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Super Bowl LVII: o habitat natural de Mahomes, o triunfo do equilíbrio ou o dia que vai angustiar o coração de Donna Kelce

Super Bowl LVII: o habitat natural de Mahomes, o triunfo do equilíbrio ou o dia que vai angustiar o coração de Donna Kelce
Getty Images

A 57.ª edição do Super Bowl joga-se este domingo (23h30, Eleven 1) entre os Kansas City Chiefs e os Philadelphia Eagles, num encontro em que história será feita e Patrick Mahomes poderá confirmar o estatuto de super-estrela. Do outro lado estão uns Eagles tão bons a defender como a atacar

Quando às 23h30 deste domingo (hora de Lisboa) se der o primeiro pontapé na oval, a pessoa mais nervosa do mundo não será um dos jogadores ou um dos adeptos nas bancadas do State Farm Stadium, no Arizona, porque pagar uma média de 8.145 dólares por bilhete pode causar suores frios nas carteiras menos abonadas. O maior roedor de unhas nem sequer será um dos irá arriscar uma boa maquia no resultado, contribuído para os 16 mil milhões de dólares em apostas que o Super Bowl LVII vai gerar. Não será, igualmente, uma das 1.45 mil milhões de asinhas de frango que serão vorazmente deglutidas durante o fim de semana, dizem os números do National Chicken Council, porque nos Estados Unidos o frango é assunto sério.

A pessoa mais nervosa da mais especial das noites do desporto norte-americano será uma bancária reformada chamada Donna Kelce.

É por causa de Donna que o Super Bowl LVII, a finalíssima da NFL que vai colocar frente a frente os Kansas City Chiefs e os Philadelphia Eagles, será também um palco de história, entre tantas outras coisas: pela primeira vez, dois irmãos vão disputar o título em lados opostos da barricada. Jason Kelce é o veterano center dos Eagles, 128 quilos de massa que lideram a linha ofensiva da equipa de Philadelphia. Já Travis, 33 anos, dois anos mais novo que Jason, vai a caminho de se tornar num dos melhores tight ends da história da NFL, ele que é um dos recetores de confiança dos passes açucarados do quarterback dos Chiefs, Patrick Mahomes.

Donna Kelce om Justin e Travis
Christian Petersen

Mãe de jogadores tornada estrela, Donna passeia-se habitualmente com uma camisola gentilmente retalhada e tricotada outra vez, vermelha dos Chiefs à frente e verde dos Eagles atrás. Uma espécie de fusão. Será assim que a veremos, seguramente, nas bancadas do State Farm Stadium, de mãos na cabeça, procurando enganar um coração que estará mais do que dividido, embora Donna já tenha admitido que talvez esteja um pouquinho mais por Jason, porque o filho mais velho já lhe deu netos e, a partir de certa idade, já se sabe: “É tudo pelos netos”, explicou num programa de televisão no início do mês.

As aparições públicas de Donna tornaram-se frequentes. Ela é a mãe que a América santifica. Dela já se conheciam os esforços hercúleos para estar nos jogos de ambos os filhos, por vezes no próprio dia, maratonas trabalhosas se tivermos em conta o tamanho dos Estados Unidos. Há um abaixo-assinado a decorrer com quase 190 mil assinaturas para que seja ela a dona do ritual da moeda ao ar. E ela vai sempre ganhar o Super Bowl, aconteça o que acontecer. E perder também. Ser Donna Kelce este domingo vai ser um caldeirão de bonitas contradições.

Mas há mais história para se fazer neste Super Bowl onde a surpresa não teve lugar. Os Eagles e os Chiefs foram primeiros nas suas conferências e chegam ao jogo decisivo com um registo igual de vitórias e derrotas em 2022/23. Se Donna é o elemento feelgood tão apreciado do outro lado do charco, o facto de estarem pela primeira vez dois quarterbacks negros a liderar cada uma das formações finalistas dirá muito mais sobre preconceitos e como os derrubar.

Uma história de quarterbacks

Jalen Hurts e Patrick Mahomes serão assim protagonistas óbvios do Super Bowl 2023, não só porque são quarterbacks, os metrónomos do jogo, por cujas mãos passa todo o destino da equipa, o centro de todas as motivações, a posição mais sexy de um jogo às vezes bruto, mas porque são figuras de uma geração que finalmente riscou com um dos preconceitos mais absurdos de uma liga eminentemente branca, não só nas bancadas como nos escritórios das equipas, nos centros de decisão, apesar da esmagadora maioria dos protagonistas em campo ser negra.

Dizia então essa ideia feita que vai sendo destruída peça por peça a cada passe preciso e touchdown concretizado que os negros não tinham na massa a capacidade para serem bons quarterbacks, por lhes faltar o gene da liderança, a frieza para tomar decisões. Nada mais errado - e racista. Se Patrick Mahomes é já unanimemente um dos melhores de sempre com apenas 27 anos, um mágico com pés de dançarino, Jalen Hurts, de 24, deu a volta a inícios de carreira complicados não só no futebol universitário como enquanto profissional para se tornar num ator fiável para os Eagles, um quarterback rápido, forte, com grande capacidade de corrida.

Jalen Hurts poderá tornar-se apenas no quarto quarterback negro a vencer o Super Bowl
Tim Nwachukwu

Uma das grandes vitórias deste Super Bowl também é esta: ao contrário de Doug Williams, que em 1988 se tornou no primeiro quarterback negro a liderar uma equipa e vencer o Super Bowl, para Mahomes e Hurts a desconfiança já pouco existe. Mas os números continuam a esmagar. Depois de Williams, foi preciso esperar até 2014 para ver um segundo quarterback negro a vencer o Super Bowl (Russell Wilson com os Seahawks). Mahomes juntou-se à curta lista em 2020.

Um génio e uma equipa

Em Patrick Mahomes poderá estar o princípio e o fim deste Super Bowl onde Rihanna será a estrela do afamado intervalo, tão ou mais relevante quanto o jogo em si. O quarterback dos Chiefs é a estrela que a NFL precisava como de pão para a boca com o mais que previsível ocaso de Tom Brady, que disse adeus ao circo pela segunda vez há um par de semanas, aos 45 anos.

Em cinco anos como titular nos Kansas City Chiefs (no primeiro ano bebeu na sombra dos conhecimentos do veterano Alex Smith), o pior resultado foi chegar à final da AFC, o jogo que antecede o Super Bowl. À finalíssima chega pela terceira vez: venceu em 2020, foi derrotado pelos Buccaneers de Tom Brady no ano seguinte.

Mas mais que os resultados é a revolução: nunca ninguém jogou como Patrick Mahomes, que combina a precisão de um Brady ou de um Peyton Manning com uma fantasia nunca antes vista num relvado da NFL. Dele esperam-se passes sem olhar, movimentos de pés de fazer inveja a participantes em Mundiais de danças de salão. Ele é suave e ágil nos arremessos da oval, fugidio que nem um gato na hora de escapar aos defesas. A criatividade e o colorido que trouxe a uma posição onde a exatidão quase matemática era um posto torna-o numa espécie de bonito alien, pronto para amarfanhar a tradição e os paradigmas.

Pouca ortodoxia e passes circenses: eis Patrick Mahomes
Icon Sportswire

Se Mahomes estiver bem, num dos dias de mágico endiabrado, os Chiefs podem prevalecer, dando a equipa do Missouri o terceiro título no Super Bowl. Acontece que do outro lado está possivelmente a equipa mais equilibrada da NFL, dotada de gente talentosa praticamente em todas as posições. No ataque, a extraordinária linha ofensiva permite a Jalen Hurts tempo para executar o plano de jogo, tantas vezes a voar direitinho para as mãos de DeVonta Smith ou A.J. Brown, duo dinâmico de wide receivers. Do lado defensivo, foram também das equipas que menos pontos concederam na temporada regular. E nos playoffs sofreram apenas sete pontos tanto dos New York Giants como dos San Francisco 49ers. Travar Mahomes na primeira linha defensiva será essencial e os Eagles, à procura do segundo título, após 2017/18, têm capacidade para o fazer, mesmo contando com o ilusionismo circense nos pés e mãos do QB rival.

Nos bancos, a luta será geracional e a prova que a NFL é um mundo pequeno. O veterano Andy Reid, de 64 anos, foi treinador dos Eagles durante 14 temporadas até 2012, antes de assumir os Chiefs em 2013. Chegado a Kansas City, uma das primeiras decisões foi chamar um jovem treinador assistente da casa ao seu gabinete para o informar que não teria lugar na sua equipa. Esse jovem era Nick Sirianni, que passou depois pelos Chargers e pelos Colts até se tornar, há dois anos, no treinador principal dos Eagles. Poderá estar na hora da desforra.

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