Perfil

Mundial 2022

Mundial 2022

Mundial 2022

A dinastia Ayew no Gana começou no pastor e no pecador

O Gana joga esta segunda-feira uma cartada decisiva para conseguir passar a fase de grupos no Mundial 2022. Os irmãos Ayew, filhos de um dos melhores futebolistas ganeses da história e sobrinhos de um atacante que deixou marca em Portugal, são duas da principais armas para derrotar os sul-coreanos. Um viu-se envolvido num escândalo inacreditável e o outro viu a luz

Rui Gustavo

Abedi Pele, pai de Andre e Jordan Ayew. E irmão de Kwame, que passou por Portugal

Tony Marshall - EMPICS

Partilhar

A relação entre genética e talento para o futebol já foi demonstrada em várias ocasiões e há evidências científicas alicerçadas na vida real que provam as duas teses: Pelé teve um filho guarda-redes que nem sequer era grande coisa e há três gerações que os Maldini provam que a bola está no sangue.

Neste Mundial, sem ser demasiado exaustivo, joga Kasper, o filho de Peter que apesar de não ter chegado à altura do pai é um excelente Schmeichel. Thuram filho também não terá chegado ao nível do excelente pai, mas tem 25 anos e está na seleção, o que já não é nada mau. Só mais um: Giovanni, avançado do Dortmund, tem apenas 20 anos e tudo para superar o pai, Claudio Reyna, que jogou três Mundiais pelos Estados Unidos e ainda há dias brincou com o facto de ser agora apresentado como o “pai do Giovanni”.

E depois há o Gana.

Dois dos principais jogadores da equipa: o já veterano André, que marcou a Portugal e pôs a seleção nacional em sobressalto, e Jordan, o atlético avançado do Crystal Palace, são filhos de Abedi Ayew, que ganhou a alcunha Pelé (mudou de nome oficialmente por decreto presidencial) graças a um talento incrível que fazem dele um dos melhores de sempre do futebol ganês, a par de Tony Yeboah, Michel Essien ou Asamoah Gyan.

Era um 10 à antiga, rápido e talentoso com golo nos pés que distribuía assistências com facilidade. Jogou os melhores anos da carreira no Marselha e fez parte da equipa que ganhou a Liga dos Campeões ao AC Milan, em 1993. “Fez parte” é dizer pouco: foi ele quem marcou o canto para a cabeça de Basile Boli que só parou nas redes do enorme Sebastiano Rossi.

Pele também tinha um irmão com que jogava na seleção: Kwame Ayew. Esse mesmo, o que jogou em Portugal, foi uma estrela no Leiria, muito bom no Boavista e campeão pelo Sporting. Não era um dos preferidos da bancada, mas, ainda assim, marcou 9 golos em 33 jogos e tem direito uma página na história do Sporting.

Os velhos Ayew retiraram-se com a dignidade possível nestas ocasiões: Kwame a jogar no Vitória de Setúbal depois de uma passagem pela China e Pelé no Al Ain, dos Emirados Árabes Unidos. Desgraçadamente, nenhum dos dois disputou alguma vez um Mundial.

Ainda antes de se ter retirado dos relvados, Ayew do Sporting viu a luz. Literalmente: depois de uma experiência mística em Leça da Palmeira que detalhou pormenorizadamente ao jornal “A Bola”, virou-se para Deus e jogou depois belas épocas no Boavista e no Sporting. O caminho não foi feito sem espinhos: segundo relatou ao mesmo jornal, Deus ordenou a Ayew que “cortasse a rasta”, o que o jogador fez sem hesitação.

Quando acabou a carreira de futebolista, fundou uma igreja de inspiração evangélica da qual é pastor. A Igreja chama-se “Jesus is Alive” e acolhe crianças órfãs ou filhas de quem não os pode sustentar. Numa das visões, Deus também apresentou Ayew ao anjo caído: “Mandou-me olhar para um edifício branco. Tornou-se transparente e nele estavam todas as religiões, sacrifícios de sangue de seres humanos e animais, orgias, blasfémias contra Deus. Apontou depois para uma mesa alta e disse que estava ali Lúcifer, aquele que engana toda a raça humana. Foste chamado por Deus para falar contra estes, mas com muito amor e paciência. Falou-me tantas coisas até que acordei de vez! Quando deixei de jogar decidi fazer o que me pediu”.

Ao “Ghana Web”, Kwame Ayew contou que o plano era torna-se fisioterapeuta e manter-se ligado ao desporto de competição. Mas percebeu “que isso não passava de um hobby”. Há pouco mais de um ano, a igreja foi atacada por membros de uma organização religiosa rival por causa de uns terrenos disputados por todos em Acra, capital do Gana. Ayew contou que apontaram “armas de fogo” às crianças, incluindo algumas que ele próprio adotou. Há vídeos no YoutTbe que demonstram um talento nada despiciendo para a música gospel.

ullstein bild

Abedi Pelé, o irmão mais velho e inegavelmente mais talentoso, enveredou por um caminho mais profano.

Tornou-se dirigente desportivo, foi embaixador do Mundial da África do Sul, fundou um clube de futebol e viu-se arrastado para o lodaçal dos resultados combinados, que já lhe tinham custado um titulo de campeão francês na sequência do escândalo Valenciennes (terão sido comprados para perderem de propósito e permitir a conquista do título).

O Nania FC, fundado por Abedi Pelé, militava na segunda divisão do Gana e precisava de superar o goal average do rival Great Mariners. A equipa de Pelé ganhou por 31-0 contra os 28-0 do adversário. Os quatro clubes envolvidos acabaram todos despromovidos à quarta divisão e Abedi, que sempre defendeu a sua inocência e negou qualquer combinação, foi afastado, mas recorreu e a pena acabou por ser anulada por irregularidades no processo inicial.

Os dois irmãos já tiveram de garantir por mais de uma vez que se dão “bem” e que não há qualquer “querela” entre os dois provocada seja lá pelo que for. O que não costuma ser bom sinal.

Esta segunda-feira, provavelmente no onze inicial, há mais uma prova de que o talento está nos genes: Iñaki Williams, avançado do Bilbao, deverá fazer dupla com André, tal como aconteceu diante de Portugal. O irmão, Nico, esteve no domingo sentado no banco da poderosa Espanha, na partida frente à Alemanha e entrou a meia hora do fim. Ainda a tempo de ver Niclas Füllkrug empatar o jogo no dia da estreia com a camisola da mannschaft. Os pais Andreas e Natalie são só isso mesmo. Pais.


  • Jovens, ambiciosos e à procura da inspiração de 2010: o retrato dos ganeses que vão enfrentar Portugal
    Mundial 2022

    Partey como lançador, Kudus como acelerador, Iñaki Williams à procura do melhor espaço para atacar e ainda a hipótese de um desequilibrador como Sulemana (driblador rapidíssimo) ou Issahaku (facilidade de remate). Portugal não tem os centrais mais rápidos e, caso Pepe não esteja nas condições ideais, a reação à perda de bola terá um papel fundamental para reduzir as saídas do adversário, escreve Tomás da Cunha na sua análise ao Gana, primeiro adversário de Portugal no Mundial (quinta-feira, 16h, TVI)