A época estava a ser intermitente e até esteve em dúvida para o Campeonato do Mundo. Longe vão os tempos em que isso seria indiferente. Em 2004/05, quando aterrou no Olival, tinha Jorge Costa e Pedro Emanuel à frente, mas, num sinal profético, até recebeu o número de um histórico: o 7 de Secretário. Depois, meteu tantos avançados no bolso e cabeceou tantas bolas como se fosse um elástico arranha-céus que foi contratado pelo Real Madrid.
Fast-forward. Em fevereiro faz 40 anos e está de volta a um Mundial. No primeiro jogo ficou de fora, ainda com o corpo a questionar se pode ou não pode. Danilo foi titular contra o Gana. O central-médio do PSG magoou-se num treino e Pepe entrou finalmente na equipa. Diante dos dentes da bota, o duro Uruguai. Ao lado de Rúben Dias, que teria de vigiar Edinson Cavani, Pepe aniquilou o jogo de Darwin Núñez. A Sky Sports escreveu, assim mesmo à portuguesa na língua inglesa, que o defesa meteu o avançado do Liverpool no bolso.
“O que mais impressionou foi o facto de Pepe, depois de tanto tempo, voltar à competição num cenário de Mundial e cometer tão poucos erros, estar tão seguro de si mesmo, o que prova que é o central com toda a experiência do mundo neste tipo de palcos”, reflete Tomás da Cunha, cronista da Tribuna Expresso e comentador.

A ação de Pepe em campo
Sofascore
Os números indicam que foi quase tudo dele. Recuperou nove bolas, seis delas na primeira parte. Ganhou os duelos que disputou, ainda que seja certo que muitas vezes facilitaram-lhe a vida ao meterem a bola nas alturas para lutar de frente contra o avançado. A impulsão, a posição do corpo e o timing favorecem sempre o defesa. Com a bola, com a qual acertou 50 dos 64 passes e 5 das 11 bolas longas (talvez no momento de maior desvario), foi o jogador de campo que menos a regalou aos outros. Os alvos preferenciais dos seus passes foram Diogo Costa e João Cancelo.
“Esteve confortável na antecipação. Portugal, coletivamente, conseguiu evitar que Darwin tivesse muito campo para acelerar e atacar a baliza, isso aconteceu claramente”, continua. “A seleção portuguesa sabe e soube ser uma equipa que se defende com bola, mas Pepe dá outras garantias em termos defensivos, naturalmente. Na fase final, mais durante a segunda parte, o central conseguiu ser sempre um ponto de estabilidade. É um jogador seguro e ao seu nível.”
Ver apenas a alguns metros a forma como atua, lidera e vigia os avançados é quase como estar numa sala de aula. Pepe, que a certa altura recebeu a braçadeira de capitão, ocupa o espaço, sabe os atalhos todos e poupa tempos. Darwin sentiu-se afogado, sem ar. Teve apenas uma oportunidade para correr deslumbradamente pela esquerda, lembrando quem é. De resto, Pepe foi dominador. O tal monstro que Fernando Santos mencionara na véspera.

John Todd/ISI Photos
“Foi simpático, o mister, foi simpático”, diz o defesa, talvez o melhor jogador no Euro 2016, à conversa com os jornalistas portugueses. Está sorridente. A carapaça ainda impressiona. “O mais importante é tentar ajudar. É uma oportunidade que todos nós temos para dar o melhor. Não vai ser fácil…”, e continuou, com a lengalenga habitual sobre objetivos realistas e poucas vaidades. “Queremos o nosso jogo, queremos desfrutar dentro do campo e dar o nosso melhor.”
A idade não é nenhum elefante na sala. Afinal, até lhe vale o título de futebolista português mais velho a jogar num Campeonato do Mundo, superando Vítor Damas. Mais: transformou-se ainda no terceiro jogador de campos mais velho da história dos Mundiais. Talvez já não corra como aquela besta caríssima que tornava um dos meio-campos do Santiago Bernabéu num quintal humilde, mas, se esquecermos o que diz o cartão de cidadão, continua a dificultar a vida a todos que o olham nos olhos. Vê-se bem na Liga dos Campeões.
“Sou um privilegiado, amo o que faço”, diz depois de uma gargalhada, quando lembrado que daqui a três meses celebra o 40.º aniversário. “Para mim, é um privilégio poder acordar e fazer o que mais amo.” Atrás dele vão passando vários futebolistas da seleção. Quando João Palhinha falava aos portugueses, William Carvalho passou, empurrou-o e sussurrou-lhe algo. Os jogadores estavam sem qualquer carga. Parecem felizes, descontraídos.
A cria de um elefante surgiu então naquela pradaria onde as árvores são os gravadores e os telefones. Será esta a derradeira aventura de Képler Laveran Lima Ferreira? “Vamos ver”, desafiando a ampulheta como desafia qualquer número 9.