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Cristiano Ronaldo e a indignidade de uma parede branca

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Em termos desportivos e de fundos de investimento em bancos suíços, não há nada de estranho ou fundamentalmente errado em ver um jogador de quase 38 anos ir gozar um último contrato na Arábia Saudita. Mesmo que esse jogador se chame Cristiano Ronaldo. Mas olhando para a foto de apresentação do português no Al-Nassr é impossível não pensar no contexto.

Podia jurar que já escrevi aqui que contexto é tudo e por isso peço antecipadamente desculpa por me repetir. Mas contexto é tudo. É possível que um Ronaldo mais ou menos consciente da impiedosa e inclemente passagem do tempo pudesse terminar a carreira como uma espécie de jóquer no Manchester United, saltando do banco para resolver jogos embrulhados, servindo de inspiração para os jovens do clube que um dia fez dele o melhor jovem do mundo, ajudando no seu reerguer. O adeus, quando estivesse para aí virado, seria glorioso: Old Trafford levantar-se-ia quando Ronaldo fizesse uma visita, campos de treinos em Manchester teriam o seu nome, jogos de antigas glórias dos red devils não se fariam sem a sua presença.

É possível que Cristiano Ronaldo tenha sido enganado quando voltou que nem filho pródigo. É compreensível que um tipo altamente profissional quanto ele não tenha gostado de perceber que o clube estava exatamente na mesma relativamente aos seus dias de domínio na Premier League. E que a empresa Manchester United continuava a ser gerida por gente pouco empática e parada no tempo. Cristiano Ronaldo queria a excelência, queria ser ouvido e, mais uma vez, não há nada de fundamentalmente errado nisso. Mas aquela entrevista a Piers Morgan desvendou um lado menos luminoso do português: Cristiano estava numa espécie de bravata destruidora da qual, pensava, sairia invariavelmente vencedor porque isso era tudo o que ele conhecia da vida. Ronaldo acreditava piamente que ia fazer um grande Mundial, que ia fazer história, e que o Catar ia mostrar que, neste início de temporada atribulado, ele não era culpado mas sim uma vítima.

Sabemos todos como correu.

Foi um all in. Uma manobra de PR em que o anfitrião ia lançando e respondendo convenientemente às perguntas e Cristiano só tinha mesmo de concordar. A “paixão”, disse então, valia mais do que os milhões sauditas que no verão recusou mas agora resolveu abraçar porque deste lado do planeta futebolístico não surgiu o tal contrato que ele se achava merecedor, a tal oportunidade para bater mais recordes na Liga dos Campeões. Contexto é tudo.

Ronaldo, que um dia disse querer acabar a carreira de forma “digna” e não nos Estados Unidos ou no Catar, estará lá em Riade a enxugar lágrimas irónicas em notas gordas enquanto deste lado lhe criticamos as opções de carreira. Por esse prisma, ele ganhará sempre. Mas não deixa de ser desconfortável vê-lo ser apresentado num simples post de Twitter, numa foto mal iluminada contra uma parede branco sujo, segurando uma camisola ao lado do seu novo patrão, qual equipa da 2.ª divisão de um qualquer campeonato desconhecido, e não com o cuidado e a fanfarra que um dos melhores jogadores da história merece.

Numa era em que a comunicação (tal como o contexto) é tudo, Cristiano terá tido ali a primeira expressão daquilo que o espera: um campeonato periférico, em que o profissionalismo tem dias, num país que não respeita os mais básicos direitos humanos. O futebolista Cristiano Ronaldo talvez merecesse outra coisa, mas o multimilionário Cristiano Ronaldo escolheu isto. O seu legado como jogador não está em risco, até porque sabemos como acabaram as carreiras de Pelé, Maradona ou Ronaldo Nazário. Mas olhando para a história que entendeu escrever, para o caminho que resolveu trilhar até aqui chegarmos, fica aquele amargo de boca.

O que se passou

Não correu bem para o Benfica o regresso da I Liga: perdeu pela primeira vez esta temporada e não foi por poucos.

FC Porto e Sporting venceram no retomar da competição após o Mundial.

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Viu-o jogar pela primeira vez com 11 anos. Com 19, apresentou-se ao Brasil com uma goleada diante do Santos. Foi a sua sombra no Mundial de 1966 e mudou o seu estilo para jogar ao lado dele em 1970. Poucas pessoas podem comentar com tanta propriedade o que foi Pelé, seja enquanto rival ou companheiro, como Tostão. Para ele, a opinião é a mesma tida pelo seu pai quando apresentou-o para o Rei na primeira vez que vestiu a camisola canarinho: nunca haverá alguém melhor que Pelé

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Apesar de ser filho de peixe, Rafael Bracali só começou a navegar nas redes da baliza na adolescência. As conversas que ouvia em casa entre o pai e a mãe, a pressão que indiretamente sentia, fizeram com que se dedicasse primeiro ao futsal, como fixo. Um dia acabou por experimentar o futebol de 11 e, pouco depois, a baliza, por um acaso. O pai quis treiná-lo, com tudo o que isso tem de bom e de mau, como explica nesta primeira parte do Casa às Costas. Veio para o Nacional da Madeira à espera de aprender e evoluir muito mais, mas a realidade trocou-lhe as voltas e teve de fazer por si, até alcançar a cobiça dos três grandes. Foi o FC Porto quem o convenceu, mas sobre a passagem pelo Dragão falamos na segunda parte

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Zona mista

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O que aí vem

Segunda-feira, 2
⚽ Premier League: Brentford - Liverpool (17h30, Eleven1)
🎾 United Cup (6h, Sport TV6) e ATP250 de Pune (8h30, Sport TV2)

Terça-feira, 3
⚽ Nova jornada da Premier League, com destaque para o Arsenal - Newcastle (19h45, Eleven1) e Man. United - Bournemouth (20h, Eleven3)

Quarta-feira, 4
⚽ Regressa o campeonato italiano após o Mundial, com destaque para o Roma - Bolonha (15h30, Sport TV1) e Inter - Nápoles (19h45, Sport TV1)

Quinta-feira, 5
⚽ Arranca a jornada 15 da I Liga com o Santa Clara - SC Braga (20h15, Sport TV1)
⚽ Jogo grande na Premier League: Chelsea - Manchester City (20h, Eleven1)

Sexta-feira, 6
⚽ I Liga: Benfica - Portimonense (19h, BTV) e Famalicão - Vizela (21h15, Sport TV1)
⚽ Taça de Inglaterra: Man. United - Everton (20h, Sport TV2)

Sábado, 7
⚽ I Liga: Arouca - Estoril (15h30, Sport TV1), Vitória - Rio Ave (18h, Sport TV2), Casa Pia - FC Porto (20h30, Sport TV1)
⚽ Taça de Inglaterra: Liverpool - Wolverhampton (20h, Sport TV3)

Domingo, 8
⚽ I Liga: Paços de Ferreira - Chaves (15h30, Sport TV2), Marítimo - Sporting (18h, Sport TV1), Boavista - Gil Vicente (20h30, Sport TV1)
⚽ Taça de Inglaterra: Man. City - Chelsea (16h30, Sport TV3)
⚽ Serie A: Milan - Roma (19h45, Sport TV3)


Hoje deu-nos para isto

A notícia era esperada e caiu ainda antes do anoitecer do ano: foi-se-nos Pelé e o futebol, como li algures, passou a jogar com 10. O 10 que ele tornou em marca, como sinónimo de craque, de Rei.

Ser humano cheio de nuances, Pelé passou os últimos anos a ser uma espécie de relações públicas dele próprio, ou pelo menos do Pelé que se viu em campo e que nos últimos dias pudemos recordar. Nas imagens pixelizadas, cheias de grão, a preto e branco, vemos um talento puro, ensimesmado com a bola de couro, fazendo aquilo que hoje vemos outros craques fazerem. Embora tudo conte, esse é o legado, a bola que não chora. Essa é imortal, como ele, Pelé.


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Pelé 1940-2022. Biografia selecionada do homem que era Edson, era Pelé e andou uma vida a tentar separar um do outro

O grande Pelé partiu aos 82 anos e esta é uma coleção de histórias conhecidas e outras nem tanto assim sobre um dos maiores mitos da contemporaneidade. Aqui dentro cabem Garrincha, Eusébio, Maradona, Beckenbauer ou Romário que, algures na vida deles, se cruzaram com o Rei Pelé. Longa vida. <i>Se notar um certo perfume a português do Brasil, é propositado: o autor é um jornalista brasileiro que assim descreveu Pelé</i>

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