Perfil

Modalidades

Filha de nadadora sabe nadar. E Summer McIntosh é a próxima fenomenal mulher das piscinas

Nasceu no Canadá, só tem 16 anos e há dois já estava em Tóquio, a estrear-se nos Jogos. Entretanto, já ganhou 13 medalhas internacionais, foi a primeira em quase uma década a impedir Katie Ledecky de vencer uma prova nos EUA e fixou, esta semana, um novo recorde dos 400 metros livres. A mãe foi nadadora olímpica (nunca a puxou para as piscinas, só lhe organiza a agenda) e Summer McIntosh já acorda às 4h, treina duas vezes por dia e “não [se] podia estar a divertir mais”

Diogo Pombo

OLI SCARFF/Getty

Partilhar

Uma criança a frequentar o 3.º ano de escolaridade preocupa-se com criancices mundanas, e ainda bem, haja recriação. No futuro terá tempo para a cabeça lhe crescer em preocupações adultas que riam das questões infantis como a que Summer McIntosh se lembrou, um dia. “Mamã, o que acontece se eu ultrapassar o pace bunny? Não vou saber por onde ir”, perguntou, fascinada pela incerteza e a boiar no início da piscina onde ia competir nas finais de natação da sua escola. O pai ri-se, ao lado a mãe gargalha, ambos sacodem dos ombros o pó da responsabilidade de terem incentivado, no berço, a filha a crescer competitiva.

Traduzido livremente, ‘pace bunny’ era um termo infantil usado para identificar um nadador que dê braçadas pela frente dos competidores ou instruendos, no caso crianças, dando uma referência para manterem o ritmo. Imberbe e a crescer sempre na perseguição de alguém a trilhar velocidades na piscina, Summer McIntosh estava arreliada. “Tivemos de lhe explicar que essas pessoas eram adultas e iam ser capazes de continuar à frente dela”, recordou Greg, o progenitor, à “CBC”, onde ele já não a tem em casa para lhe iluminar as dúvidas sobre o mundo que são gigantes em cabeças infantis.

Não que Summer tenha pulado muito na escala da idade. Só tem 16 anos, mas, há pelo menos três, são as histórias a prosarem acerca da sua precocidade aquática que tentam aguentar o ritmo do fenómeno. Com 14, acabada de entrar nos seus teens, viajou como a atleta mais jovem da comitiva canadiana para Tóquio, onde ficou a 1,34 segundos das medalhas nos 400 metros estilos e nadou até outro 4.º lugar nos 400 metros estafetas. Um ano depois, de trança emaranhada com uma espécie de tereré, estava no seu quarto em Budapeste com uma bandeira do Canadá a servir de cortinado, parecendo uma adulta a falar balanços de carreira porque tinha acabado de ser bicampeã do mundo.

Achava ela que tivera “sucesso” devido à “cultura de trabalho” e “moagem diária” a que se predispunha de modo a “fazer os possíveis para melhorar” nas competições. Previsivelmente, a conversa para o site dos Jogos pouco desfrutou do tempo até ter barba grisalha: na terça-feira, a canadiana fixou um novo recorde planetário nos 400m livres, fatiando 32 centésimos à pressa da australiana Ariarne Titmus que levou o último ouro olímpico. “Isto arrebata-me, nunca esteve nos meus sonhos fazê-lo hoje ou nos próximos tempos. Nos últimos anos, dediquei a minha vida a isto”, confessou, humildemente falando ou meia sem noção de que muito boa gente já a tinha como uma mera questão de tempo até começar a mexer com as águas.

“Maravilhada” pelo recorde “inesperado”, Summer McIntosh tem-se em pior conta do que a têm.

Jared C. Tilton/Getty

O início de março dera-lhe outro motivo para severizar os prognósticos de ser a próxima erupção fenomenal da natação. Numa prova nos EUA, a competir nos 200 metros livres, tocou na parede da piscina 83 centésimos de segundos antes da mão de Katie Ledecky, um mito entre mulheres nadadoras que não perdia nas longas distâncias em águas norte-americanas há nove anos. E Summer McIntosh a absorver a proeza que nem uma brincadeira combinada entre amigo. “Aprendi tanto, ela é a maior nadador em estilo livre de todos os tempos, foi uma experiência incrível”, gracejou, pasmada e algo contida após ser mais rápida do que a 19 vezes campeã mundial e dona de pescoço a arcar com o peso de sete medalhas de ouro olímpicas.

Suplantar a atual rainha com coroa da natação é condizente devido aos paralelismos de reciprocidade que já lhes preveem. Com 15 anos, Katie Ledecky estreou-se nos Jogos de Londres logo com um ouro e do Rio de Janeiro levaria quatro, ainda adolescente. Confortável a nadar em estilo livre ou mariposa, estima-se que a igualmente anfíbia Summer McIntosh possa irromper com estrondo em Paris se mantiver a caçada ao ‘pace bunny’. É um trabalho mental. “Ela ainda o está perseguir até este dia”, assegura o pai, hoje a passar os dias longe da filha.

Summer vive com a mãe na Flórida, solarengo estado norte-americano, para o bem do seu futuro na natação. Antiga nadadora, Jill competiu nos Jogos de 1984 pelo Canadá e fixou-se com a filha nos EUA, num pequeno apartamento, para ela treinar no complexo afamado como ‘Shark Tank’ - três piscinas exteriores de 25 metros, 29 pistas e quase 70 atletas a chapinharem por lá a diário. Além das condições de treino, de treinadores e fisiatras, uma das costelas da família relocalizou-se para a adolescente conviver com atletas da mesma idade.“Há um grupo de rapazes e raparigas de quem sou muito próxima, eles também competem pelo mundo e isso entusiasma-me”, explicou também à “CBC”. A canadiana tem a natação como “principal objetivo”, nesta altura já seria inevitável, mas não se deixa descolar de outra prioridade.

“Quero divertir-me enquanto faço isto.”

Gregory Shamus/Getty

Pouco lhe parece sobrar para tal. Desde o verão de Tóquio, em 2021, já ganhou em 13 medalhas internacionais entre Mundiais de natação e os Jogos da Commonwealth. Entre recordes juniores e absolutos, o seu nome está em sete. A vida de Summer McIntosh já segue nos eixos em que encarrila o talento precoce, é outra adolescente trilhada para a grandeza desportiva: tem sempre um despertar notívago, começando o dia às 4h da manhã, treina duas vezes na piscina, encaixa uma sessão física pelo meio e já tem até um fisioterapeuta designado. Aos 16 anos, faz séries de flexões com um peso de 20 quilos nas costas. Os seus dias são rotina mecânica, a sua vida uma forma preenchida de arestas e quase sem outras curvas.

Mesmo ao domingo à noite, banal dia reservado para o descanso, Summer chega à cama e consulta a tabela de Excel feita semanalmente pela mãe para os quatro membros da família saberem o ‘quando’, o ‘onde’ e o ‘como’ de todos. Porque se Jill cuida da filha nadador na Flórida, o pai Greg atenta, em Toronto, a Brooke McIntosh, a irmã de Summer. Também ela vive para competir no estado da água a que os canadianos mais habituados estão a conviver com o desporto: tem 18 anos, faz patinagem artística, já foi bronze mundial no escalão júnior e este mês irá aos Campeonatos do Mundo absolutos da modalidade. Uma mana é aquática, a outra desliza sobre o gelo.

O metodismo molda os dias de ambas, a alta competição ocupa-lhes a existência e tudo o resto contenta-se com os intervalos deixados pelo desporto. “Nunca houve qualquer pressão profissional para elas terem resultados, o que tentámos foi deixá-las encontrar a sua paixão e, se lhe fossem dedicar tempo e energia, que dessem 150%”, explica a mãe à “CBC”, na linha do argumentado pelo pai: “O nosso trabalho enquanto pais não é treiná-las, de todo. É garantir que estejam a cada dia num ambiente onde se possam divertir e destacar”. Na piscina, os atritos contam ao milímetro e a boca que Summer McIntosh entorta para um lado quando emerge da água, a inspirar combustível, não tem tempo para sorrir.

Mas, cá fora, o prodígio do Canadá, mesmo que pouco expansiva, exalta a sua prosperidade em ter a vida vidrada no encalço do figurado coelho que fixa o ritmo à sua frente. “Sempre encontrei muita paz a nadar. Tenho conseguido lidar com a pressão, honestamente, ela nem existe e nada mudou desde que cheguei ao nível internacional. Ganhei só mais uns seguidores no Instagram”, relativizou, o ano passado. Summer McIntosh também é curiosa: cita estas mudanças superficiais no que não é palpável e nem menciona o peso dos lauréis que já vai ganhando.