Boa sorte a tentar vender o futebol português
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30.01.2023
Uma imagem já comum no final dos clássicos em Portugal: jogadores e treinadores engalfinhados
PAULO CUNHA/LUSA
Nas horas que antecederam o arranque da final four da Taça da Liga, em Leiria, Pedro Proença sacou da palavra mágica: internacionalização. Disse o presidente da Liga que levar a competição para outras latitudes é um “desejo” e um “passo natural”. Uma “ambição legítima", sublinhou ainda, sentindo talvez o doce formigueiro causado pelo futebol espanhol e italiano, que levaram nas últimas semanas as suas Supertaças para o pouco europeu Estádio Internacional King Fahd, em Riade, a troco daqueles vários milhões de petrodólares que fazem bons cidadãos do mundo civilizado esquecer o desastroso registo de direitos humanos da Arábia Saudita.
Nem venho aqui falar dessa primeira evidência, nem de uma segunda: levar para o estrangeiro uma competição nacional que tende a resultar em dérbis ou clássicos é a negação do futebol para o adepto. No caso português, com uma exceção: a Supertaça já se chegou a resolver em Paris, para satisfação da multitudinária comunidade emigrante, mas a diáspora, sempre sedenta de matar a saudade, pouco importará na hora de escolher o local de uma prova que a partir de 2024 será disputada apenas por quatro equipas, as quatro primeiras do campeonato anterior, engordando ainda mais o palmarés dos grandes e batendo com a porta no nariz a histórias bonitas como a do V. Setúbal ou do Moreirense, vencedores da primeira edição e da final de 2017, respetivamente.
A questão aqui será outra e mais de base. Depois daquela 2.ª parte da final da Taça da Liga, no sábado, boa sorte a tentar vender a competição a quem quer que seja.
Boa sorte com isso de tentar “abrir novos mercados ao futebol”, Proença dixit, seja na Arábia Saudita, na China, no Catar, oferecendo como andar modelo um jogo que teve 41 minutos de tempo útil de jogo e 31 faltas. Um jogo em que os presidentes dos clubes em causa não se cumprimentaram. Uma final onde a partir do intervalo não houve futebol, só picardia a arruaça, chico-espertismo de jogadores e mão trémula do árbitro; um jogo em que foram mais as agressões que passaram incólumes do que as sancionadas, em que miúdos recém-chegados perderam a cabeça e jogadores com duas décadas de experiência sentiram a impunidade no engano de quem opta por simular - falo de Tanlongo e Pepe, sim, os nomes são para se dar, por muito que isso chateie as visões enviesadas de quem usa óculos que focam apenas numa só cor e passa o rescaldo a fazer contas de quem, no final, foi mais ou menos prejudicado, como se isso resolvesse seja o que for.
Houve um número de teatro acrobático, quais Cirque du Soleil, à entrada de uma das áreas (Pepê), houve um encosto à cabeça do árbitro (Matheus Reis), houve um murro em plano aberto que o VAR deixou passar (Wendell). Tudo isto é feio, estraga o espectáculo, que é coisa que nem os treinadores fazem questão que exista, como confessou Sérgio Conceição. E o pior é que é recorrente, tornou-se rotineiro e cotidiano. Boa sorte a tentar vender isto.
Pergunto-me o que terá pensado Roberto Martinez ao ver tão pedestre sessão de anti-futebol, talvez nos faça bem ter um selecionador estrangeiro que não veja isto como algo que acontece “no calor do momento”, que perdoe os enganos e as simulações porque é “a cultura” e “matreirice e esperteza” (saloia, talvez). Boa sorte também a tentar vender um futebol em que uma claque lança tochas para cima de adeptos da sua própria equipa, um futebol em que invariavelmente os jogos terminam com jogadores e treinadores engalfinhados.
O “passo natural” e a “ambição legítima” só o são quando o produto é bom. E Portugal, sendo um viveiro de talento para o futebol europeu, não o tem. Será até provável enganar um possível promotor uma vez, mas ninguém vai a um estádio, muito menos lá fora, onde a identificação com as equipas é nula, para ver tão desonrante show. Pensando bem, se calhar nem é de todo uma má ideia levar uma final de taça lá fora, para que cá dentro se entenda finalmente o pobre valor do nosso futebol.
O que se passou
A semana fica marcada pela notícia que Edgar Costa, jogador do Marítimo, acusou o agente Miguel Pinho de suborno para perder com o Benfica.
O Grand Prix de Portugal em judo correu bem à seleção nacional, com duas medalhas de ouro e uma de prata.
Já a primeira oportunidade de ganhar um título na Arábia Saudita não correu bem a Ronaldo.
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Cabeça de campeão
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Zona mista
A partir de hoje sou polaco, sou um de vocês
Poucas semanas após deixar a seleção nacional, Fernando Santos tem novo projeto. Aos 68 anos, o objetivo é levar a Polónia ao Euro 2024 e talvez mais. E, para amuse-bouche, uma afirmação lapidar.
O que aí vem
Segunda-feira, 30
⚽ I Liga: Vitória - Chaves (20h15, Sport TV1)
Terça-feira, 31
⚽ I Liga: Paços de Ferreira - Gil Vicente (19h, Sport TV2) e Arouca - Benfica (21h15, Sport TV1)
⚽ Taça da Liga Inglesa: Newcastle - Southampton (20h, Sport TV3)
Quarta-feira, 1
⚽ I Liga: Marítimo - FC Porto (19h, Sport TV2) e Sporting - SC Braga (21h15, Sport TV1)
⚽ Mundial de clubes, ronda de qualificação: Al-Ahly - Auckland City (19h, Sport TV4)
⚽ Taça da Liga Inglesa: Man. United - Nottingham Forest (20h, Sport TV3)
Quinta-feira, 2
⚽ La Liga: Real Madrid - Valencia (20h, Eleven 1)
Sexta-feira, 3
⚽ Premier League: Chelsea - Fulham (20h, Eleven 1)
⚽ Liga saudita: Al-Fateh - Al-Nassr (15h, Sport TV1)
Sábado, 4
⚽ I Liga: Santa Clara - Boavista (15h30, Sport TV1), Benfica - Casa Pia (18h, BTV), Estoril - Vitória (20h30, Sport TV1)
⚽ Premier League: Manchester United - Crystal Palace (15h, Eleven 2), Wolverhampton - Liverpool (15h, Eleven 1)
⚽ Mundial de clubes, ronda de qualificação: WAC - Al-Hilal (14h30, Sport TV6)
⚽ Liga feminina: Valadares Gaia - Sporting (15h, Sport TV4)
🏉 Europe Championship: Portugal - Bélgica (19h, Sport TV3)
Domingo, 5
⚽ I Liga: SC Braga - Famalicão (15h30, Sport TV1), Chaves - Marítimo (15h30, Sport TV5), FC Porto - Vizela (18h, Sport TV1), Gil Vicente - Arouca (20h30, Sport TV3)
⚽ Premier League: Tottenham - Manchester City (16h30, Sport TV1)
⚽ Serie A: Inter - AC Milan (19h45, Sport TV2)
Hoje deu-nos para isto
É um conto de vingança, que nem boa tragédia shakespeariana. Um ano depois de lhe ser negada a hipótese de jogar em Melbourne, por não estar vacinado contra a covid-19 e ter prestado falsas informações médicas às autoridades australianas, Novak Djokovic venceu o 10.º título no Open da Austrália, 22.º no total em torneios do Grand Slam, numa prova em que pareceu sempre jogar mais do que ténis: foi uma espécie de vendeta em forma de direitas de fundo de court, uma revanche em cada bola que beijou a linha.
O sérvio, admitiu-o após a final de domingo, tem “um lado negro”, lado lunar esse que nunca lhe permitiu ganhar as simpatias do público da mesma forma que Federer e Nadal rendiam e rendem um estádio a seus pés. Frente a Alex de Minaur, na 4.ª ronda, Djokovic arrasou, bateu o rival por 6-2, 6-1 e 6-2, jogando com uma raiva pouco vista, mesmo lesionado. E fê-lo não porque podia, mas “porque quis”, assumiu, não esquecendo as palavras do australiano, que há um ano defendeu a deportação do agora de novo número 1 mundial.
Ver Djokovic jogar assim é ao mesmo tempo sublime e assustador, porque nunca deixamos de pensar quão consumido parece aquele homem a quem o público dá pouco amor, às vezes por razões que são apenas de pura química. A final contra Stefanos Tsitsipas (Aryna Sabalenka venceu nas senhoras), até nos momentos menos bons, nunca deixou de parecer uma formalidade no processo de fria vingança do sérvio, a quem tudo de controverso voltou a acontecer nestas duas semanas, até um pai a posar com russos pró-Putin.
Na primavera, uma final Nadal-Djokovic em Roland-Garros pelo recorde de 23 títulos em torneios do Grand Slam seria um dos eventos deportivos da década. Rezemos por essa possibilidade.

MARTIN KEEP
Que tenha uma boa semana, bem abrigado do frio. Obrigado por estar desse lado, lendo-nos no site da Tribuna Expresso, onde poderá seguir a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter.