Chalana e as saudades do que não se viveu
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15.08.2022
Um postal dos anos 80: Chalana, cabelo e bigode imponentes, fio a dançar no pescoço, uma ginga sem rédea
GERARD FOUET/Getty
Confesso desde já: sou uma eterna nostálgica. Principalmente por aquilo que a minha memória não alcança, porque não viveu. Uma coisa é ter estado lá, é ter visto, é ter sentido. Outra é estar na penumbra. Tantas vezes porque a linha temporal não nos colocou a correr de forma paralela.
Não vi Chalana jogar e egoisticamente sinto isso como algo que me foi arrancado. Mas como poderia ter assistido se no seu pico eu nem sequer era um projeto de gente, nem sequer talvez um desejo, um futuro?
Resta-me apropriar-me e beber das memórias dos outros, aqueles que no estádio e na televisão tiveram o privilégio de o ver, ou que com ele jogaram, partilharam balneário e reforçam não só o talento mas o coração, de tamanho inversamente proporcional à sua finta curta, malanda, venenosa, que só consigo conhecer nos registos que almas generosas partilharam no grande reservatório internético, salvação para tantos como eu, demasiado jovens para ter assistido a um futebol que já não existe, para o bem e para o mal.
As notícias da morte de Chalana fizeram-me mergulhar nas memórias. Nos bancos de imagens encontrei a iconografia e desde já peço desculpa por a foto que acompanha esta newsletter ser dos tempos do Bordéus, onde não foi feliz, e não com o vermelho do Benfica ou da seleção nacional, cor que o iluminava. Mas tem tanto esta foto, tirada algures em 1985: os elementos capilares abundantes, na cabeça e no lábio superior, o fio ao pescoço a sofrer a inevitável inércia, deslocando-se para o lado oposto da sua finta, do seu movimento de corpo. É física e é talento, é tudo esta foto.
Nos recortes de jornais encontrei um espectro de cores, nas fotos e no seu discurso, honesto, de quem reconhece os seus dons e os seus pecados, abrindo aos jornalistas a porta de casa, cheia da parafernália cintilante dos anos 80, a contrastar por vezes com a sua alma triste, calejada pelas lesões, pelos engodos onde o meteram, um casamento que daria uma minissérie de um desses serviços de streaming. Nesses recortes vi Chalana falar de psicólogos, de saúde mental. Estávamos nos anos 80, quem tinha a humildade de reconhecer a sua necessidade? Na quarta-feira perdemos um jogador, um mágico, mas também um homem de carne e osso.
Nos vídeos encontrei o génio, as imagens são granulentas e nebulosas, mas está lá a bola que parece não querer descolar do pé, de tão bem tratada que era, a finta marota, a ginga que não era exuberante: era mortífera. A minha preferida? Uma em que Chalana domina a bola com velocidade, encara o adversário e apenas com um toque ao de leve nas orelhas da bola e um olhar para o lado faz o rival estatelar-se no chão, enganado com aquela desfaçatez.
Pergunto-me que jogador seria Chalana hoje, domado pelas academias, pela rédea curta da tática. Mas seria seguramente um dos melhores porque nele não havia só o puro talento, a extravagância, a excentricidade e egoísmo dos génios. Nesses registos em vídeo também o vi não poucas vezes a descortinar sabe-se lá como um colega em melhor posição que ele, a construir jogadas para que outro pudesse marcar. A abrir os espaços, a criar em prol da equipa. Foi um jogador que marcou um tempo, mas que não seria exclusivo desse tempo.
Mas era outra era, outro futebol. É certo que por estes dias Chalana poderia ser um jogador mais amestrado, mas quem sabe se menos sofredor com lesões. Naqueles dias o futebol era coisa amadora comparado com a ciência de hoje. Mas se hoje não haveria um Saltillo (onde Chalana nem esteve), naqueles tempos o pequeno genial muito provavelmente também não assistiu a cenas indignas como aquelas que vimos esta semana em Guimarães, porque, pasmemo-nos, há quem pense o futebol como um veículo para ir a um país estrangeiro e, ainda por cima com ajuda de uns locais, espalhar a violência e o terror, quando tudo o que interessa é aquilo que Chalana nos deu: o sonho, a magia, a arte. Esta semana, lá se nos foi mais um bocadinho da inocência.
O que se passou
Com maior ou menor dificuldade, a jornada 2 da I Liga trouxe vitórias para Benfica, Sporting e FC Porto. Na próxima jornada há clássico com os dois últimos.
Serena Williams, a pessoa da era moderna com mais títulos em torneios do Grand Slam (sim, mais que Nadal, Djokovic e Federer) vai colocar um ponto final na carreira, algures na reta final deste ano.
Na natação, há uma nova estrela adolescente: chama-se David Popovici, tem 17 anos, é romeno e bateu este fim de semana o recorde mundial dos 100 livres, nos Europeus de natação. Os mesmos Europeus em que Diogo Ribeiro conquistou aquela que é apenas a terceira medalha portuguesa na história da competição.
E por falar em Europeus, Iuri Leitão foi mais uma vez campeão europeu de scratch, na pista.
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Zona mista
É com sentimento de desolação que todos vamos assistindo a atitudes opressivas e discriminatórias praticadas demasiadas vezes no âmbito da seleção nacional que tanto orgulho temos em representar
É uma das frases fortes da carta aberta que sete judocas portugueses, entre os quais Telma Monteiro e Catarina Costa, prata nos últimos Europeus, escreveram a denunciar uma série de comportamentos da federação, com dedos apontados mormente a Jorge Fernandes, o líder da mesma, que diz ser tudo “mentira”. As partes vão reunir-se esta terça-feira, mas o mal poderá já estar a ser feito. Com mais uma polémica, quem sofre é o desporto português.
O que aí vem
Segunda-feira, 15
🏃♂️ Arrancam os Europeus de atletismo, para acompanhar ao longo da semana (10h e 16h, RTP2)
⚽ A 2.ª jornada da I Liga fecha com o Marítimo - Desp. Chaves (15h30, Sport TV1), com o Arouca - Gil Vicente (18h, Sport TV1) e com o Paços de Ferreira - Portimonense (20h30, Sport T1)
⚽ O Fenerbahçe de Jorge Jesus joga no dérbi de Istambul com o Kasimpasa (19h45, Sport TV4). Em Espanha, o Atlético Madrid estreia-se no campeonato em casa do vizinho Getafe (18h30, Eleven 2) e na Premier League o Liverpool enfrenta o Crystal Palace (20h, Eleven 1)
🎾 Ao longo da semana, acompanhe o Masters 1000 de Cincinnati (16h, Sport TV5)
Terça-feira, 16
⚽ Playoff de acesso à Liga dos Campeões: Rangers - PSV (20h, Eleven 1), Copenhaga - Trabzonspor (20h, Eleven 2) e Bodo/Glimt - Dinamo Zagreb (20h, Eleven 3)
Quarta-feira, 17
⚽ O Benfica joga a 1.ª mão do playoff de acesso à Champions com o Dinamo Kiev, em Lodz, na Polónia (20h, Eleven 1). Qarabag - Plzen (17h45, Eleven 2) e Maccabi Haifa - Estrela Vermelha (20h, Eleven 2) são os restantes jogos do dia.
Quinta-feira, 18
⚽ De novo o Fenerbahçe em ação, agora no playoff de acesso à Liga Europa, frente ao Áustria Viena (20h, 11)
🛶 Começam os Europeus de canoagem (10h, RTP2)
Sexta-feira, 19
⚽ Estoril e Rio Ave abrem a 3.ª jornada da I Liga (20h15, Sport TV1)
Sábado, 20
⚽ Na I Liga, é dia do primeiro clássico da temporada: FC Porto - Sporting (20h30, Sport TV1). Antes há Santa Clara - Arouca (15h30, Sport TV1) e Desp. Chaves - Vizela (18h, Sport TV2)
⚽ Lá fora, destaque para o Celta de Vigo - Real Madrid, da La Liga (21h, Eleven 1)
🏁 MotoGP: GP Áustria, qualificação (13h15, Sport TV4)
Domingo, 21
⚽ Na I Liga há Casa Pia - Boavista (15h30, Sport TV1) e SC Braga - Marítimo (18h, Sport TV1)
⚽ Premier League: Leeds - Chelsea (14h, Eleven 1) e Newcastle - Manchester City (16h30, Eleven 1)
⚽ Na Ligue 1, o Lille de Paulo Fonseca recebe o PSG (19h45, Eleven 2)
🏁 MotoGP: GP Áustria, corrida (13h, Sport TV4)
🎾 Final Masters 1000 Cincinnati (21h30, Sport TV6)
Hoje deu-nos para isto
Esta segunda-feira é dia de final da Volta a Portugal e aqui ao lado, em Espanha, já se colocam as baias e se prepara a caravana para a última das três grandes voltas, apesar da Vuelta nem começar no tórrido asfalto do verão espanhol mas sim na mais fresca Utrecht, nos Países Baixos, porque a moda de começar as Voltas fora das próprias fronteiras está para durar.
Para durar parece estar também o estatuto de João Almeida, que face à ausência de Tadej Pogacar será líder da UAE Emirates na sua estreia na Vuelta e não pode ser deixado de fora da sempre especulativa conversa sobre “favoritos”. Ele surge nesse pequeno grupo, com Simon Yates, Remco Evenepoel, Richard Carapaz, Jai Hindley ou Primoz Roglic e é em Espanha que vai tentar expiar os seus azares, depois da covid-19 lhe ter feito uma inconveniente visita há uns meses, quando lutava pelo pódio da Volta a Itália. Ele diz que, depois de uns meses menos afinados, se sente bem de novo. Uma espécie de aviso, esperemos.
A Vuelta arranca na sexta-feira e pelas estradas espanholas andará até 11 de setembro. E nesse dia, em Madrid, quem sabe se não se falará português.
Tim de Waele/Getty
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