Do Luzhniki ao Fisht foi um minuto e dois VARs. Já estávamos na compensação no Irão-Portugal e no Espanha-Marrocos. Portugal ganhava, Espanha perdia. O primeiro lugar era nosso, já se pensava no regresso à capital, no embate com o anfitrião. Mas no mesmo minuto, o VAR em Kalinegrado deu golo a Espanha e em Saransk deu penálti ao Irão, que marcou após uma mão na área de Cédric.
E de repente, empates nos dois jogos e Portugal, que tinha estado praticamente todo o tempo no 1.º lugar virtual do Grupo B, desce para segundo. E quase descia para terceiro quando na jogada seguinte ao golo ao Irão, Taremi só com Patrício à frente rematou às malhas laterais.
E eu juro que vi a bola lá dentro, a balançar a rede.
Estamos nos oitavos de final, é verdade, mas há aqui todo um anticlímax estranho. Porque aos 54 minutos, Cristiano Ronaldo teve nos pés o golo que nos daria o descanso, depois de na 1.ª parte, quase ao intervalo, Ricardo Quaresma ter marcado daquela forma que só Ricardo Quaresma sabe marcar: de trivela, no meio de não sei quantos adversários. Só que, coisa que não estamos muito habituados a ver, Cristiano falhou a grande penalidade. E, a partir daí, começou a desenhar-se o guião do thriller que ia rebentando espectacularmente nas nossas mãos nos descontos.
Nós portugueses temos essa coisa de atrair sofrimento. Entre o que provocamos a nós mesmos e aquele que vem ter connosco, terá de ser das mais distintivas marcas nacionais. Mas estamos nos oitavos de final e no sábado é a Sochi que voltamos para defrontar o Uruguai, que esta segunda-feira aplicou três sem resposta à Rússia. Entre o sofrimento que nos leva à maior carga de nervos mas que depois também nos dá alegrias enormes, estamos vivos, continuamos aqui na Rússia.
Tudo isto num jogo que Portugal quase sempre controlou, apesar de tudo. A lição do jogo com Marrocos foi tomada a sério. Portugal não entrou sôfrego como nos dois primeiros encontros: a ideia era controlar, lá está. A entrada de Adrien ajudou a dar mais músculo ao meio-campo e André Silva poder de choque no ataque. Nos primeiros 20 minutos o que se viu em Saransk foi um Portugal paciente, a trocar a bola, a arriscar pouco. A tentativa de adormecer o adversário para depois o ferir de morte.
O plano não corria mal, mas a meio dos primeiros 45 minutos começaram a surgir algumas das sombras do jogo frente a Marrocos: passes errados, perdas de bola, alguma incapacidade de definir no último terço. Sem nunca perder por completo o controlo do jogo, a verdade é que a Seleção Nacional começou aqui e a ali a dar alguma liberdade ao Irão. Ajudou a segurança de Pepe nos momentos de maior aperto, a combatividade de Adrien Silva, a infinita calma de William.

O momento mágico de Quaresma (mais um)
Clive Mason/Getty
Foi já numa fase mais lenta do jogo que apareceu aquilo que até aí tinha faltado a Portugal: magia, repentismo. Por Quaresma, quem havia de ser. Ele que até estava a ter uma 1.ª parte meio errática, com vários passes errados e cruzamentos mal medidos, combinou com Adrien Silva sacou da varinha e apresentou a trivela aos iranianos. Um golo à Quaresma, porque não há, não pode haver outro jogador no Mundo com tantos golos de trivela como o extremo do Besiktas.
Um golo mesmo antes do intervalo para sacudir algum do nervosismo que se instalava. No outro jogo, Espanha e Marrocos iam empatando. Apetecia dizer “Está bom assim, não mexe”. Mas mexeu, os nossos desejos nem sempre são ordens.
A entrada na 2.ª parte foi muito semelhante à da 1.ª e por momentos pensou-se que a coisa estava feita. Mas a grande penalidade falhada por Ronaldo foi gasolina para os adeptos iranianos nas bancadas, eles que protagonizaram uma sequela do Mundial 2010, com The Return of Vuvuzelas. E aos próprios jogadores de Queiroz também. A percepção de que Cristiano Ronaldo afinal é humano dá ânimo aos outros terráqueos, coisa mais natural do Mundo. Portugal tremeu aí, é um facto, mas o Irão, apesar de ter rondado mais vezes do que o que gostariamos a nossa área, acabou por nunca criar verdadeiro perigo, até ao tal lance da grande penalidade, decisão do VAR que demorou uma eternidade a aparecer.
Gostamos de sofrer, só pode ser. Mas estamos aqui, o susto já passou, estamos vivos. Sábado há mais.