A humanidade é atraída para a vertigem e o que parece inalcançável, a história de uma espécie conta-se pelos seus pioneiros, por quem quis ir fazer o jamais feito e chegar mais fundo, mais longe, durante mais tempo ou mais alto e a altitude exerce quiçá a maior influência na escala do que é espantoso. Há filmes, crónicas e relatos de gente que se atreveu a subir até onde o ar é rarefeito e o ambiente desaconselhável à sobrevivência nos Himalaias, a cordilheira montanhosa que alberga os picos que mais rasgam os céus neste planeta.
O mais elevado acima do nível do mar, o Evereste, é sujeito de epopeias e tragédias. Com o seu cume a 8,849 metros de altura, representa o topo da Terra e milhares de pessoas já o tentaram alcançar, desafio que todos os anos é replicado por donos de coragem e valentia. E dinheiro: os custos de expedição variam entre os 45 e os 80 mil euros, acrescidos aos cerca de 10 mil que obrigatoriamente têm de ser pagos ao governo do Nepal por uma licença de escalada no país. Nunca houve tantos interessados em desafiar a sua fortuna como agora.
O Departamento do Turismo do país emitiu, até sexta-feira, 454 licenças de escalada, número recorde que as autoridades nepalesas estimam ainda vir a aumentar pela usual chegada de mais pedidos nos últimos dias de abril - a melhor ‘janela’ climatérica para escalar os picos dos Himalaias costuma arrancar em maio, quando a primavera ameniza as intempéries na altitude. “Esperamos que a escalada comece na primeira semana do mês. Com base no número de licenças emitidas, parece que o Everest assistirá, de novo, a um recorde de pessoas, sem dúvida”, resumiu Dambar Parajuli, diretor da Associação de Operadores de Expedições do Nepal, ao “Katmandu Post”.

Royal Geographical Society
O engordar da quantidade de pessoas a quererem escalar nos Himalaias explica-se, em parte, pela abertura de fronteiras na China, ultrapassada que parece estar a pandemia de covid-19. Em março, o governo de Pequim retirou uma proibição que vigorava há três anos e impedia os seus cidadãos de viajarem para o Nepal, apesar de ainda exigir que qualquer chinês escale um qualquer cume de 8.000 metros antes de se aventurar no Evereste. Os números refletem-no - 96 licenças foram requeridas por chineses, seguidos por 87 norte-americanos, 40 indianos, 21 canadianos ou 19 russos.
O previsível avolumar das licenças emitidas poderá causar o já vista o ano passado, quando longas filas de pessoas rasgavam montanhas de neve em engarrafamentos turísticos para escalar o K2 ou Annapurna, segundo e décimo picos de maior altitude do mundo. Mas “os alpinistas têm de ter cuidados extras” nesta temporada de escalada porque “o clima não tem estado estável”, acautelou Yubaraj Khatiwada, diretor do Departamento de Turismo do Nepal, também ao “Katmandu Post”, alertando para a crescente imprevisibilidade da queda de neve devido às alterações climáticas.
A 12 de abril ocorreu a primeira tragédia do ano nos Himalaias, quando três sherpas ficaram soterrados devido a uma avalanche no Evereste, enquanto trabalhavam nas vias onde as expedições levam os corajosos que têm o cume do mundo como destino. Em 1996 ocorreu a maior tragédia, já retratada no cinema: oito alpinistas morreram e dezenas de outros ficaram retidos, durante horas, nas montanhas quando uma tempestade assolou a cordilheira.