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Bem-vindo ao berbicacho contextual, Roberto Martínez

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Roberto Martínez, novo selecionador nacional, ganhou 25 de 28 jogos oficiais com a seleção da Bélgica, que treinou em dois Mundiais e um Europeu entre 2016 e 2022

Roberto Martínez, novo selecionador nacional, ganhou 25 de 28 jogos oficiais com a seleção da Bélgica, que treinou em dois Mundiais e um Europeu entre 2016 e 2022

FPF

Na trapalhada monumental de mover um Mundial para o inverno que tanto derrame de críticas nos extraiu com a mira posta no Catar e na FIFA, não pensámos, à distância, o que seria a atazanante tarefa de ir caçar um novo selecionador quando o futebol, salivando pela normalidade nas agendas, retomasse o seu decurso ainda com metade da temporada por completar e objetivos por alcançar. Ter de arranjar um treinador que não um livre e desempregado para, em dezembro, se comprometer com a seleção pelo menos até ao verão do próximo ano, quando se espera uns pontapés na bola no Europeu, seria um imbróglio.

Indo embora o mais titulado, longevo e enraizado técnico que a seleção já teve logo após o Campeonato do Mundo, quase sem aviso, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) ocupou as mãos com uma batata esquentada pelas circunstâncias e parca em possibilidades, por mais que o presidente Fernando Gomes tenha lido, no seu discurso preparado, que havia um “perfil definido” para o sucessor. Porque o contexto, já escrevia a minha colega da carteira Lídia Paralta Gomes faz uma semana, é mesmo tudo no futebol e na vida.

Os treinadores portugueses que hoje mais andam com labuta próxima da luta por títulos, em equipas onde a pressão é vizinha e tem de ser amiga, e que podemos encarar como estando na vanguarda dos métodos, estão a meio de projetos nos respetivos clubes e teriam de ser ‘roubados’ com pagamento de cláusulas de rescisão - apesar de vir a receber um prize money da FIFA pela chegada aos quartos de final do Mundial, no seu mais recente Relatório e Contas de 2021/22 a FPF reportou €3,6 milhões de lucro, menos do que os €4,6 milhões da época anterior.

José Mourinho, como Paulo Fonseca, Abel Ferreira, Luís Castro ou os ‘nacionais’ Sérgio Conceição e até Rúben Amorim implicariam despesa adicional caso houvesse vontade em abandonar os clubes a meio da temporada para irem lidar com um certo berbicacho contextual, engrandecido publicamente pelo homem a quem dariam o passou-bem para fechar o acordo. E já nem lá estaria no cargo de presidente quando o contrato do treinador com a federação terminar: o mandato de Fernando Gomes acaba no final de 2024 e, talvez por isso, pela primeira vez o ouvimos a balizar publicamente um objetivo: “pelo menos, aceder às meias-finais em qualquer prova, é esse o ADN que ambicionamos”. A levar o vínculo até ao fim, Roberto Martínez terá de lidar com uma chefia que não o contratou.

Apesar de limar, logo à primeira palavra, uma fasquia à qual o novo selecionador ficará agarrado, o líder da federação teve o cuidado de realçar a palavra que Humberto Coelho, João Pinto e José Couceiro tiveram na escolha de Roberto Martínez, puxando os diretores técnicos à responsabilidade de uma opção a que “nunca foi relevante o local de nascimento”. Mas o peso da história não é apagável e o simpático espanhol, notoriamente preocupado em criar empatia ao desculpar-se por falar castelhano e se comprometer a aprender o português, cumprimentando um a um os jornalistas presentes na sua apresentação, será apenas o terceiro treinador estrangeiro na seleção, depois de Otto Glória no Mundial de 1966 e dos cinco anos (2005-08) com Luiz Felipe Scolari, ambos brasileiros.

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As 25 vitórias em 28 jogos oficiais em seis anos com uma Bélgica carregada de talento, em certos períodos com os então melhores futebolistas do mundo nas respetivas posições, diz tanto como a liderança do ranking da FIFA que ocupou durante uns quatro anos. Numericamente é vistoso, mas de palpável em campo pouco mostra. Relevante é a experiência de Roberto Martínez em conviver com jogadores do mais talentoso que há e ter de matutar formas de fazer render tanta gente tão capaz em tão pouco tempo de treino, com a vantagem de em Portugal não encontrar a fragmentação cultural e linguística que havia entre os belgas.

A fraturante questão que lhe sobrará na seleção nacional é o que terá habitado na cabeça dos vários treinadores que a federação sondou: os 38 anos de Cristiano Ronaldo que em quase todos dos últimos 19 foi a figura central de Portugal e cuja suplência, no Mundial, elevou o derradeiro grande ato da Fernando Santos a tragédia dramática nacional. Agora na periferia do futebol, o capitão que talvez só se vai estrear na Arábia Saudita, pelo Al-Nassr, daqui por duas semanas, terá dois meses de rodagem por lá quando chegarem os simpáticos jogos frente ao Liechtenstein (23 de março) e Luxemburgo (26), ambos de qualificação para o Euro 2024.

Esse é o tempo que o vantajoso estrangeirismo de Roberto Martínez, sem ligações emocionais e alheio às tricas conspiratórias do futebol português quanto à influência nas convocatórias de clubes, agentes e demais, terá para “conhecer os jogadores e contactar com todos” no “ponto de partida” que fixou nos 26 futebolistas que estiveram no Catar. A paz possível com Cristiano (ou Pepe e Rui Patrício, outros pesos-pesados da seleção) quanto ao papel que o desempenhará nesta fase da carreira, com esta idade, com o que é capaz, ou não, de oferecer à equipa em campo, vai determinar a suavidade da viagem do novo selecionador - apesar de o espaço para jogos particulares no calendário internacional ser cada vez menor, a presença de Ronaldo pode importar nas receitas que a FPF faça com partidas feitas no estrangeiro, por exemplo.

Sobre o futebol visto e praticado haverá tempo para debatermos. Caído na fase de grupos do último Mundial, a Bélgica de Roberto Martínez só saiu do torneio de há quatro anos frente à vitoriosa França, nas meias-finais, e apenas perdeu com a conquistadora Itália no recente Campeonato da Europa. O espanhol diplomatizou-se ao repetir a ideia de querer fazer de Portugal “uma equipa moderna” com “flexibilidade tática”, nada mais desenvolvendo para lá do expectável. Primeiro, há que conviver amigavelmente com as peças de um imbróglio. Coincidentemente, uma das fotos tiradas e enviadas pela FPF por motivos da sua apresentação tem-no a segurar na palma da mão duas peças de xadrez, com ar sorridente de quem delibera sobre a próxima jogada.

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O que vem aí

Segunda-feira, 9

⚽ Na acalmia da alvorada semanal, há um Oxford-Arsenal para se ver, a contar para a Taça de Inglaterra (20h, Sport TV2).

Terça-feira, 10

⚽ Para os oitavos de final da Taça de Portugal, é dia de o Leixões ir a Famalicão (18h45, Sport TV2) e do Benfica visitar a Póvoa de Varzim (20h45, RTP1).

Quarta-feira, 11

🤾‍♂️ Arranca o Mundial de andebol com a dupla de anfitriões, Suécia e Polónia, sendo o jogo inaugural entre esta última e a França (20h). A seleção portuguesa vai competir pela quinta vez no torneio.
⚽ Mais Taça de Portugal: Rabo de Peixe-Nacional (17h30, Canal 11), SC Braga-V. Guimarães (18h45, Sport TV2), Académico de Viseu-Beira-Mar (20h15, Canal 11) e FC Porto-Arouca (20h45, RTP1).

Quinta-feira, 12

🤾‍♂️ Portugal estreia-se no Mundial de andebol frente à Islândia (19h30, RTP2).
⚽ Há um V. Setúbal-Casa Pia para os ‘oitavos’ da Taça de Portugal (19h45, Canal 11) e, na Premier League, o Fulham de Marco Silva e João Palhinha visita o Chelsea (20h, Eleven Sports1) para um dérbi londrino.

Sexta-feira, 13

Começa a 16.ª jornada da I Liga com o Portimonense-Santa Clara (20h15, Sport TV1). Em Itália, há o Nápoles-Juventus (19h45, Sport TV2) para a Série A.

Sábado, 14

🤾‍♂️ Portugal tem o segundo jogo da fase de grupos do Mundial frente à Coreia do Sul (17h, RTP2).
Mais I Liga: Vizela-Marítimo (15h30, Sport TV1), Rio Ave-Paços de Ferreira (18h, Sport TV1) e SC Braga-Boavista (20h30, Sport TV1). Lá fora, valerá a pena espreitar o dérbi basco entre a Real Sociedad e o Athletic Bilbao (20h, Eleven Sports1) e, antes de tudo, o encontro do United com o City em Manchester (12h30, Eleven Sports1).

Domingo, 15

Mais ação na I Liga: Desp. Chaves-Arouca (15h30, Sport TV1), Benfica-Sporting (18h, BTV) e FC Porto-Famalicão (20h30, Sport TV1). Na Premier League haverá mais um dérbi londrino para se ver: Tottenham-Arsenal (15h, Eleven Sports1).

Hoje deu-nos para isto

Márcio Freire, 47 anos, morreu na quinta-feira na Nazaré, após cair numa onda na praia do Norte.

Márcio Freire, 47 anos, morreu na quinta-feira na Nazaré, após cair numa onda na praia do Norte.

Octavio Passos/Getty

A fotografia mais icónica e emblemática do que pintou a Nazaré na gravura das espetacularidades humanas é uma que mostre um plano alargado da praia do Norte e do Forte São Miguel Arcanjo, no cume da ribanceira, a servir de escala para percecionarmos a grandeza dos monstros de água que tem ao fundo. Com o seu farol vermelho a pontuar a paisagem, é a esse ponto de terra e rocha que peregrinos acorrem para testemunhar a rabugice da natureza.

Há pouco mais de uma década que a atração nazarena são as ondas com dezenas de metros que se formam por uma deformidade no fundo do mar, uma funda cratera a que chamamos canhão por disparar animalescas massas de monstruosidade que deveriam aconselhar à distância, mas não, os humanos têm queda para tentarem domar adversidades. E com pranchas compridas, coletes rechonchudos que se insuflam com um puxar de cordel, organização por walkie-talkies, um plano de segurança e vários jet-skis para rebocarem as almas corajosas que depois vão resgatar quando elas saem da temível boleia ou se engalfinham nas espumas onde caíram.

Muitos dos 47 anos de Márcio Freire foram a encarar essas deformidades salgadas das quais a maioria dos habitantes da Terra fogem. O brasileiro não, ele até conhecido era por ser dos primeiros a remar com as próprias manápulas para as ondas de Jaws, no Havai, lugar já afamado por ondas gigantes antes dessa popularidade levar gente à Nazaré. Na quinta-feira, sem multidões a popularem o farol, Márcio caiu numa onda, entrou na perigosa máquina de lavar subaquática e não sobreviveu. A sorte de Maya Gabeira ou Alex Botelho, surfistas que escaparam por um triz noutras desventuras na praia do Norte, foi o azar de Márcio Freire.

A primeira morte de um surfista popular na Nazaré deixará marca em quem faz vida a aguardar por ondulações, ventos e períodos de onda adequados para o canhão despertar a gargantuesca faceta da praia do Norte. Nesse dia, um surfista que por lá sempre anda tinha a voz embargada, cheia de pesar, atolada de incredulidade, a confirmar que tinha mesmo sido o brasileiro a perecer; e um dos condutores de jet-skies respondeu, por escrito e mais tarde, que ficou tão “chocado” que não olhou mais para o telemóvel.

A Nazaré ganhou a pegada da tragédia que, por mais triste que seja admiti-lo, era apenas quase uma questão de tempo até que aparecesse, pelo grau de risco. A espetacularidade desportiva aumenta quanto maior for o seu cortejo ao perigo, sempre o foi e assim continuará a ser, infelizmente.

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Justine Dupont descreve o oceano como a vida, com altos e baixos e muitas oportunidades de crescimento. Mas na Nazaré, os baixos são muito baixos e os altos são mesmo muito altos. Com o início do inverno começou o período de espera do Tudor Nazaré Tow Surfing Challenge, um dos eventos de surf mais importantes em Portugal, que pode arrancar a qualquer momento. A surfista francesa, Nic von Rupp e Jessi Miley-Dyer falam sobre ele à <strong>Tribuna Expresso</strong>

Que tenha uma boa semana, agora mais descansada por já sabermos quem vai tomar conta da seleção nacional. Obrigado por nos ler e por cá continuaremos no site da Tribuna Expresso, onde poderá acompanhar a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter.