Ronaldo no seu labirinto
Partilhar
24.10.2022
Esta semana mostrou que Cristiano dificilmente será protagonista no United de Ten Hag. Ele já o saberia, só não deu as razões certas
IAN HODGSON/Getty
Aqui há uns anos valentes, já os motivos da Guerra do Iraque se vestiam da mais vergonhosa ignomínia, o caubói George W. Bush falava em Bagdade quando um jornalista local mimou o ainda então presidente dos Estados Unidos com um arremesso de sapatos de nível quase olímpico. Bush filho, com excelentes reflexos, conseguiu desviar-se, não houve ferimentos ou vítimas, mas o choque foi grande. Não pelo ato em si, afinal são só uns sapatos, não uma pistola ou um punhal, mas pelo simbolismo daquela ação desesperada. Porque mostrar as solas dos sapatos, que carregam toda a sujidade do mundo, imundice literal, diga-se, é um insulto do pior que há no mundo árabe. Pior que se mandar a mãe ou o pai para algum lado. Pior que uma chapada de mão aberta.
Bem sei que estamos a comparar o incomparável, mas imagino que, para um treinador, ver um jogador levantar-se do banco e abandonar o relvado sem aviso ou justificação ainda antes do apito final seja uma dessas ações simbólicas que doem mais que uma palavra mais assanhada. Que ela seja protagonizada por um homem de 37 anos e duas décadas de futebol profissional nas pernas torna tudo ainda mais incompreensível.
Cristiano Ronaldo vive, por estes dias, dentro do seu próprio labirinto, preso num sítio onde parece não querer estar e no seu ego, machucado por, nos últimos tempos, se ter tornado num mero espectador num show que antes protagonizava. Depois do folhetim do início da época, da suposta venda em leilão por meia Europa por parte do seu empresário, do desejo de jogar na Champions mesmo não tendo ajudado a equipa a lá chegar pelos canais normais, a imagem de Cristiano abalou para os não indefectíveis: algum público não gostou que um rapaz que chegou onde chegou por trabalho e mérito próprio quisesse tomar a estrada mais fácil.
Agora percebemos que é possível que Ronaldo estivesse certo quando quis sair do Manchester United antes da época começar. Mas não pelas razões corretas. A realidade é crua e desvelou-se rapidamente: o Manchester United de Erik ten Hag, que chegou de Amesterdão com uma ideia bem definida e que resultou no Ajax, funciona melhor sem Cristiano do que com Cristiano. A vitória com o Tottenham é disso exemplo. E Cristiano é hoje um jogador descontextualizado naquela forma de jogar, que exige compromisso em todos os momentos, principalmente nos de aperto, quando o adversário se apropria da bola.
Haverá, seguramente, algum grau de injustiça na forma como um dos melhores jogadores da história está a ser afastado de um papel principal. Será porque os seus níveis físicos e táticos baixaram drasticamente ou apenas por um sistema, uma ideia do treinador? Isso só se saberá fora de Manchester, quiçá fora de Inglaterra, onde a intensidade pede futebolistas preparados para um nível de comprometimento único. Mas sair a meio de jogos, num momento de indisciplina inaudito em Cristiano e que lhe valeu castigo, e deixar a família tomar as suas dores informalmente nas redes sociais não será, exatamente, a melhor forma de protesto. Aquela espécie de pedido de desculpas - onde, na verdade, a palavra “desculpa” ou “perdão” não é utilizada - mostra que Cristiano e quem o rodeia já percebeu que a sua imagem está a sofrer e que o final de carreira não pode ser assim, feito de atitudes penosas. Faltará que Cristiano encontre agora um lugar onde ainda possa ser importante, porque o faro para as balizas não se perde assim de um momento para o outro.
Mas para isso talvez tenha de admitir algo sobre a sua própria imortalidade e deixar de falar de “cargas do Cris” e quejandos. Não há vergonha alguma nisso, apenas graciosidade.
O que se passou
O clássico FC Porto - Benfica acabou com os encarnados a reforçar a liderança da I Liga, enquanto o Sporting voltou às vitórias depois do desaire na Taça.
Karim Benzema conquistou a Bola de Ouro pela primeira vez.
Judocas e federação continuam às turras, o que não impediu que Bárbara Timo e Rochele Nunes voltassem do Grand Slam de Abu Dhabi com medalhas.
Portugal tem a primeira grande baixa para o Mundial: Diogo Jota lesionou-se e não estará no Catar.
Leia também
Histórias de dragões, fogo e gelo
Leia também
Dois atores de Hollywood compraram o Wrexham. A paixão é grande, adoram cada segundo, mas o futebol “é um tormento em igual medida”
Leia também
A competitividade prevaleceu sobre a representatividade e assim floresceu a Liga 3, o campeonato dos tomba-gigantes da Taça de Portugal
Leia também
De Montevidéu a Doha, episódio 8: as angústias e os prazeres de um árbitro num Campeonato do Mundo
Leia também
Elnaz Rekabi é escaladora, competiu sem hijab na Coreia do Sul e os amigos perderam-lhe o rasto, mas Irão nega qualquer detenção
Leia também
Como o fiável se tornou questionável, ou o relato da primeira grande crise de Rúben Amorim
Leia também
Alexia Putellas, a rainha que venceu a Bola de Ouro pelo segundo ano consecutivo
Zona mista
Já ouvi de tudo. O Phelps português… É um elogio comparar com o Phleps e com grandes nadadores, mas a gente tem de pegar e falar assim: ‘Garoto, você não vai ser o segundo Phelps, vai ser o primeiro Diogo’
Alberto Silva é o brasileiro que trabalha com Diogo Ribeiro, o jovem nadador português recordista mundial de juniores, a maior esperança que a modalidade viu por cá em décadas, e a frase diz tudo: a sua história e o que ele já ganhou dá-lhe créditos para ser único. A Tribuna Expresso acompanhou o rapaz de Coimbra, a reportagem multimédia está aqui e o mini-documentário aqui.
O que aí vem
Segunda-feira, 24
⚽ A 10.ª jornada da I Liga fecha com o Rio Ave - Portimonense
🎾 ATP 500 de Basileia (14h, Sport TV3) e de Viena (13h, Sport TV6)
Terça-feira, 25
⚽ O regresso da 🎶 CHAAAAAAAPIONS 🎶 com o Benfica - Juventus (20h, Eleven 1). No mesmo grupo, o PSG recebe o Maccabi Haifa (20h, Eleven 4)
🤾 Liga Europeia: Sporting - Alpla HC (19h45, Sporting TV)
Quarta-feira, 26
⚽ Na Champions, o FC Porto joga em casa do Club Brugge (17h45, Eleven 1) e o Sporting em Londres, no estádio do Tottenham (20h, TVI). Siga também o Barcelona - Bayern Munique (20h, Eleven 2)
Quinta-feira, 27
⚽ Na Liga Europa, veja o Union Berlin - SC Braga (17h45, SIC) e o Manchester United - Sheriff (20h, Sport TV1)
🤾 Liga dos Campeões: FC Porto - GOG (19h45, Porto Canal)
Sexta-feira, 28
⚽ A 11.ª jornada da I Liga arranca com o Paços de Ferreira - Marítimo
Sábado, 29
⚽ Na I Liga: Santa Clara - FC Porto (15h30, Sport TV1), Benfica - Chaves (18h, BTV) e Arouca - Sporting (20h30, Sport TV1)
⚽ Premier League: Leicester - Manchester City (12h30, Eleven 1) e Liverpool - Leeds (19h45, Eleven 1)
⚽ La Liga: Valencia - Barcelona (20h, Eleven 2)
🏁 F1: GP México, qualificação (21h, Sport TV4)
Domingo, 30
⚽ Liga BPI: Sporting - SC Braga (15h, 11)
⚽ I Liga: Portimonense - Estoril (15h30, Sport TV2), Boavista - Varzim (15h30, Sport TV1), Casa Pia - Rio Ave (18h, Sport TV1) e Gil Vicente - SC Braga (20h30, Sport TV1)
🏁 F1: GP México, corrida (20h, Sport TV4)
Hoje deu-nos para isto
Há uns meses, quando o Villa Athletic Club brotou como um projeto aparentemente simpático, prometendo vida florescente no Alentejo interior, Meyong disse à Rádio Renascença que se tinha tornado treinador do novo clube “através de um amigo, que conhece um amigo de um amigo”. Com esta introdução de rábula humorística, era de desconfiar.
Mas não se desconfiou e o mea culpa dos jornalistas também deve ser feito. O magnânimo conceito saído da cabeça de Fábio Lopes, conhecido como Conguito, radialista e homem de ideias at large, não passava de mais uma megalomania irresponsável, dessas que se têm agarrado ao futebol que nem percebes à rocha, como se o futebol fosse uma brincadeira e bastasse juntar duas mãos-cheias de tipos, dar-lhes uma bola e está feito. Lendo os pungentes relatos do rapaz, dos sonhos de menino em ter um clube, das conversas com amigos à volta de mesas de cafés nas quais nasceu a ideia de fazer erguer um clube com nome em estrangeiro, lembrei-me das minhas próprias quimeras, minhas e de toda a gente, ou haverá alguém que não tenha, em certo momento, anunciado que o seu sonho era abrir um bar?
É claro que as ideias pueris eram, em boa parte, conversa. O conceito de “descentralizar o futebol” é muito bonito, mas inscrever a equipa em Portalegre para depois treinar em Lisboa pouco ou nada fará pelo futebol no Alentejo. Mas daria ao Villa uma via prioritária para chegar ao Campeonato de Portugal. Como diria a minha mãe, “estes são de olho”, uma boa maneira de chamar alguém de “espertalhão”. Com as promessas a não serem cumpridas, foi-se a descentralização, a via prioritária, os planos desmedidos. Em pouco mais de três meses. Que isto nos ajude, quanto mais não seja, a sermos mais exigentes com quem chega e atentos a quem já cá anda, em clubes que representam verdadeiramente certas regiões e que tantas vezes, porque somos pequenos e virados apenas para três emblemas, não têm oportunidade de crescer.
Leia também
Nome inglês, treina em Lisboa, joga em Portalegre: fundado no verão, Villa Athletic tem salários em atraso e faltou ao 1.ª jogo da época
A Tribuna Expresso continua à distância de um clique, onde poderá acompanhar a atualidade desportiva e as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook, Instagram e no Twitter. Obrigada por nos ler e tenha uma boa semana.
E já agora, se ainda não escutou, o podcast chamado A Culpa é do Árbitro, com Duarte Gomes, terá como habitualmente um novo episódio à terça-feira, onde as regras e as leis do jogo são protagonistas, com o tom pedagógico que tantas vezes falta ao nosso mundo da bola.