António Silva e a ambiguidade de aparecer tão cedo
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07.11.2022

O precoce António Silva, de nome mais português que há, tem 19 anos e vai com 16 jogos pelo Benfica esta temporada
Octavio Passos/Getty
A precocidade no futebol ser encarada de esguelha é chavão não escrito. Visto bem o histórico desmiolado de quem ferve com a bola, uma prova flagrante de incoerência. É uma verdade da humanidade que vivalma nasce ensinada, que só aprendemos errando e que sem desconforto nas tarefas fica árduo evoluirmos, mas, a cada aparecimento de um caçula atolado em potencial e cheio de talento anormal para a idade, é uma questão de tempo até ser escancarada a ambiguidade quadrada desta modalidade que chuta numa bola redonda.
Não é, de todo, normal um adolescente galgar dois ou três degraus a cada passada que trepa a escadaria da carreira e, antes de fechar o percurso enquanto júnior, estar a coabitar entre os pontapés dados por adultos. Quando um novato irrompe, à bruta, com o seu talento numa equipa sénior e cedo se cola como titular, somos todos rápidos a elogiar-lhe a capacidade, a destacar-lhe as valias já tão boas para a idade e a inflacionar-lhe as previsões de carreira com base no pouco que ele já mostrou. Depois, às primeiras falhas da relação com o erro que todo, mas todo o futebolista tem, o gatilho fácil e nervoso das críticas é logo premido sem vergonhas.
E o jovem prodígio vira o jovem precipitado, de prometedor passa a inexperiente e do pedestal de barro onde o elevaram com o perigo das expectativas cai, aos trambolhões e também desproporcionalmente, para o piso térreo da falta de noção em não se ter em conta de que cedo, rápido e bem, há poucos que o façam. O tão português que é António Silva, ainda mais portuguesíssimo se lermos a coleção de nomes tão de cá que tem em António João Pereira Albuquerque Tavares Silva, é o mais recente projeto de futebolista posto a jeito deste escrutínio moderno e impaciente do futebol, que exige resultados para ontem.
Ele deveria estar a limar-se na transição de júnior para sénior. No verão tinha apenas quatro jogos no escalão adulto do Benfica B, começou a treinar com a equipa principal e a sorte sem a qual ninguém é alguém no futebol, mais um treinador vindo de fora sem pudores, escancarou-lhe uma oportunidade - quando três dos seis defesas centrais estavam lesionados, Roger Schmidt escolheu o desbarbado adolescente para ter ao lado de um Otamendi que quase o dobra na idade.
A maioria do resto que temo visto é culpa de António Silva.

O jovem central já teve que se testar contra Mbappé, Messi e Neymar esta época
Carlos Rodrigues/Getty
É extremamente anormal um defesa central de 19 anos feitos há uma semana ter a noção posicional, o timing de abordagem à bola e a postura corporal nos duelos que o português já exibe; mais incomum é a calma que aparenta em todas as ações, na escolha da opção mais simples quanto tem a bola (os passes rasteiros que coloca nos jogadores que estão mais longe), e a concentração que é capaz de manter fechada no seu cofre e que, dizia o treinador alemão no domingo, já teve de testar contra “jogadores e equipas top” esta época. Os dois golos feitos ao Estoril, não sendo o esteio da sua labuta, servem para reforçar outra conversa pelo mediatismo do feito.
Não por culpa dele, mas da inoperância alheia em acautelar um azar que não era assim tão imprevisível, António Silva e as suas 19 primaveras na Terra estão a ser faladas como potenciais merecedoras de uma convocatória para o Mundial, já que Portugal está carente de opções a defesa central que tenham sido experimentadas e nutridas, com tempo, para quando chegasse este dia tão adiado. Teria sido normal que já tivesse chegado. Essa carência explica-se, em parte, pela magnânima samba na cara do tempo que Pepe dá, há muito, esticando o nível de excelência até aos quase 40 anos e escusando quem se quisesse escusar a acautelar alternativas para o centro da defesa da seleção nacional.
Na última década, é verdade que Portugal não tem cultivado colheitas que lhe deem centrais do nível do capitão do FC Porto (à exceção de Rúben Dias), mas, havendo Pepe a desafiar barreiras temporais, Fernando Santos não foi testando jogadores em partidas de exigência na posição, redundando-se em confiar no também quase quarentão José Fonte até uma adaptação de Danilo Pereira a central, no PSG, se alinhar com as necessidades do selecionador. Repetindo, é verdade que o selecionador não teve farta matéria-prima ao dispor, mas é também por isto que um tão verde António Silva, nem com meia época de sénior a titular, está a ser matutado para entrar nas escolhas que serão anunciadas esta quinta-feira, pelas 17h30.
Um António de outros tempos, quando havia uma noite para passar, cantava que “tu estás livre e eu estou livre” para sucintamente justificar uma união e a junção deste defesa central à seleção nacional que viajará para o Mundial do Catar não chocará devido ao referido contexto. António Silva pode ainda não ser tudo o que lhe pintam, mas o que mais o favorecerá nos próximos tempos é a aceitação de que ele vai errar e falhar e, em princípio, crescer. Que a precipitação em inflacionar elogios não seja um precipício de críticas quando esses momentos aparecerem, como o ambíguo futebol já tanto vez com tantos outros.
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Zona mista
“Estes miúdos já trouxeram uma mentalidade do futsal que se vive hoje em dia. Eles não respeitam o adversário e não é na forma negativa, não querem saber se o outro é bom, muito bom ou mais ou menos, eles vão fazer o jogo deles, não interessa quem está do outro lado. Logicamente respeitam a qualidade, mas eles vão encará-los como encaram outro gajo qualquer, e isso não existia.”
As frases são de João Matos, capitão do Sporting e da seleção nacional de futsal, ditas para explicar como Portugal logrou dar tantos pulos na evolução da modalidade que tem hoje o país como uma potência, quiçá até a maior.
Segunda-feira, 7
🌊 O Saquarema Pro, sexta etapa do Challenger Series, principal circuito de qualificação para a liga mundial de surf, onde Teresa Bonvalot está nos quartos-de-final no quadro feminino. O período de espera vai até quinta-feira.
⚽ A 12.ª jornada da I Liga fecha com um Desp. Chaves-Santa Clara (20h15, Sport TV1). Na La Liga, há um Real Madrid-Rayo Vallecano (20h, E1).
Terça-feira, 8
⚽🏆 É dia de Taça de Portugal com o Gil Vicente-Arouca (18h45, Sport TV2), o Varzim-São João Ver (19h, Canal 11) e o Mafra-FC Porto (20h45, RTP1).
Quarta-feira, 9
⚽🏆 Mais Taça: Académica de Viseu-Camacha (11h, Canal 11), Nacional-Tondela (15h, Canal 11), Casa Pia-Valadares Gaia (17h45, Canal 11), Vitória-Vizela (18h45, Sport TV3) e Estoril Praia-Benfica (20h45, RTP1).
Quinta-feira, 10
⚽🏆 E mais um pouco: SC Braga-Moreirense (19h45, Sport TV1).
⚽✈️ Às 17h30, Fernando Santos divulgará quem são os 26 convocados para a seleção nacional que irá ao Catar jogar o Campeonato do Mundo.
Sexta-feira, 11
🎾 Jogam as meias-finais da Next Gen Finals, o torneio de final de época que reúne os melhores tenistas do ranking com menos de 21 anos (a partir das 18h, Sport TV).
Sábado, 12
🌊 Arranca, em Peniche, a última etapa do circuito nacional de bodyboard que determinará o homem e a mulher que vencerão o título (BBoardTV).
🏉 Portugal defronta o Quénia (12h, Sport TV) no segundo jogo do torneio de repescagem para o Mundial de 2023, após vencer Hong Kong. Depois, nos test matches tradicionais desta altura do ano, há um Escócia-Nova Zelândia (13h15, Sport TV) e um França-África do Sul (20h, Sport TV).
⚽ Começa a 13.ª jornada da I Liga, a última antes do Mundial: Arouca-Rio Ave (18h, Sport TV1) e Boavista-FC Porto (20h30, Sport TV1).
Domingo, 13
🎾 Começam as ATP Finals, prova que junta os oito melhores tenistas do ano.
🏎️ Realiza-se o Grande Prémio do Brasil em Fórmula 1 (18h, Sport TV).
⚽ Prossegue a I Liga: Paços de Ferreira-Vizela (15h30, Sport TV3), Vitória-Marítimo (15h30, Sport TV1), Casa Pia-Desp. Chaves (18h, Sport TV1), Portimonense-SC Braga (18h, Sport TV3), Benfica-Gil Vicente (18h, BTV) e Famalicão-Sporting (20h30, Sport TV1).
Hoje deu-nos para isto

Aos 21 anos, Gustavo Ribeiro tornou-se o primeiro português a ser campeão mundial de skate
MAURO PIMENTEL/Getty
Andar por esta vida sobre quatro rodas é uma variante comum a tantos, quase banal se pouco esmiuçarmos o tipo de redondos calcantes usada por cada um. Os de Gustavo Ribeiro não são motorizados, ele não dispõe de maquinaria movida a combustível líquido ou com cilindros, correias, válvulas e escapes. Move-se com os pés a calcarem uma tábua quadrupla em pequenas rodas que depende do embalo que o português lhe dá, a gasolina é ele e a sua ousadia.
Já era noite de domingo quando Gustavo, de pequenos headphones sem fios nos ouvidos, musicando-se como a ocasião fosse lúdica e de treino, pulou para cima de um corrimão descendente, desceu-o a deslizar e saltou no final com um ligeiro pontapé dado na ponta do skate para o girar antes de aterrar, suave e elegantemente, no chão de um pavilhão do Rio de Janeiro. A dificuldade da junção de um front nosegrind com um nollie flip deu-lhe pontos suficientes para garantir uma inédita história.
Assim conquistou a Super Crown da Street League Skateboarding, a mais importante prova que existe no skate, logo o equivalente a escrever que Gustavo Ribeiro, com os seus 21 anos, é o novo campeão mundial da modalidade. Nunca um português chegara sequer perto de o fazer, quanto mais de ser um aventureiro que rumou aos EUA para viver em Los Angeles, virar profissional, ter material e tábuas em seu nome e agora, “finalmente”, poder dizer que reina no skate ao mesmo tempo que confessa “nunca” ter pensado “que seria tão cedo”.
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Gustavo Ribeiro, o primeiro português a ser campeão mundial de skate: “Sou bom, mas estou longe do topo. Quero ainda mais”
Nem há duas semanas, Gustavo Ribeiro deu-nos uma entrevista sobre esta possibilidade e admitia ser “bom”, mas estar “looonge, longe do topo” com uma ávida boa-disposição, conversa sem rédeas e um à-vontade contagiante. Ele emigrou para ir atrás de um sonho e, com o troféu já na mão, disse num fluente inglês que “há que segui-los” porque “só tu podes dizer o que vais fazer”. Disse, fez, agora sorri e Portugal tem um novo campeão do mundo.
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