O futebol está a ser futebol com Rúben Amorim
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17.10.2022

Rúben Amorim tem 37 anos e 144 jogos na carreira de treinador na qual estará a atravessar a pior fase
PEDRO ROCHA/Getty
Há dias, no relaxe de uma entrevista mais conversadora do que formal, à boleia de boas divagações que desviam o palavreado para lugares bons, um emigrado treinador dono de títulos de campeão nacional quando andou por cá alongava o discurso sobre jogo, sistemas, espaços e dinâmicas no estilo de respostas que se desenrolam sem noção do fim quando, de repente, gesticulando com mais fulgor e levantando os braços, ergueu uma lomba nessa ordem de ideias. “Isto é tudo muito bonito, mas, sem resultados, não vale de nada”, foi a frase que lhe saiu, ou uma parente próxima.
Quem treina no futebol vive uma parábola muito própria. Qualquer um ou uma sabe, à partida, da ingratidão patológica da realidade a que submetem a vida e da qual viram assalariados se a lupa aqui estiver em quem assume o cargo nalgum clube de topo: estarem à mercê de devaneios presidencialistas, terem o dia a dia laboral ou pessoal escrutinado na comunicação social rendida à coscuvilhice a que as pessoas se intitulam por direito ou serem questionados amiúde sobre temas que fogem à jurisdição futebolística por, nos contratos que assinam, estar tacitamente escrito que serão a cara e a boca do clube. Não é só no relvado que trabalham.
Durante mais de três anos, Rúben Amorim lidou habilmente com tudo isso à boleia de um louvável jogo de cintura de contorcionista vindo do carisma que nele habita, da capacidade de ser frontal, direto e sem pudores a comunicar apesar de ser um confesso avesso a entrevistas. Depois, pela competência técnica, a devolução do título de campeão ao Sporting e a constância dos resultados positivos mantiveram-no sempre como um excelso capaz de navegar à bolina em momentos menos risonhos, embora não tão arreliadores como o que parece estar a atravessar - perdeu quatro dos seis jogos feitos no último mês e o futebol, agora, está a ser futebol com ele.
No sexto lugar e a nove pontos do topo do campeonato, agora eliminado da Taça de Portugal à primeira e vindo de duas anafadas derrotas na Liga dos Campeões frente ao Marselha, num par de encontros em que o Sporting jogou 132 minutos com menos um jogador em campo, o treinador está a ser o íman de todas as culpas, o cortejador involuntário de manchetes, o tipo a quem apontar se não ganhar todos as partidas no mundo da competição onde perder faz parte. Há certos clubes, em específicos países, onde a paciência é mais do que uma mera residente no dicionário, mas não em Portugal, onde a prova da sagaz noção e presença de espírito de Rúben Amorim foi ouvi-lo, já em alturas de bonança, a dizer que estes mares turbulentos iriam chegar.
O seu Sporting dos três centrais, da linha defensiva de coordenação mecânica, do fiel amor a explorar o espaço nas costas dos defesas adversários, “bastante estruturado” e com a “pouca flexibilidade” tática que em fevereiro da época passada o próprio admitiu e que continua a denotar, está a solavancar no que se pode resumir, de forma curta, na incapacidade em resolver jogos que domina e na previsibilidade das suas aproximações à área contrária. Em marcar golos com o muito tempo na bola que tem. Em aproveitar o estado em que a equipa, também segundo Rúben Amorim, está a jogar o melhor futebol sob o seu comando, tipo de confissão que deixa um treinador como um antílope à vista numa pradaria, alvo fácil para os disparos do resultadismo.
É isso que Rúben Amorim, 37 anos de vida e com 144 jogos na carreira, está a experienciar nesta sua pior fase como cara-maior do Sporting, quando a sua rigidez que translada para as maneiras como a equipa existe com a bola está a ser exposta. Quem se desviou elegantemente de balas mansas durante três temporadas tem, por estes dias, de lidar com o veneno amnésico de derrotas e resultados negativos, que impregnam o futebol de memória curta mal começam a surgir. Nisso os treinadores são todos da mesma família: cedo ou tarde, são invadidos pela inadmissão da falha e a sujeição à pressão de se ter de ganhar sempre caso chegam às equipas que abraçam essa exigência e a respetiva interpretação que os adeptos fazem dela.
Quem nunca falha nada aprenderá enquanto caminhar neste mundo e, se jamais falhar, ora será um excelso ser humano nos píncaros da espécie ou alguém com problemas de perceção. Rúben Amorim será a melhor coisa que aconteceu ao Sporting nas mais recentes décadas não pelo que ganhou, mas pela postura com que está no futebol que agora parece descarregar o seu lado triturador contra o treinador. O clube recostou-se no sucesso efémero e na carismática oratória do técnico durante muito tempo e agora, quando ele sozinho continua numa fase titubeante, a postura é a mesma, como o foi quando, por exemplo, Matheus Nunes foi vendido para seu desagrado.
Na ressaca da eliminação da Taça de Portugal contra um Varzim, da Liga 3, onde a multiplicação dos cruzamentos com pouca gente na área e a quase mono forma das tentativas de chegar à baliza conheceu mais um capítulo, Rúben Amorim disse que “no fim a culpa não vai morrer solteira”. Nas intermitências vistas em campo, a responsabilidade é dele. Na mastigação enviesada dos resultados que reduzem a análise do trabalho às bolas que entram, ou não, nas balizas, já é o futebol a correr em piloto automático.
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Zona mista
O talento não é o único fator determinante na construção da vida de um jogador. Se fosse só pelo talento, nunca teria conseguido chegar lá.
Ricardo José Vaz Alves Monteiro, conhecido no burgo da bola como Tarantini, em entrevista à Tribuna Expresso na qual se assumiu como uma espécie de “voz da consciência” do futebol português e falou, sem pudores e travões, sobre o que é a vida de um jogador que, de fora, é comum ser encarada como cheia de flores, mordomias e facilidades para toda a gente.
Segunda-feira, 17
🎾 É dia para o arranque de três torneios ATP 250, todos a realizarem-se na Europa até ao final da semana, a diário: em Antuérpia, Estocolmo e Nápoles. No circuito WTA, joga-se o Masters 1000 de Guadalajara, no México.
⚽ Na Serie A, a Roma de José Mourinho e Rui Patrício vai a Bérgamo jogar com a Sampdoria (17h30, Sport TV1).
Terça-feira, 18
⚽ Há um Sevilha-Valência na La Liga (18h, Eleven Sports2) antes do Atlético Madrid-Rayo Vallecano (20, Eleven Sports2).
Quarta-feira, 19
🏀 A NBA está de volta e, se a única hipótese que tiver para a visualizar for a televisão, há um Golden State Warriors-LA Lakers para as boas-vindas (3h, Sport TV1).
⚽👩 O Benfica entra na fase de grupos da Liga dos Campeões feminina a jogar contra o Barcelona (20h, com transmissão no YouTube).
⚽ Na Premier League, joga-se um Liverpool-West Ham (19h30, Eleven Sports2).
Quinta-feira, 20
🏀 Mais NBA: Brooklyn Nets-New Orleans Pelicans (00h30, Sport TV1) e, à mesma hora, Toronto Raptors-Cleveland Cavaliers (Sport TV3). Um pouco mais tarde, joga-se o Sacramento Kings-Portland Trail Blazers (3h, Sport TV1).
⚽ Para a Liga Europa, o Arsenal recebe o PSV Eindhoven (18h, Sport TV1).
🥅👩 A seleção nacional feminina de futsal defronta a Bielorrússia na fase de qualificação para o Europeu de 2023 (20h, Canal 11).
Sexta-feira, 21
🏀 Um dérbi de Los Angeles na NBA: Lakers-Clippers (3h, Sport TV1).
🥅👩 Logo no dia seguinte, a seleção volta ao campo para jogar contra a Eslovénia na mesma fase de apuramento (21h, Canal 11).
⚽ Dia de clássico na I Liga: o FC Porto recebe o Benfica no Dragão (20h15, Sport TV1).
Sábado, 22
🏀 NBA: Charlotte Hornets-New Orleans Pelicans (00h, Sport TV6), Golden State Warrios-Denver Nuggets (3h, Sport TV1) e Portland Trail Blazers-Phoenix Suns (3h, Sport TV6).
⚽ Mais I Liga: Famalicão-Paços de Ferreira (15h30, Sport TV1), Estoril Praia-SC Braga (18h, Sport TV2) e Sporting-Casa Pia (20h30, Sport TV1). Na Premier League, há o Chelsea-Manchester United (17h30, Eleven Sports1).
Domingo, 23
🏀 NBA: Miami Heat-Toronto Raptors (1h, Sport TV3).
🏍️ Grande Prémio da Malásia em Moto GP, com Miguel Oliveira ao barulho (8h, Sport TV).
⚽ Prossegue a I Liga: Vizela-Santa Clara (15h30, Sport TV2), Marítimo-Arouca (15h30, Sport TV1), Desp. Chaves-Gil Vicente (18h, Sport TV1) e V. Guimarães-Boavista (20h30, Sport TV1). Noutras geografias, joga-se um Roma-Nápoles (19h45, Sport TV3) em Itália e um Barcelona-Athletic Bilbao (20h, Eleven Sports1) em Espanha.
🏎️ Grande Prémio dos EUA em Fórmula 1 (20h, Sport TV).
Hoje deu-nos para isto

VINCENT LAFORET/Getty
O desporto na terra dos 50 estados unidos que se deixou de demais formalidades e batizou um país assim mesmo tem as suas gritantes particularidades, os norte-americanos são fãs de espetáculo, ação constante, fuga aos tempos mortos e as modalidades que inventaram refletem os costados que compõem um povo: apesar de serem atividades coletivas, de equipa, não há contexto desportivo que mais exalte o singular peso do indivíduo ou verse elogios sobre as proezas de um indivíduo no seio de uma equipa.
No basquetebol e na NBA tão deles, os americanos construíram um lugar fértil para egos fervilharem e um jogador ser um eucalipto de tração, que abraça a responsabilidade por ter capacidades que outros não têm e eleva um conjunto pela personalidade obcecada na superioridade. Quando estamos a horas de arrancar com nova época - será na madrugada portuguesa de terça para quarta-feira -, valerá a pena recordar os monstros mentais como não terão havido outros no último meio século da modalidade.
Michael Jordan era o galifão lendário de sublimidade, capaz de orquestrar feitos na quadra em sucessão e no meio de momentos de alta pressão que decidiam jogos para os Chicago Bulls. Mais tarde, surgiria Kobe Bryant, outro executar de gestos de genialidade nos LA Lakers que irrompeu quando a idade já ia findando a brilhante luz do primeiro. Eles foram os dois egos superlativos que domaram a NBA a seu tempo e se algo os unia era o caráter maníaco por ganhar, ser melhor do que toda a gente e mostrá-lo flagrantemente, com um ego musculado a temperar tudo.
Parecendo isto, mas não sendo publicidade, há tempo para relembrarmos tudo o que Jordan e Bryant foram em dois documentários disponíveis na Netflix: o “The Last Dance”, com vários episódios a narrarem aquela lendária equipa dos Bulls com óbvio foco em MJ, e o “The Redeem Team”, sobre a seleção dos EUA que reconquistou o ouro olímpico em Pequim 2008, com a aura de Kobe a inflacionar a exigência de um aglomerado de estrelas a arcarem com o peso das expectativas.
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E já agora, se ainda não escutou, o podcast chamado A Culpa é do Árbitro, com Duarte Gomes, terá como habitualmente um novo episódio à terça-feira, onde as regras e as leis do jogo são protagonistas, com o tom pedagógico que tantas vezes falta ao nosso mundo da bola.