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Roger Federer e a imortalidade da grande arte

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Federer vai embora, mas não vai a lado nenhum

Federer vai embora, mas não vai a lado nenhum

Julian Finney

Pierre Gasly é piloto de Fórmula 1 e um dos seus ídolos é Ayrton Senna. Nada disto seria estranho se o francês (ainda por cima compatriota de Prost) não tivesse nascido quase dois anos depois do brasileiro desaparecer, engolido para a morte a mais de 300 quilómetros por hora na curva Tamburello do circuito de Imola. Gasly gosta de Senna mesmo tendo crescido a ver Michael Schumacher e, depois, Lewis Hamilton, a obliterarem todos os recordes da Fórmula 1, a irem muito além dos três títulos mundiais conquistados pelo piloto de São Paulo. Porque Senna era talento puro, de mão dada com aquele carisma safado que empolgava e seduzia até os que lhe criticavam a paixão por ir para lá dos limites. Impossível discutir se foi o melhor, mas não há veneração como a dedicada a Senna. A transcendência às vezes não é explicável.

Não tenho dúvidas que, daqui a uma vintena de anos, vão questionar tenistas que ainda nem sequer vieram ao mundo sobre os seus ídolos e muitos vão responder “Roger Federer”. Mesmo que o suíço saia de cena já sem alguns dos recordes mais extraordinários do ténis, recordes esses que estão a ser ultrapassados e melhorados por Rafael Nadal e Novak Djokovic e talvez venham a ser por outros prodígios já andem por aí ou ainda estejam por aparecer.

Mas dificilmente alguém vai tratar tão bem a bola de ténis como Federer, que nestes 20 anos fez do court a sua sala de espectáculos, da sua esquerda um quadro impressionista, do seu jogo de pés um perfeito ballet clássico, digno de serão de sábado no Bolshoi. O tenista que, quando o circuito se encheu de tipos que tinham na linha de fundo e da potência o seu reduto, teve a audácia de trazer para cima da mesa uma versão evoluída do ténis clássico dos campeões de raquetes de madeira, num casamento perfeito com as pancadas mais circenses vindas das partes mais traseiras do court.

E fê-lo sem carregar qualquer fardo do grande talento que lhe deram. Tipos naturalmente talentosos não faltam no desporto, mas a fantasia por vezes é pesada: Maradona refugiava-se nos excessos, Senna não sabia perder. Outros, talvez até mais virtuosos, sucumbiram a lesões. Federer juntou o domínio desportivo - de 2004 a 2007 chegou a 13 das 16 finais de torneios do Grand Slam e venceu 11 deles - a uma persona charmosa, elegante, como se o seu jogo fosse, na verdade, uma extensão da sua própria psique. Um tipo equilibrado capaz dos festejos mais efusivos, um suíço montanhoso a quem nunca se viu um mau gesto e que chorou em muitas finais que perdeu. E em que ganhou, também.

Dele ficará a grande arte de fazer beijar a bola nas cordas das raquetes porque os números são ultrapassáveis mas a capacidade de caminhar sobre a água não. Perguntem a Carlos Alcaraz, por exemplo, que cresceu no país de Nadal, mas em miúdo idolatrava Federer. Ou aos que susteram a respiração quando Roger pisou a relva de Wimbledon este verão no centenário do court central do torneio londrino, apesar de lá estarem tantos outros campeões. Por essa altura, já o seu joelho repetidamente operado lhe dava sinais de que, aos 41 anos, o fim da presença física de Federer em campo era inevitável, mas ele perdurará, como Muhammad Ali, como Michael Jordan, como Senna, Maradona.

No torneio de despedida, a sua Laver Cup, no próximo fim de semana em Londres, Federer terá ao seu lado Nadal e Djokovic, adversários em campo e personalidades tão díspares da sua. Só alguém tão consensual o conseguiria fazer. A história do desporto é feita de rivalidades assanhadas, mas o suíço estará sempre numa outra dimensão. Será para sempre o homem que elevou a competição a patamares de arte, imortalizando-se no processo.

O que se passou

Só o Benfica sai desta semana de sorriso aberto. Vitória em Turim na Champions e goleada em casa para a I Liga. O Sporting começou bem, batendo com estrondo o Tottenham na Liga dos Campeões, mas no campeonato foi surpreendido pelo Boavista. Já o FC Porto nem num lado, nem no outro: depois de uma das mais copiosas derrotas europeias da sua história, dentro de portas não foi além de um empate com o Estoril.

Muitos regressos na convocatória de Fernando Santos para os próximos jogos de Portugal, para a Liga das Nações. O primeiro é sábado, com a Rep. Checa e o segundo no dia 27, com a Espanha.


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Zona Mista

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O que aí vem

Segunda-feira, 19
🎾 ATP 250 de Metz (15h, Sport TV3) e de San Diego (19h30, Sport TV2)

Terça-feira, 20
⚽ Liga dos Campeões feminina: Rangers - Benfica, de acesso à fase de grupos (19h30, BTV)

Quarta-feira, 21
⚽ Liga das Nações: Escócia - Ucrânia (19h45, Sport TV1)
🤾 Liga dos Campeões de andebol: FC Porto - Veszprem (19h45, Porto Canal)

Quinta-feira, 22
⚽ Liga das Nações: França - Áustria (19h45, Sport TV1), Bélgica - País de Gales (19h45, Sport TV3) e Polónia - Países Baixos (19h45, Sport TV4)

Sexta-feira, 23
🎾 Laver Cup com o adeus de Roger Federer (13h30, Eurosport 1)
⚽ Liga das Nações: Itália - Inglaterra (19h45, Sport TV1) e Alemanha - Hungria (19h45, Sport TV3)
⚽ Brasil - Gana, encontro de preparação (19h30, Sport TV6)

Sábado, 24
⚽ Portugal entra em campo para a Liga das Nações, frente à Rep. Checa (19h45, RTP1/Sport TV1)
⚽ Ainda na Liga das Nações, siga o Espanha - Suíça (19h45, Sport TV2)
⚽ Sub-21: Portugal - Geórgia, encontro de preparação (17h, 11)
🎾 Laver Cup (14h, Eurosport 1)

Domingo, 25
⚽ Liga das Nações: Países Baixos - Bélgica (19h45, Sport TV1) e Dinamarca - França (19h45, Sport TV2)
🎾 Laver Cup (13h, Eurosport 1)
🏁 MotoGP: GP Japão, corrida (7h, Sport TV)


Hoje deu-nos para isto

Que bela semana esta para quem gravita pelo futebol português sem, na verdade, gostar uma pinga que seja de futebol. Já depois da questão de Famalicão, o carro da família de Sérgio Conceição foi apedrejado, cobardemente apedrejado, por uns idiotas que não percebem que um jogo pode ter três resultados. A reação do clube foi tímida. E no sábado, mais uma demonstração de civilização no Estoril - FC Porto, com adeptos da equipa da casa a insultar e expulsar um pai e uma filha portistas da bancada. O Estoril condenou o comportamento dos adeptos, sem nunca referir possíveis consequências - e pelas imagens não será difícil identificar quem se deu ao trabalho de injuriar quem apenas queria ver um jogo de futebol com outra camisola.

Não vale de muito discutir regulamentos quando a base de tudo é o que está profundamente errado: em Portugal não se gosta de futebol, dos adeptos aos dirigentes e, enquanto assim for, semanas com esta vão repetir-se.

Não deveria existir qualquer limitação a como uma pessoa vai vestida ou não para uma bancada de um estádio, seja ela qual for, mas o regulamento abriu portas a essa aberração precisamente por questões de segurança, para evitar confrontos, gente agredida, crianças insultadas. Uma solução má para um problema ainda pior. Mas falar de regulamentos em casos desta gravidade é navegar na espuma dos dias, esquecendo o essencial: se os adeptos soubessem comportar-se, nem seria necessário falar de artigos e alíneas. E se os adeptos não sabem estar, a culpa também é de quem dentro dos clubes tem rédea solta para tornar o futebol num campo de guerrilha.

Posto isto, parabéns a todos os envolvidos.

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E já agora, se ainda não escutou, temos um novo podcast (esta semana sairá o 7.º episódio) chamado A Culpa é do Árbitro, com Duarte Gomes, onde as regras e as leis do jogo são protagonistas, com o tom pedagógico que tantas vezes falta ao nosso futebol.