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Mundial 2022

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Ricardo Nascimento, um príncipe na Coreia. “Tinha uma música para mim: 'I Love Ricardô!'”

O antigo jogador do Gil Vicente e do Aves foi uma estrela no FC Seul e viveu na Coreia a grande experiência da sua vida. Ganhou uma taça, uma camisola que ainda tem guardada e um cântico nas bancadas. Esta sexta-feira, Portugal recebe a Coreia do Sul (15h, SIC)

Rui Gustavo

ANTONIO COTRIM

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Dois anos depois de a Coreia do Sul ter batido a seleção portuguesa no Mundial 2002 num jogo que ficaria para a história por João Vieira Pinto se ter tornado o primeiro jogador de sempre a ser expulso nesta competição por agredir um árbitro, um português chegava a Seul para o que viria a ter “A” “experiência” da sua “vida”. Ricardo Nascimento também tinha alguma fama de “bad boy”, mas mais por usar cabelo grande e ouvir música gótica do que por problemas disciplinares dentro do campo.

“Eu cheguei à Coreia através do do meu futebol espetacular”, brinca (?) o antigo médio do Gil Vicente e Rio Ave, entre muitos outros clubes, que jogou três épocas no FC Seul, um dos grandes da Coreia, “só comparável ao Benfica, Porto ou Sporting” assegura o antigo médio que chegou a ser conhecido como “Platini do mar” e que tinha de facto muita qualidade e talento nos pés. “Havia uma pessoa que gostava de mim e do meu futebol, trouxe uns coreanos que vieram ver um jogo do Rio Ave contra o Penafiel que até me correu normal e contrataram-me. Foi tudo muito fácil”.

Num espaço de dias, Ricardo estava em Seul, uma cidade completamente cosmopolita.

Só para fazer uma ideia: a área é semelhante à do Porto e tem 10 milhões de habitantes. Pensa-se logo em trânsito caótico não é? Mas na verdade, apesar de ter muita intensidade, o que vai atrás respeita a marcha e não finge que acelera. É a cultura e a espiritualidade deles. São muito tranquilo e essa foi a maior influência que tiveram em mim”, explica à Tribuna Expresso.

Quando chegou, havia outro estrangeiro no plantel: “O Nonato” e depois “chegaram mais brasileiros e o meu amigo Franco, um central que também jogava no Rio Ave” mas que só ficou nove meses. Em três anos, Nascimento conquistou uma Taça da Coreia e aprendeu “umas vinte palavras”. Talvez mais importante, ganhou um cântico nas bancadas. “Eu marcava os lances de bola parada e eles começavam a cantar aquela música do ”I Love Rock ‘n’ Roll" mas em vez de Rock ‘n’ Roll diziam ‘I love Ricardô’. É muito emocionante estar a lembrar-me disso agora”.

Apesar de terem inventado o taekwondo e de terem jogadores de futebol nos grandes campeonatos e patinadores no gelo medalhados olimpicamente, o que os coreanos gostam mais é de "basebol". Ainda assim, Ricardo era uma estrela. “Eles reconheciam-me e abordavam-ne rua. O meu filho Gonçalo tem caracóis e olhos muito grandes e não podíamos dar dois passos sem que não fossem ter com ele para fazer festas nos caracóis. No estádio, tinham bandeiras de Portugal e uma com a minha cara”.

"Trataram-me sempre principescamente, pagavam-me bem e a horas, o meu único stress era o futebol, era jogar à bola. O clube era patrocinado pela LG e eu tinha a casa cheia de aparelhos eletrônicos e tudo o mais que eles produzem”, conta ainda.

Na altura, a estrela coreana era Park Ji-sung que jogava no Manchester United: “Vieram jogar connosco mas ele estava lesionado. Jogaram o Cristiano Ronaldo, o Giggs, esses todos. empatámos 0-4. Haha”.

O atual treinador do Canedo vivia numa casa em Seul com a mulher e os filhos e, por exemplo, nunca estranhou a comida coreana. “Tive a sorte de me levarem a sítios fora do roteiro turístico A comida deles é boa mas para mim a grande experiência foi a cultura e a espiritualidade. Cheguei a ir a uma cerimónia tradicional em que tive de vestir um traje próprio, uma espécie de kimono, e senti-me muito bem. Dá-me uma certa nostalgia estar a falar nisto agora”. E dá um exemplo: “Há uma religião dominante, mas depois há três ou quatro religiões e respeitam-se todos. No dia em que não trabalham mesmo, levam todos comida aos mortos nos cemitérios. É como se fosse os finados.”

Da equipa que defronta hoje Portugal, o antigo médio que fez 47 jogos e marcou três golos pelo FC Seul, destaca “Kim”. Qual? (há cinco na equipa titular) “O central do Nápoles. Grande jogador, podia jogar em qualquer grande equipa da Europa. Eles chamam-se Kim ou Lee como nos nos chamamos José ou Paulo. Só nunca percebi se é nome próprio ou de família”. Mas para ele, “Portugal é claramente favorito, mesmo que o mister Fernando Santos dê descanso a alguns jogadores”.

Três anos depois de ter aterrado em Seul, Ricardo regressaria a Portugal para jogar no Trofense. “Quis voltar, tinha saudades, não me arrependo. Mas aquela foi a experiência da minha vida. A Coreia é a minha segunda casa”.


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    A casa às costas

    Aos 45 anos o jogador que chegou a ser apelidado de "Platini do mar", mas que na família é chamado de Rixa, prepara-se para assumir, pela primeira vez, o papel de treinador principal do U. Lamas. Ansioso pelo começo da época, conta-nos como o boxe o ajuda a libertar o stress e como sofreu na pele o preconceito por gostar de música vanguardista. Começou no FCP, o clube do coração, andou pelo Leixões, Boavista, Rio Ave, Desportivo das Aves, Montpellier, entre outros, mas foi na Coreia do Sul, que foi mais feliz na longa carreira de futebolista. Pai de três filhos, tem na pintura o seu hóbi e confessa, no meio de várias histórias, que comprou um Porsche 911 só para "curtir" o tiptronic e a sua música