Tribuna 12:45

Roland-Garros, o síndrome de Muller-Weiss e as homenagens em vida

Nadal agarra pela 14.ª vez a Taça dos Mosqueteiros. Fê-lo com um pé doente, anestesiado, que o tortura diariamente
Adam Pretty/Getty

O osso escafóide tarsiano anda lá pelas entranhas do pé, não sou médica por isso nada de muito científico aqui posso dar, mas li algures que agora a academia até passou a chamá-lo de “osso navicular”, precisamente por ter a forma de um minúsculo barco - e convenhamos que “navicular” é mais fácil de dizer que “escafóide tarsiano”, por isso muito obrigada, senhores académicos.

É por o osso navicular do pé esquerdo de Rafael Nadal andar a navegar em águas abespinhadas que aprendi um novo termo de anatomia, a cada maleita no corpo um desportista aproxima-se mais de um daqueles calhamaços que os estudantes de medicina carregam e o espanhol já deveria ter umas quantas equivalências. Não é de agora: desde os 18 anos que o stress causado nesse pequeno osso batizado com um termo naval foi ancorando danos e mais danos no pé esquerdo do tenista, chama-se síndrome de Muller-Weiss aquilo de que padece, de uma forma tão brutal que o sangue já não chega a certas partes daquele pé, que se estão a tornar necróticas.

Que é como quem diz: há lugares do pé esquerdo de Rafael Nadal que estão a morrer.

E é por isso que o tenista espanhol, com 36 anos feitos há poucos dias, não é simplesmente alguém que recupera de uma lesão. Ele vive com a dor, constante e permanente. Em Roland-Garros, jogou com esse pé meio adormecido, à conta de injeções e anestesias que lhe tiram o desconforto, mas o deixam como que amputado de uma parte de si. E por isso também que o 14.º título de Rafael Nadal na terra batida de Paris não pode ser descrito como uma formalidade, como “mais um dia no escritório”, uma inevitabilidade chata: neste momento é uma montanha intensamente escalada por alguém que já não é um corpo completo, mas cujos restantes músculos carregam tanta potência, tanto talento, tanta memória tática que mesmo assim continua a ser o melhor. Um mito naquele terreno ocre, ao ponto de um dos treinadores de Roger Federer se perguntar se não deveríamos por esta altura já estar a discutir a mudança do nome do court principal de Roland-Garros para court Rafael Nadal - e que nos perdoe Philippe Chatrier.

Não sei quanto mais tempo andará Nadal a viajar de saco de raquetas às costas. Jogar com um pé adormecido não parece ser algo que queira repetir, uma intervenção cirúrgica dar-lhe-ia provavelmente uma vida normal, mas apenas como cidadão Rafael Nadal Parera, nascido em Manacor, nunca como tenista Rafa Nadal, lenda global. E é por isso que Ivan Ljubicic tem razão: temos demasiada dificuldade em homenagear pessoas em vida, ou em vida ativa, e para Rafael Nadal uma estátua já parece pouco. Ele é o alfa e o ómega de Roland-Garros: ganhou ali 14 vezes, foi o mais jovem se sempre a fazê-lo com 18 anos e o também o mais velho, aos 36, quando no domingo despachou Casper Ruud com um 6-0 no terceiro set, castigo duro que também ali aplicou a outros com nomes bem mais sonantes que o jovem norueguês (Djokovic e Federer, por exemplo).

Nestas duas semanas, mesmo com um pé como corpo semi-estranho, Nadal bateu Djokovic e guerreou durante mais de três horas com Sasha Zverev, num encontro que prometia bater uns quantos recordes de morosidade até o alemão dar cabo de um tornozelo. Chegou ao título 14 em Paris, tantos quantos Pete Sampras ganhou nos quatro majors e ainda há duas décadas andávamos a dizer que não seria fácil alguém chegar ao feito do norte-americano. Dai para cá, três tenistas fizeram-no. O espanhol já leva 22 e ganhou em todas as superfícies, ao contrário de Sampras. Até um nome num court já parece pouco face a isto.

Nadal, Federer e Djokovic ensinaram-nos portanto a nunca dizer que há recordes que não podem ser batidos e haverá sempre outros craques, outras histórias. Como a de Iga Swiatek, a jovem polaca que tinha acabado de fazer quatro anos quando Nadal ganhou em Paris pela primeira vez e que tem no espanhol a grande referência. Swiatek, moça que gosta de um bom hard rock e de ideias arejadas na cabeça, é, na verdade, a grande dominadora do ténis da atualidade: a vitória na final frente a Coco Gauff, em protocolares 68 minutos de ação, deu-lhe o 35.º triunfo seguido, algo que só Venus Williams conseguiu neste século. Desde fevereiro que não perde um torneio. Em Paris, ganhou pela segunda vez, depois de conquistar o Roland-Garros da pandemia, jogado num estranho outubro, com muito frio naquela parte do planeta.

O que nos diz que Nadal ainda cá anda mas já lançou muitas sementes pelo caminho. Carlos Alcaraz nem sequer é a mais óbvia. O adversário na final de domingo, Casper Ruud, por exemplo, aos 19 anos começou a treinar na academia do espanhol e é olhando para ele que moldou o seu jogo. A roda não pára.

O que se passou

Início positivo para Portugal na Liga das Nações, com um empate frente a Espanha e uma concludente vitória por 4-0 em casa com a Suíça. Quinta há jogo com a Rep. Checa.

Talvez o planeta estivesse de mãos dadas para que a Ucrânia fosse ao Mundial do Catar, mas no derradeiro playoff a vitória foi para o País de Gales, que volta à competição 64 anos depois.

Jorge Jesus já foi apresentado como treinador do Fenerbahçe e foi igual a si próprio no primeiro tête-a-tête com os jornalistas.

Zona mista

Sentiu-se que é pensamento herdado. Nós fazêmo-lo para tentar educar e eu penso que os jovens são influenciados pelos mais velhos

Gareth Southgate, selecionador inglês, depois de mais uma vez o gesto de ajoelhar em campo ter sido vaiado na Hungria. Com a diferença de, desta vez, as bancadas estarem cheias de crianças. Lamentável e preocupante

O que aí vem

Segunda-feira, 6

⚽ Liga das Nações: Croácia - França (19h45, Sport TV1) e Áustria - Dinamarca (19h45, Sport TV2)
🎾 ATP 250 S-Hertogenbosch (11h30, Sport TV2)

Terça-feira, 7

⚽ Liga das Nações: Alemanha - Inglaterra e Itália - Hungria (19h45, Sport TV2)
⚽ Seleção sub-21, qualificação para o Europeu: Liechtenstein - Portugal (19h45, 11)

Quarta-feira, 8

⚽ Liga das Nações: Bélgica - Polónia (19h45, Sport TV1) e País de Gales - Países Baixos (19h45, Sport TV2)

Quinta-feira, 9

⚽ Liga das Nações: Portugal - Rep. Checa (19h45, RTP1/Sport TV1) e Suíça - Espanha (19h45, Sport TV2)
🏃‍♂️ Diamond League de Roma (19h, Sport TV3)

Sexta-feira, 10

⚽ Liga das Nações: Áustria - França (19h45, Sport TV1) e Dinamarca - Croácia (19h45, Sport TV2)

Sábado, 11

⚽ Liga das Nações: Inglaterra - Itália (19h45, Sport TV1) e Hungria - Alemanha (19h45, Sport TV2)
⚽ Seleção sub-21, qualificação para o Europeu: Portugal - Grécia (20h15, 11)
🏐 Andebol, meias-finais da Taça de Portugal: Madeira SAD - FC Porto (15h, RTP2) e Sporting - Benfica (17h, RTP2)
🏁 F1, GP Azerbaijão: qualificação (15h, Sport TV4)

Domingo, 12

⚽ Liga das Nações: Suíça - Portugal (19h45, RTP1/Sport TV1) e Espanha - Rep. Checa (19h45, Sport TV2)
🎾 ATP 250 S-Hertogenbosch: final (13h30, Sport TV2)
🏁 F1, GP Azerbaijão: corrida (12h, Sport TV4)

Hoje deu-nos para isto

Cristiano Ronaldo começou a semana no banco, voltou a ser titular quando a seleção regressou a Portugal para receber a Suíça para a Liga das Nações. E marcou o golo 814 e 815 com um sorriso na cara como há muito não o víamos, no Estádio de Alvalade onde um dia no verão de 2003 se apresentou ao mundo.

O festejo que Ronaldo imortalizou não existia por esses dias, Alvalade não o viu nascer, mas abraçou-o agora num enorme uníssono, que por cá, quando joga Portugal, parece até mais sincronizado do que lá fora. O “siuuuuuuuuu” grave e gritado que nos diz que Ronaldo marcou, já é marca registrada, talvez nenhum outro futebolista tenha assim um festejo que permita ao público dele fazer parte.

Cristiano já não é o mesmo de outros tempos, teremos de nos habituar à sua ausência, tal como à de Nadal ou de Federer. Mas as bancadas continuam a comungar com eles.

NurPhoto/Getty

A Tribuna Expresso está agora no site do Expresso, onde poderá continuar a acompanhar não só a atualidade desportiva como as nossas entrevistas, perfis e análises. Siga-nos também no Facebook e no Twitter. Tenha uma boa semana!

Tem alguma questão? Envie um email ao jornalista: lpgomes@expresso.impresa.pt