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Rússia dá luta (ou uma noite de UFC em Moscovo)

Rússia dá luta (ou uma noite de UFC em Moscovo)

Ou como o fim de uma espera de 25 anos pelos combates do Ultimate Fighting Championship aqueceu uma noite de verão em Moscovo

Rússia dá luta (ou uma noite de UFC em Moscovo)

Marco Grieco

texto e fotos, em Moscovo

Já lá vão 38 gélidos invernos desde que o Olimpiyskiy Stadium de Moscovo teve os seus primeiros momentos de glória. Uma das obras maiores dos Jogos Olímpicos de 1980 na capital russa, carrega ainda aquela aura de betão tão marcante dos tempos do comunismo e da Guerra Fria.

Abrigou jogos de basquete e combates de boxe, numa altura em que os americanos lembraram-se de oferecer um boicote onde deveria haver paz e fraternidade…

Anos mais tarde, já depois da Perestroika, a 12 de novembro de 1993 nascia a organização Ultimate Fighting Championship (UFC), com sede nos Estados Unidos. Sem o impacto e a abrangência que hoje tem, parecia ter os dias contados, nem que fosse pelas muitas iniciativas que a tentavam banir.

Quase 25 anos passados, a organização presidida pelo norte-americano Dana White foi comprada por investidores chineses pela módica quantia de 4 mil milhões de dólares…

O 'velhinho' Olimpiyskiy Stadium

No sábado passado, os dois gigantes encontraram-se pela primeira vez. A poderosa UFC levou a sua “Fight Night” ao imenso – e obsoleto – Olimpiyskiy Stadium, um cartaz com 12 lutas e um pedido de desculpas. Já não era um boicote, mas “falta de oportunidade”, diria um diplomático Dana White.

O velho circo de feras romano adaptado ao duvidoso gosto norte-americano entregue num velho estádio soviético… a fórmula perfeita do sucesso!

Os russos, sempre prontos para uma boa luta, não levaram a mal e esgotaram as instalações, com mais de 22 mil adeptos a gritar a plenos pulmões pelos seus atletas. Aguardado com mais fervor do que as lágrimas do ursinho Misha – para quem não lembra, a simpática mascote dos jogos comunistas – o evento entrou diretamente para o quinto lugar no ranking de público do UFC.

Ginásio lotado na estreia do UFC em terras russas

Alguma falta de organização à mistura – seguranças com preparação a menos e público com estamina a mais – fazia prever uma noite com bons combates dentro e fora do octógono. A presença do controverso e belicoso líder checheno Ramzan Kadyrov – ele próprio atleta de artes marciais mistas – e da sua pouco amistosa guarda pessoal também não passou despercebida.

Entretanto, a par de algumas ásperas discussões em cirílico indecifrável, a pancada ficou restrita ao interior da 'jaula'.

E lá dentro, houve pancada de criar bicho. Oito lutas preliminares e mais quatro no evento principal opuseram quase sempre um atleta russo contra um forasteiro. E se não fossem 'filhos de Putin', ao menos eram genuínos de uma das ex-repúblicas soviéticas, como o georgiano Merab Dvalishvili, que derrotou o norte-americano Terrion Ware logo na contenda de abertura.

Jogada de marketing muito bem calculada pela organização, já que mexia com o brio do público ainda antes dos combates, provou também que os russos são, a par dos ianques e dos brasileiros, uma das forças maiores deste desporto, nas mais diversas categorias. Infelizmente, apesar das muitas caucasianas na plateia, ficaram a faltar as lutas femininas…

Intervalo entre rounds numa das 12 lutas da noite

O entra e sai no octógono era acelerado, pois era preciso cumprir um longo cartaz até atingir as lutas principais. Muito embalados pela energia da turba, os locais lá iam vencendo a maioria dos combates. Emeev por decisão contra o sérvio Sekulic, Ankalaev por KO contra o polaco Prachnio, Taisumov por decisão contra o norte-americano Green, Khabilov também por decisão contra o canadiano Johnson.

Na melhor luta da noite, o russo Petr Yan massacrou e venceu, mas não levou à lona o resistente sul-coreano Son. Uma batalha que levantou o público, impaciente nos combates mais cadenciados e sempre ansioso pela chamada “trocação”, ou intensa troca de socos com os atletas em pé.

Outro dos grandes momentos da noite foi a entrada do veterano atleta bielorrusso Andrei “Pitbull” Arlovski ao som do hino da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Ninguém se manteve sentado naqueles minutos, uns desconfiados, outros exultantes… Apesar da homenagem, o russo Shamil Abdurakhimov levou a melhor na decisão dos juízes.

O "Pitbull" Arlovski a calçar os ténis ao sair do octógono

No penúltimo combate, o ucraniano Nikita Krylov foi submetido pelo polaco Jan Blachowicz, que levou também o prémio de “performance da noite”. No evento principal, o veteraníssimo Mark Hunt, o “Super Samoano” de 44 anos, foi dizimado pelo não menos experiente Aleksei Oleinik, de 41 anos e com um cartel de incríveis 57 vitórias em 69 combates.

Desde o primeiro combate, entre todos os atletas, sempre muito respeito pelos oponentes e pelas suas equipas. Afinal, tudo não passa de desporto, certo?

Um ou outro dedo nos olhos ou pontapés na coquilha, mas sempre a acabar em sinceros abraços ensanguentados. Tudo dentro das regras cada vez mais rígidas da organização que parece dominar o mundo… das lutas. Paz e fraternidade onde poderia haver ódio e frustração.

Um dos acessos ao recinto

Dana White e seus asseclas criaram uma nova modalidade onde antes só havia violência e desconfiança. Cercaram – literalmente – as brigas de rua, acenderam os holofotes e apontaram as câmaras para os jovens que queriam descarregar testosterona em troca de um punhado de notas.

E o mundo parece ter comprado a ideia.

Em dólares, euros ou rublos.

O Expresso viajou a convite da Monster Energy

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