Perfil

Modalidades

Uma das imagens icónicas da história do desporto foi encenada na Austrália, 30 anos depois. A razão: ainda o racismo

Jamarra Ugle-Hagan tem 20 anos, joga futebol australiano e, na quinta-feira, imitou o gesto que Nicky Winmar protagonizou em 1993: parou em campo, levantou a camisola e apontou para o corpo e a cor da sua pele. Ambos são aborígenes e o gesto de protesto deveu-se a insultos racistas que ouviram da bancadas

Diogo Pombo

Daniel Pockett/Getty

Partilhar

Nicky Winmar estava farto, em ebulição devido aos insultos racistas que ouvia em campo durante o jogo entre o St. Kilda e o Collingwood quando, às tantas, parou de caminhar, levantou a sua camisola sem mangas, apontou para o próprio tronco e disse: “Sou negro e tenho orgulho em ser negro”. O momento provocou o disparo de várias câmaras. No dia seguinte, tinha a imagem estampada na primeira página do Sunday Age, um dos proeminentes jornais da Austrália. Hoje ainda ecoa em coleções das imagens mais icónicas da história do desporto.

Captada em 1993 e num período de forte contestação social devido à perda de direitos da população aborígene do país, a fotografia foi lembrada pelo “The Guardian”, há dias, como uma das 50 que “redefiniram o desporto”. Nicky Winmar jogava futebol australiano, ou ‘aussie rules’ como lhe chamam, essa modalidade autóctone de bola oval e três pares de postes de cada lado do campo que faz vibrar os nativos. O antigo praticante virou cara da luta anti-racista no país, construíram-se estátuas em sua honra, é uma referência pelo momento que protagonizou.

Paul Kane/Getty

Na quinta-feira à noite, tantos anos depois, ainda se constata como pouco terá mudado no respeito pela diferença e na tentação de usar a cor de pele para arremessar insulto desmiolado. Jamarra Ugle-Hagan, outro jogador de futebol australiano, replicou o gesto de Winmar após acertar um pontapé aos postes no Western Bulldogs-Brisbane - parou, virou-se para a bancada, levantou a camisola e apontou para o corpo.

Há uma semana, Jamarra, de 20 anos, foi alvo de insultos racistas em encontro frente ao St. Kilda, episódio que está a ser investigado pela Australian Football League (AFL). Enquanto nada aconteceu, resolveu encenar o icónico protesto e resgatar o simbolismo do gesto. “Nesses tempos, eles enfrentavam um contexto pior e hoje os jogadores estão fartos, por isso adotam esta posição. Temos de confrontar [quem insulta racialmente] e toda a gente nos está a apoiar”, disse Ugle-Hagan, que preferia um ação célere e eficaz de quem organiza a liga em vez de ter de tomar medidas como a recuperação do histórico protesto: “Só quero ver alguém a identificá-los em vez de ser eu a contactar o meu clube e a dizer que isto aconteceu. Ou que alguém no público lhes dissesse que não é correto fazerem aquilo”.

Tal como Nick Winmar, também Jamarra Ugle-Hagan é descendente de aborígenes, população na Austrália que tem direito a bandeira própria no país, hasteada em tudo o que são edifícios públicos e estatais.