Dois anos depois de a Coreia do Sul ter batido a seleção portuguesa no Mundial 2002 num jogo que ficaria para a história por João Vieira Pinto se ter tornado o primeiro jogador de sempre a ser expulso nesta competição por agredir um árbitro, um português chegava a Seul para o que viria a ter “A” “experiência” da sua “vida”. Ricardo Nascimento também tinha alguma fama de “bad boy”, mas mais por usar cabelo grande e ouvir música gótica do que por problemas disciplinares dentro do campo.
“Eu cheguei à Coreia através do do meu futebol espetacular”, brinca (?) o antigo médio do Gil Vicente e Rio Ave, entre muitos outros clubes, que jogou três épocas no FC Seul, um dos grandes da Coreia, “só comparável ao Benfica, Porto ou Sporting” assegura o antigo médio que chegou a ser conhecido como “Platini do mar” e que tinha de facto muita qualidade e talento nos pés. “Havia uma pessoa que gostava de mim e do meu futebol, trouxe uns coreanos que vieram ver um jogo do Rio Ave contra o Penafiel que até me correu normal e contrataram-me. Foi tudo muito fácil”.
Num espaço de dias, Ricardo estava em Seul, “uma cidade completamente cosmopolita”.
“Só para fazer uma ideia: a área é semelhante à do Porto e tem 10 milhões de habitantes. Pensa-se logo em trânsito caótico não é? Mas na verdade, apesar de ter muita intensidade, o que vai atrás respeita a marcha e não finge que acelera. É a cultura e a espiritualidade deles. São muito tranquilo e essa foi a maior influência que tiveram em mim”, explica à Tribuna Expresso.
Quando chegou, havia outro estrangeiro no plantel: “O Nonato” e depois “chegaram mais brasileiros e o meu amigo Franco, um central que também jogava no Rio Ave” mas que só ficou nove meses. Em três anos, Nascimento conquistou uma Taça da Coreia e aprendeu “umas vinte palavras”. Talvez mais importante, ganhou um cântico nas bancadas. “Eu marcava os lances de bola parada e eles começavam a cantar aquela música do ”I Love Rock ‘n’ Roll" mas em vez de Rock ‘n’ Roll diziam ‘I love Ricardô’. É muito emocionante estar a lembrar-me disso agora”.
Apesar de terem inventado o taekwondo e de terem jogadores de futebol nos grandes campeonatos e patinadores no gelo medalhados olimpicamente, o que os coreanos gostam mais é de "basebol". Ainda assim, Ricardo era uma estrela. “Eles reconheciam-me e abordavam-ne rua. O meu filho Gonçalo tem caracóis e olhos muito grandes e não podíamos dar dois passos sem que não fossem ter com ele para fazer festas nos caracóis. No estádio, tinham bandeiras de Portugal e uma com a minha cara”.
"Trataram-me sempre principescamente, pagavam-me bem e a horas, o meu único stress era o futebol, era jogar à bola. O clube era patrocinado pela LG e eu tinha a casa cheia de aparelhos eletrônicos e tudo o mais que eles produzem”, conta ainda.
Na altura, a estrela coreana era Park Ji-sung que jogava no Manchester United: “Vieram jogar connosco mas ele estava lesionado. Jogaram o Cristiano Ronaldo, o Giggs, esses todos. empatámos 0-4. Haha”.
O atual treinador do Canedo vivia numa casa em Seul com a mulher e os filhos e, por exemplo, nunca estranhou a comida coreana. “Tive a sorte de me levarem a sítios fora do roteiro turístico A comida deles é boa mas para mim a grande experiência foi a cultura e a espiritualidade. Cheguei a ir a uma cerimónia tradicional em que tive de vestir um traje próprio, uma espécie de kimono, e senti-me muito bem. Dá-me uma certa nostalgia estar a falar nisto agora”. E dá um exemplo: “Há uma religião dominante, mas depois há três ou quatro religiões e respeitam-se todos. No dia em que não trabalham mesmo, levam todos comida aos mortos nos cemitérios. É como se fosse os finados.”
Da equipa que defronta hoje Portugal, o antigo médio que fez 47 jogos e marcou três golos pelo FC Seul, destaca “Kim”. Qual? (há cinco na equipa titular) “O central do Nápoles. Grande jogador, podia jogar em qualquer grande equipa da Europa. Eles chamam-se Kim ou Lee como nos nos chamamos José ou Paulo. Só nunca percebi se é nome próprio ou de família”. Mas para ele, “Portugal é claramente favorito, mesmo que o mister Fernando Santos dê descanso a alguns jogadores”.
Três anos depois de ter aterrado em Seul, Ricardo regressaria a Portugal para jogar no Trofense. “Quis voltar, tinha saudades, não me arrependo. Mas aquela foi a experiência da minha vida. A Coreia é a minha segunda casa”.