Até 1968, saltava-se em altura como uma “tesoura”. A técnica antiquada, ainda ensinada como iniciação à modalidade, consiste em correr e superar a barra lateralmente, numa posição semelhante à de quem se senta acima da barra, transpondo-a primeiro com uma perna esticada e depois a outra.
Tudo isto mudou nos Jogos Olímpicos do México. Nesse verão de 1968, um desengonçado estudante de engenharia civil que usava um ténis de cada cor teve uma abordagem tão surpreendente, arrojada e inovadora que não só revolucionou a modalidade, como se tornou uma referência que vai muito para além do desporto.
O seu nome era Dick Fosbury. E em vez de saltar em “tesoura”, correu para a barra e saltou de costas primeiro, aterrando com a zona de impacto junto à parte de trás do pescoço.
Entre quem assistia, as reações foram mistas, da surpresa aos risos. “Mas quem riu por último foi ele”, aponta o New York Times. A barra continuou a ser levantada, cada vez mais alto, e Dick continuou transpo-la. O salto final, a uma altura de dois metros e 24 centímetros, valeu-lhe não só a medalha de ouro como o recorde olímpico. Estava iniciada a revolução.
Numa questão de poucos anos, a técnica, que ficou conhecida como "Fosbury Flop”, tornou-se dominante na modalidade. Hoje, o recorde mundial é detido por Charles Austin que, em 1996, saltou desta forma dois metros e 38 centímetros.
Mas a influência do “Flop” foi muito além do desporto, aponta o “New York Times”. Dick Fosbury tornou-se no “standard para o tipo de inovação que pode transformar o esforço humano”. Desde então, o seu nome transformou-se num tipo de referência mítica que poucos alcançam. Numa bitola de comparação para outros, transversal às modalidades, que até o Expresso já utilizou, num artigo publicado na revista E em 2020, sobre Bryson Dechambeau, o “Dick Fosbury do golfe”.
O “pior saltador” da escola que apenas estava a “tentar não perder”
Richard Douglas Fosbury nasceu em Portland, no Oregon, a 6 de março de 1947, e era filho de um camionista e de uma professora.
Muitos anos depois do seu sucesso olímpico, contou em entrevistas que começou a carreira como saltador no liceu, mas que era um péssimo atleta. E não só no atletismo, pois antes falhou as provas para entrar nas equipas escolares de futebol (americano) e basquetebol.
“Quando desenvolvi esta técnica não estava a tentar ganhar. Estava a tentar não perder. Era o pior saltador na nossa equipa e na nossa liga. Estava muito frustrado”, afirmou numa entrevista divulgada pelo Comité Olímpico Internacional.
Por isso, decidiu tentar uma nova abordagem à técnica clássica: saltar para trás. “Tinha essa intenção e foco na minha cabeça para ter sucesso. O meu corpo simplesmente seguiu e adaptou-se à barra. O meu corpo mudou a sua posição, de estar sentado em cima da barra para deitar-se de costas. Num só dia melhorei 15 centímetros. Eu sabia que talvez tivesse ali alguma coisa.”
Por isso insistiu na nova técnica, treinando intensamente. Claro que havia dúvidas sobre a legalidade da técnica, sobre possíveis lesões ou simplesmente sobre a eficácia. Dick Fosbury ignorou todos os conselhos.
Depois do triunfo olímpico, graduou-se em 1972, mudou-se para o Idaho e abriu uma empresa de engenharia, que entre outras coisas, construía pistas de corrida e para bicicletas.
Nunca regressou aos Jogos Olímpicos nem conquistou outros títulos. Ainda assim, manteve-se ligado ao desporto. Foi treinador de salto em altura e vice-presidente do Comité Olímpico e Paralímpico dos EUA.
Morreu no passado domingo com 76 anos. Segundo o comunicado do seu agente desportivo no Instagram, sofreu “uma recidiva do linfoma”.