Qual é a melhor forma de sermos amigos do futebol?
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29.08.2022

Francisca Nazareth só tem 19 anos, mas toda ela está para o futebol como o futebol deveria estar para muita gente
José Fernandes
Desbaratar a palavra “amigo” causa-me comichão, entramos no táxi e somos amigados, pedimos um café ao balcão e rotulam-nos de amigo, quando quem nunca vimos mais gordo nos quer pedir algo o passo mais dado é amigar-nos logo à primeira frase. A noção de “amigo” é maltratada, esvaziada de significado, banalizada com pedidos de amizade enviados em ecrãs táteis sem que as pessoas se conheçam, confesso que me faz confusão, mesmo que Nélson Rodrigues escancarasse muitas das suas crónicas de jogo com “Amigos,” e assim arrancava a prosa que embelezava o futebol até aos píncaros.
Que a paz o tenha e nós desfrutamos de livros como os seus, que são a antítese das pessoas, letras botadas em folhas não têm prazos e tão pouco sabem de efemeridade, na Feira do Livro de Lisboa estão exemplares do “Brasil no Campo” a preceito, do livro que reúne tantas crónicas escritas por aqueles dedos cheios de dramaturgia em jornais que arrancam com “Amigos,” ele endereçava-se a gentes desconhecidas tratando-as com a palavra que pressupõe proximidade e se calhar era um isco, é provável, um engodo de quem se fez extremamente amigo do futebol para cativar as pessoas a maravilharem-se pelo bonito e não sucumbirem à feiura daninha.
Os exemplos de fealdade são semanais, às vezes diários. A bola rola em relvados enquanto manhas ou truques a tentam quadrangular, a sua repetição exaustiva por vezes fá-los parecerem parte do jogo, eis o “faz parte” a ser vulgarizado como o “amigo” e daí termos de nos agarrar a quem, de vez em quando, surge como amicíssimo do futebol não por o declarar, mas porque é impossível escondê-lo. E a amizade de Francisca Nazareth com a bola é absoluta.
Não era preciso demonstrá-lo, mais uma vez, na final da Supertaça de Portugal que a teve sentada no banco durante uma hora, só uma mazela física pode justificar esse atentado à futebolidade, quando ela entrou em campo viu-se a faceta mais admirável que pode haver do talento. É a naturalidade, a desfaçatez de quem passeia uma relação com a bola distintamente superior à das restantes mulheres em campo. Pode não ser a melhor a dado momento, nem a mais prática, mas, como a abreviadamente apelidada de Kika o tem evidenciado, o tempo tende a limar-lhe as intervenções num jogo ao ponto de serem as que veem luz onde outras se perdem na escuridão.
Aos 19 anos, joga com resquícios de futebóis passados, dos tempos em que pediam a Nélson Rodrigues para o prosar, a sola da chuteira com que pisa a bola, o descaramento de ficar parada e à espera que a tentem roubar só para se evadir elegantemente; a ginga ágil de corpo para eludir essas tentativas e dar um recado à bola para ser entregue à corrida de outra jogadora. Kika Nazareth tem essa rara qualidade: a de fazer ver a quem joga com ela os melhores caminhos até quando as outras jogadoras não arrancam logo, não fazem a corrida certa ou reagem tarde.
O quão já joga, com esta idade, faz Portugal ser literalmente pequeno para o seu não quantificável talento e a jogadora que é ser ainda mais imensurável devido à forma como Kika existe no futebol. Como ela se amiga do jogo: é quem se diverte a dar toques e a manter a bola no ar com uma apanha-bolas no estádio, durante o intervalo; é a craque do Benfica que foi à Academia do Sporting ver o jogo das rivais nas meias-finais da Supertaça; é quem passa férias com adversárias e partilha fotos; quem as abraça a torto e a direito em campo e sem pudores, constatando a amizade que têm (felizmente, está longe de ser a única). Simples atos que fariam muitos ‘adeptos’ espumar de raiva infundada e idiota caso fosse um jogador de um desses clubes a mimicá-la.
Francisca é o despretensiosismo em formato de jogadora. Não era preciso constatá-lo há dois meses, quando, pouco antes de a seleção viajar para o Europeu, fui atrelado ao Pedro Barata (que as viu de perto no torneio) ver num treino a forma como Kika era genuína alegria por estar a viver o que a transcende sobre as outras jogadoras e, em simultâneo, ter a simplicidade de quem quer lá saber se é melhor ou pior do que quem seja no “futebol jogado por mulheres”. É assim que lhe chama, sem o dividir por géneros. Mas elas jogam-no e vivem-no e valorizam-no como os homens já raramente o fazem. Umas amigam-se do jogo enquanto outros de desamigam dele.
É no futebol jogado por homens que se trocam insultos sem trela, mais se vê jogadores a levarem as mãos à cara após um toque no ombro, se avistam desrespeitos de deixar pessoas de mão estendida, se presenciam ameaças, se eleva este jogo despropositadamente na escala das coisas importantes na vida e se fomentam guerrilhas de umbigo quando algo não corre como fulano ou beltrano desejaria. Este fim de semana foi mais um a mostrá-lo. O floreado da visão de Nélson Rodrigues sofreria se lhe pedissem palavras acerca do cinzentismo do futebol português, a não ser que visse o sorriso estampado na cara de Kika Nazareth, uma das melhores amigas, de verdade, que a bola já tem.
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Zona mista
“Não me convidem mais para reunirmos e estarmos os treinadores todos ali com a hipocrisia que nos caracteriza para depois, nos jogos, ser esta vergonha. Não foi por isso que perdemos, assumo que o Rio Ave mereceu ganhar, independentemente de tudo o que estou aqui a dizer.”
Sérgio Conceição surgiu na conferência de imprensa ainda a quente e algo enervado após a derrota, por 3-1, em Vila do Conde, queixando-se do tipo de manhas que em Portugal se vê proporcionalmente às vezes em que um dos grandes as utiliza na Liga dos Campeões, quando se apanha ao volante do resultado contra um trilionário tubarão europeu. Também não raras ocasiões, lembra a diferença de orçamentos e meios para justificar subliminarmente as suas ações. Resumindo: tudo isto continuará a suceder enquanto os pratos da balança não se equilibrarem com a centralização dos direitos televisivos, cá dentro, e a sede por euros da UEFA não andar de mão dada com o favorecimento que presta aos super clubes que lhe dão mais audiências e põem, em teoria, melhores jogadores diante das câmaras.
Segunda-feira, 29
🎾 Arranca o US Open e as próximas duas semanas (até 11 de setembro) serão dos e das melhores tenistas do mundo a baterem bolas no derradeiro Grand Slam da época (a partir das 15h30, Eurosport).
⚽ A 3.ª jornada da I Liga fecha com dois jogos: V. Guimarães-Casa Pia (19h, Sport TV1) e Vizela-Gil Vicente (21h15, Sport TV2). Na La Liga, há um Valência-Atlético Madrid (21h, Eleven Sports1).
Terça-feira, 30
🚴 10.ª etapa da Volta a Espanha (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 Continua a ação no US Open (a partir das 15h30, Eurosport).
⚽ Há um encontro da I Liga, mas ainda relativo à 2.ª jornada, devido a um adiamento por motivos europeus: o Benfica recebe o Paços de Ferreira (20h15, BTV). Por Itália, a Roma de José Mourinho e Rui Patrício é anfitriã do Monza (19h45, Sport TV1), para a Série A.
Quarta-feira, 31
⚽ O Palmeiras de Abel Ferreira defronta o Athletico Paranaense na 1.ª mão das meias-finais da Copa Libertadoras (1h30, Sport TV1).
🚴 11.ª etapa da Vuelta (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 Mais jogos no US Open (a partir das 15h30, Eurosport).
⚽💸 É o último dia do mercado de transferências de verão (fecha às 23h59 em Portugal Continental).
Quinta-feira, 1
🚴 12.ª etapa da Vuelta (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 US Open (a partir das 15h30, Eurosport).
⚽ Na Premier League, mais uma oportunidade para aferir a evolução do volátil Manchester United, que jogar no estádio do Leicester City (20h, Eleven Sports1).
Sexta-feira, 2
🚴 13.ª etapa da Vuelta (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 US Open (a partir das 15h30, Eurosport).
👩⚽ A seleção nacional feminina vai à Sérvia jogar uma partida fulcral (19h, Canal 11) para a qualificação rumo ao Mundial de 2023, que se realizará na Austrália e Nova Zelândia. Só uma vitória importa.
⚽ Começa a 4.ª jornada da I Liga com o Benfica-Vizela (19h, BTV) e o Estoril Praia-Sporting (21h15, Sport TV).
Sábado, 3
🏉 Quarta jornada do Rugby Championship: a Nova Zelândia volta a receber a Argentina (8h05), após a primeira derrota que sofrereu na história, em casa, diante dos sul-americanos, e a Austrália enfrenta de novo a África do Sul (10h35).
🚴 14.ª etapa da Vuelta (a partir das 13h30, Eurosport).
🎾 US Open (a partir das 15h30, Eurosport).
⚽ Quando a manhã virar tarde e as barrigas já gritarem por almoçaradas haverá dois dérbis: em Inglaterra, o Everton recebe o Liverpool (12h30, Sport TV1) e, à mesma hora, o Celtic acolhe o Rangers (Sport TV3), rival de Glasgow, na Escócia. Depois, há o Derby della Madonina: AC Milan e Inter defrontam-se (17h, Sport TV2) na Série A. Na I Liga, eis os jogos, com direito também a dérbi: Braga-V. Guimarães (18h, Sport TV) e Gil Vicente-FC Porto (20h30, Sport TV).
Domingo, 4
🏍️ No MotoGP, corre-se o Grande Prémio de San Marino (13h, Sport TV).
🚴 15.ª etapa da Vuelta (a partir das 13h30, Eurosport).
🏎️ Há o Grande Prémio dos Países Baixos em Fórmula 1 (14h, Sport TV).
🎾 US Open (a partir das 15h30, Eurosport).
⚽ A Premier League tem um encontro dos bons, com o Manchester United-Arsenal (16h30, Eleven Sports1). Na I Liga, segue a ação: Santa Clara-Marítimo (18h, Sport TV) e Portimonense-Famalicão (20h30, Sport TV).
Hoje deu-nos para isto

Mark Leech/Offside
Quando a reputação precede os nomes é de, pelo menos, dar uma oportunidade ao lastro de que seja, realmente verdade, ou que tenha alguma correspondência com a realidade. Quando a Netflix desvendou em cima da hora, seu apanágio, o documentário sobre a transferência de Luís Figo do Barcelona para o Real Madrid, no ido 2000, a memória de dinheiro, dinheiro e mais dinheiro surgiu logo como um balão enchido a hélio a elevar-se no ar, para sempre erguendo-se até a pressão atmosférica lhe dar um teto e rebentá-lo.
É cerca de uma hora e quarenta minutos de recoleção dos bastidores de um negócio chocante à época, ainda quase estapafúrdio hoje em dia, quando a ambição desmedida de um engenheiro civil com fome de presidência do Real Madrid premiu os botões certos nas pessoas certas, o toque fez do que à primeira vista era risível, troçável e menosprezável passar a ser forçável devido a um cortejo, por mais floreado que seja em quase uma hora e quarenta minutos pelos intervenientes no documentário: à carteira e ao dinheiro que poderia cair nela.
Há 22 anos, a ida de Luís Figo, o então melhor jogador do mundo, do Barça para o Real e nesse rarefeito ar de uma rivalidade que acicatou ainda mais, fez um clube pagar 60 milhões de euros ao outro, uma barbaridade de soma na altura, uma alarvidade de euros pagos também hoje, porque o futebol e demais modalidades planetárias pagarem, por um só humano, valores com tanto zeros à direita que tirariam milhares de famílias da pobreza continuará a ser um flagrante delito que se aceita como normal neste mundo.
O Real Madrid contratou Luís Figo quando Florentino Pérez teve dinheiro para pagar o valor da sua cláusula de rescisão e dar uma comissão ao seu agente, José Veiga, que de início julgou impossível tal negócio, mas mudou de ideias quando Paulo Futre lhe falou do quanto receberiam por intermediarem o negócio após o ex-jogador atirar o barro de milhões à parede do vindouro presidente dos merengues, que aceitou. O resto é a história que Figo conta calma e seguramente à câmara, na qual termina a relativizar a importância que o dinheiro teve na transferência, mas começa o documentário a lembrar, entre risos pela inusitada hipótese que de início lhe chegou aos ouvidos, que disse a Veiga para aferir a possibilidade de o Barcelona lhe aumentar o salário face ao interesse que então parecia surreal.
O dinheiro, esse ditador de vontades, desejos e discursos.
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E já agora, se ainda não escutou, temos um novo podcast (esta semana sairá o 4.º episódio) chamado A Culpa é do Árbitro, com Duarte Gomes, no qual a ideia não é cingir a conversa a dizer se as decisões de arbitragem foram certas ou erradas, mas sim falarmos das regras e leis do futebol, discutirmos como se aplicam, as dúvidas que suscitam na prática e matutarmos sobre como se pode respirar melhor no mundo da bola.