, derradeiro representante de uma era em que em Portugal, nos Países Baixos ou na Sérvia era possível ambicionar tocar na orelhuda. Depois, o fosso financeiro acentuou-se, a UEFA compactou com o aumento do poder dos mais ricos, Estados do Médio Oriente e bilionários norte-americanos tornaram a realidade financeira do jogo num território sem possibilidades de competição de forma regular para quem vem das periferias.

Esta semana volta a Liga dos Campeões, prova ameaçada pelos ecos que continuam a surgir da Superliga. Com o Benfica a enfrentar o Club Brugge e o FC Porto a medir forças contra o Inter, é possível acreditar em passagens das equipas portuguesas aos quartos de final, que tem sido o teto máximo a que as formações nacionais aspiram neste futebol a duas velocidades.

Tenha uma boa semana de regresso das competições europeias, com votos de que haja um dia em que nascer mulher não implique, à partida, estar do lado da desigualdade estrutural. Obrigado por nos acompanhar, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter.