Onde estão os peladeiros?
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25.07.2022

Djalminha num Deportivo-Leeds para a Liga dos Campeões
David Rawcliffe - EMPICS
Esta newsletter devia ser sobre Pedro Pichardo, o senhor campeão do mundo de triplo salto com invisíveis trampolins nas solas dos pés. Devia ser sobre este robô que foi construído peça a peça pelo pai, o artesão que afinou a máquina. A fuga de Cuba e os porquês e, claro, a robustez mental que chocalha a cada salto são dados indispensáveis para compreender este fenómeno que também é campeão olímpico.
Esta newsletter devia ser também sobre aqueles homens que pedalam e pedalam e pedalam eternamente, quais almas trepadeiras e mergulhadores de escorregas de asfalto quase em delírio, em cima de bicicletas que são como o vento, com molduras inesquecíveis e gritos agarotados e palmas e correrias que emocionam. Até foi o belga Jasper Philipsen a chegar à frente nos Campos Elísios, em Paris, mas a Volta a França ficou marcada por atuações especiais de Jonas Vingegaard, o grande vencedor, e Wout van Aert, que conquistou no sábado o último contrarrelógio.
Mas, a exatos 119 dias do arranque do Campeonato do Mundo, o futebol transformou-se já numa febre que cutuca todos os ossos deste que vos escreve e que não convém contrariar por ser uma luta tão injusta e inútil. A manhã de sábado foi mesmo como as manhãs de sábados devem ser. Com a “Placar” na mão, entrei um bocadinho na mente do brasileiro, gente ainda mais admirável em ano de Copa. Como não tiritar de alegria quando uma revista grita na capa “Vai pra cima!” ou, no artigo referente à tal capa, se pode ler em letras enormes “Bota eles, Tite!”? Querem Raphinha, Vinicius Jr., Rodrygo e Antony a jogar no Catar.
O céu estava no entanto mais à frente, na página 48. “Rebeldes com causa” é o título do artigo. Esta edição recuperava um texto de 1982 quando, antes ainda do Campeonato do Mundo começar, se refletia sobre se Toninho Cerezo, que chegou a jogar com botas de pano para se sentir descalço, cabia ou não na equipa de Telê Santana. Para tal, analisaram um conceito espectacular: “o peladeiro”. Simplificando: tratava-se de pensar futebolistas que tivessem um raio de ação maior, magos das tabelas, menos presos às táticas, afastados das ditaduras das posições, com mais liberdade. Libertários. “Quem tem um jogador fixo numa determinada posição joga só com 10. Com um peladeiro, no entanto, joga com quinze”, dizia então Mário Sérgio, ponta-esquerda do São Paulo.

Garrincha, 1958
Central Press
O conceito, que também era usado como insulto (e que alguns associavam a estilo deselegante e desengonçado), é interessante e tantos anos depois parece quase uma afronta. Marinho Chagas, também do São Paulo, explicou: “Acho que sou peladeiro, sim, e há oito anos eu já fazia o que o Júnior faz hoje com total liberdade. Só que me chamavam de irresponsável [na Copa de 1974]. (...) Peladeiro é o jogador que não se limita a cumprir ordens táticas. Que quando sente o estalo não espera ordens do banco para criar. Que não se conforma com o jogo defensivo”. Recuperando o musical de Mané em 1962, o articulista escreveu então: “Alguém seria louco de querer enquadrar o Garrincha dentro de um esquema prefixado?”. Agora que Ruy Castro escreve no Expresso, tendo citado Nelson Rodrigues em duas ocasiões, faço o mesmo: “Quando eu dizia que Garrincha era varado de luz como um santo de vitral, os idiotas da objetividade torciam o nariz”, escreveu Rodrigues, em 1962.
Fiquei intrigado com estas ideias à volta da liberdade. Peguei no telefone e pedi a amigos alguns nomes do passado que encaixassem nesta lógica do peladeiro. “Roberto Baggio”, “Zola”, “Del Piero”, “Valdo”, “João Pinto”, “Figo”, “Rui Costa”, “Recoba”, “Hagi”, “Riquelme”, “Aimar”, “Ronaldinho Gaúcho”, “Zidane”, “Rivaldo”, “Okocha”, “Denilson”, “Maradona”, “Higuita”, “Kaka”, “Stoichkov”, “Ortega”, “Boban”, “Djalminha”, “Gascoigne”. OK, e hoje? “Agora acho que só há dois, Neymar e Messi”, “Quintero”, “Ganso”. E as mensagens pararam, quanta austeridade. Ou desencanto. E fazem falta?, questionei. “São o sal do futebol, são esses que me fazem comprar bilhete e saltar da bancada” e “se forem bons, sim”. Um mais paciente refletiu: “Na outra era, dos outros nomes, havia jogadores que valiam o bilhete. Hoje reparamos em sistemas, antigamente em individualidades. Certas estrelas ofuscavam tudo o resto”.
Óscar Cano, em entrevista à Tribuna Expresso, já explicara os problemas da robotização no futebol e do excesso de controlo dos treinadores. Lembrei-me também das palavras de Jorge Valdano, há dias, à ESPN: “As academias melhoram os medíocres, mas pioram os que são diferentes”. Afinal, “a liberdade é uma parte muito importante do processo criativo”, disse o campeão do mundo de 1986, queixando-se que os clubes esqueceram o património nacional: o futebol de rua, o engano, a gambeta e a pausa. O futebol parece estar a ir por aí, o individualista ou criativo está sob suspeita. Convém refletir: será a duração dos jogos o grande problema deste desporto ou será a falta de génios que fazem coisas com a bola que nem ousamos sonhar? Já não falta assim tanto para o Mundial. Quem são os libertários de hoje? Quem é que arquiteta suspiros e gemidos? Quem é que nos faz rir malandramente? Vamos chorar por peladeiros no amanhã de amanhã?
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Zona mista
Ainda falta ser o primeiro português a ultrapassar a barreira dos 18 metros, ainda falta bater o recorde do mundo, falta ser campeão da Europa, falta muita coisa, muita coisa… há sempre alguma coisa para conquistar
Depois do triunfo, Pedro Pichardo, o novo campeão mundial de triplo salto, celebrou a medalha que "é de Portugal" e olhou para o futuro
O QUE AÍ VEM
Segunda-feira, 25
🎾 Ao longo da semana há ATP 250 de Kitzbuhel (10h, Sport TV2), na Áustria, com João Sousa em ação; de Umag, na Croácia (15h, Sport TV3); e Atlanta (17h, Sport TV2)
⚽ Liga argentina: O Talleres de Pedro Caixinha defronta o San Lorenzo (20h30, Sport TV1)
⚽ Meia final da Copa América feminina: Colômbia-Argentina (01h, Sport TV1 – de segunda para terça-feira)
Terça-feira, 26
⚽ Semifinal do Europeu de futebol feminino: Inglaterra-Suécia (20h, Canal 11)
⚽ Eusébio Cup: Benfica-Newcastle (20h, BTV)
⚽ Meia final da Copa América feminina: Brasil-Paraguai (01h, Sport TV1 – de terça para quarta-feira)
⚽ Particulares: Barcelona-Juventus (01h30, Sport TV1 – de terça para quarta-feira), Real Madrid-Club America (03h30, Sport TV2 – de terça para quarta-feira)
Quarta-feira, 27
⚽ Semifinal do Europeu de futebol feminino: Alemanha-França (20h, Canal 11)
⚽ Particulares: Lazio-Genoa (17h, Sport TV1), AC Milan-Wolfsberger (18h, Sport TV5), Liverpool-RB Salzburg (19h, Sport TV1), Marselha-Betis (19h30, Sport TV2)
Quinta-feira, 28
⚽ Vitória de Guimarães viaja até à Hungria para superar o primeiro obstáculo na Liga Conferência Europa (20h, Sport TV1)
🏌🏻 Arranca o Hero Open da DP World Tour (12h, Sport TV6), assim como o Ladies Scottish Open (15h, Sport TV3)
Sexta-feira, 29
⚽ Particulares: Sp. Braga-Celta de Vigo (20h, Sport TV1), Chelsea-Udinese (20h, Sport TV5)
⚽ Jogo de terceiro e quarto lugares na Copa América feminina (01, Sport TV1 – de quinta para sexta-feira)
🏎️ Começam os treinos livres na F1 (13h, Sport TV4) em Budapeste, na Hungria
Sábado, 30
⚽ Particulares: Sporting-Wolves (18h45, Sport TV1) e Tottenham-Roma (19h15, Sport TV2)
⚽ Final Copa América feminina (01h, Sport TV3)
⚽ Supertaça da Alemanha: Leipzig-Bayern (19h30, Eleven Sports1)
⚽ Particular: Real Madrid-Juventus (03h, Sport TV2 – de sábado para domingo)
🚗 Indianapolis Motor Speedway, Road Course (20h30, Eleven Sports3)
Domingo, 31
🚗 Corridas em Budapeste: Fórmula 1 (14h, Sport TV4), Fórmula 2 (10h35, Sport TV), Fórmula 3 (9h05, Sport TV4)
⚽ Supertaça de França: PSG-Nantes (19h, Eleven Sports1)
⚽ Particulares: Farense-Wolves (18h45, Sport TV2), Marselha-Milan (17h, Sport TV1), Liverpool-RC Strasbourg Alcace (19h30, Sport TV1),
HOJE DEU-NOS PARA ISTO
Quando Rocky Marciano tentou jogar beisebol nos Chicago Cubs disseram-lhe, enquanto acenavam negativamente com a cabeça, que não tinha força suficiente no braço. Depois, o rapaz meteu-se no boxe e, aparentemente sem problemas no braço direito, e no esquerdo, venceu 49 combates, 43 deles por KO. É uma das histórias mais importantes do desporto, ainda mais porque, quando pendurou as luvas em 1956, despediu-se imaculado, invicto, sem conhecer o saber da derrota.
“Ele era implacável”, disse a certa altura George Foreman, para um programa da ESPN. “A campainha tocava, ele ia para cima de ti. A campainha tocava, ele parava. A campainha tocava outra vez, ele estava em cima de ti.”

Hulton Deutsch
Hoje deu-nos para isto porque Magnus Carlsen, campeão do mundo de xadrez desde 2013, abdicou de tentar o sexto título. “Não estou motivado para jogar outro jogo… Simplesmente sinto que não tenho muito a ganhar”, admitiu o norueguês de 31 anos.
“Ainda que esteja certo que o jogo seria interessante por razões históricas e tudo isso, não tenho qualquer inclinação para jogar e simplesmente não vou jogar”. Carlsen abandona assim o trono sem o perder, abandonando-o de facto. O homem que tem de ver prazer nas coisas vai assim dar lugar a Ian Nepomniachtchi ou Ding Liren.
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