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A vida boémia, por Sporting

O título desta crónica também poderia ser "Uma Battaglia desnecessária", porque da cabeça do argentino veio o golo que qualificou o Sporting para os quartos-de-final da Liga Europa e, no nome, está a coisa pela qual a equipa passou, sem justificação, na República Checa, onde perdeu com o Viktoria Plzen (2-1). A vida do Sporting foi sofrer, mas lá acabou por ser feliz

Diogo Pombo

MICHAL CIZEK

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Houve um dia, em 1838, em que 36 barris cheios de cerveja foram despejados à frente do edifício da câmara municipal de Plzen por, supostamente, serem de um tipo de cevada de má qualidade, que fazia mal à saúde e que não era do agrado de muitos cervejeiros da cidade. Ora, para fazerem algo em relação a isto, eles construíram uma cervejaria comum, contrataram Josef Groll, um alemão vindo da Bavária, onde achavam estar a melhor cerveja, e pagaram-lhe para fazer a magia da fermentação, usando água local.

Às tantas, atinou-se na fórmula e criou-se a primeira cerveja do tipo pilsner, a Pilsner Urquell, hoje uma das mais populares do mundo, que popularizou esta cidade checa de Plzen. Entre o ficar a saber desta história cervejeira e resumi-la com palavras derivadas da bebida que muito boa gente gosta de beber, demorei uns cinco minutos, mais ou menos o tempo que o Sporting passou sem sofrer um golo da equipa desta cidade que, arrisco, sempre será mais conhecida pela cerveja do que pelo que venha a fazer no futebol.

O Viktoria teve um canto à esquerda, bateu-o de forma curta, juntou três jogadores perto da bola para a trocarem e atraírem as marcações, enquanto ganhavam uns segundos para a linha defensiva dos leões avançar na área, reação instintiva a uma jogada destas. Quando o fez, saiu um cruzamento para o segundo poste onde já não estava Acuña, onde Coentrão regressou atrasado e onde Marek Bakos, o avançado e capitão, saltou para cabecear uma bola bem jogada, sim, mas previsível.

Nem seis minutos de futebol havia e o Plzen - que é checo e não inglês, como o Pilsen que os comentadores tanto repetem na televisão - fez mais do que mostrou em hora e meia, na primeira mão. E continuou a fazer, aproveitando a primeira linha de pressão que o Sporting apenas montava quase a partir do meio campo, deixando os centrais e laterais à vontade com a bola para a fazerem chegar aos extremos, à espera do lado contrário ao pé com que mais chutam.

Em cada dez tentativas de chegar à baliza, nove eram assim e a que sobrava era uma bola longa até um dos avançados alto e matulões. Os checos jogavam como em Alvalade, só que jogavam mais e acertavam mais vezes, o que não significa que assustavam. Mas tiravam bastantes cruzamentos, rondavam a área e apanhavam muitas segundas bolas e ressaltos. Um facto importante, pois o jogo foi muito isso até ao intervalo e o Sporting pouco fez para o mudar.

Cedendo à pressão que tentava obrigar os leões a saírem por André Pinto e não por Mathieu, a equipa falhava passes atrás de passes, não ligava cinco seguidos no meio campo checo e nem sempre deixava as jogadas para Bruno Fernandes ou Gelson, os únicos que pausavam, olhavam e tinha critério num relvado de marasco e caos. Foi a primeiro a cruzar a bola para Bas Dost, o cada vez mais especialista em executar ao primeiro toque, que amorteceu para Bryan Ruiz, na marca de penálti, não acertar na baliza com um remate apenas preocupado com a força.

O Sporting, com melhores jogadores, até ia tendo mais tempo de bola, mas os jogadores pouco móveis, as opções de passe escondidas e o ritmo lento tornavam o seu usufruto previsível - e, sobretudo, enfadonho.

Coisas que pareciam prestes a se extinguirem quando, nos primeiros minutos da segunda parte, Bruno Fernandes se livrou de uns adversários, rematou de longe, o guarda-redes não agarrou a bola e a recarga de Acuña foi ao poste, antes de a recarga à recarga (a dois metros da baliza) ir à bancada. Era um falhanço, mas também um acerto de intensidade.

E, durante algum tempo, os leões jogaram mais rápido e com intensidade, com Bruno no centro de tudo, Gelson a arrastar checos e Dost a tocar e deixar alguém de frente para a baliza. Bryan Ruiz até rematou de pé direito, em arco, e passou perto do poste. Só que, a partir daí, os leões foram abaixo e voltaram a descer ao nível no qual tinham sofrido até ao intervalo.

MICHAL CIZEK

Horava e Kopic começaram a ter tempo e espaço para receberem, olharem e decidirem o que fazer, duas coisas com as quais qualquer futebolista prospera. A bola ia muito aos extremos do Plzen, que optavam sempre por a cruzarem e o Sporting, confiando na inexistência de um plano B do lado checo, ia-se defendendo e cortando bolas como podia, que às vezes era mal, como a vez em que Mathieu a deixou perto da área para ser cruzada à cabeça de Zeman, cujo remate rasou a barra.

O Sporting retraía-se, recuava, abrandava, juntava os jogadores, batia a bola para a frente, cortava cruzamentos como podia e ainda umas quantas outras expressões que significam todas o mesmo: jogava pouco, tremia muito e não era o que era expectável ser contra o Viktoria Plzen que, em Alvalade, se limitara a fazer o mesmo.

Os checos, confiantes, lá tentaram algo diferente e, em vez de procuraram uma ala para cruzar a bola, jogaram-na relva irregular, pelo centro e entre linhas. Entrou um passe no espaço mal coberto por Coentrão, houve um passe atrasado na área e Bakos bisou, com o pé. Empatava a eliminatória para uma equipa cujo treinador disse que “gostava de fazer um milagre”. Não parecia ser preciso tanto.

Perante este encosto e alarme, e com 25 minutos a sobrar no relógio, os leões tentaram agir ao invés de reagirem, como nos anteriores 75. Houve mais bola a passar por diferentes pés, a entrada de Montero ajudou, houve um remate de Gelson enquanto os checos continuavam a ameaçar, a cruzar e a assustar.

Até que, aos 90’, o colombiano lançou o holandês do costume, ele caiu na área e houve um penálti. A eliminatória podia acabar nos descontos, mas Bas Dost confiou na forma como sempre bate os penáltis - a olhar para quem está na baliza, à espera que se mexa para remeter a bola para o lado contrário, só que falhou. A equipa de que Jesus muito tem lamentado o cansaço, os jogos a cada três dias (este foi o 48º da época, mais do que o total da última temporada) e o desgaste, ia ter que jogar mais meia hora.

Um prolongamento que foi um mal para os checos, visivelmente cansados do esforço que fizeram para ali chegarem. O espaço e o tempo passaram a ser dos leões, que voltaram a apanhar boleia de Bruno Fernandes e das correrias de Battaglia, o trinco e não o lateral direito, para controlarem mais o que ia acontecendo. A cabeça de Bryan Ruiz deixou Hruska fazer uma grande parada, após cruzamento tenso do médio português. E o Sporting rondava muito mais a área checa, passava mais a bola ali, tentava rematar, tinha mais cantos.

Um deles foi à cabeça de Battaglia, que marcou o golo e fixou o resultado que os leões preservarem, no quarto de fora que faltava aguentar. Ainda houve um defesas de Rui Patrício, das que valem pontos (ou uma eliminatória, neste caso), viram-se períodos não de sufoco, mas de alarmismo na área do Sporting. Voltámos a assistir a uma equipa de um campeonato bem mais competitivo, com melhores jogadores, habituado a muitas partidas por época e um orçamento quase oito vezes maior, a sofrer.

Um Sporting que, mesmo perdendo, garantiu os quartos-de-final da Liga Europa com a velha regra dos golos feitos em casa alheia. Exatamente seis anos após fazer o mesmo contra o já, embora não tanto como hoje, rico, poderoso e temido City. Em 2012 fê-lo em Manchester, agora foi em Plzen, na região europeia a que chamaram Boémia, nome em que pegaram para definir um estilo de vida despreocupado, alegre e pouco convencional.

Uma vida que o Sporting parece levar nesta fase de temporada, à sua maneira - o intenso e bom futebol é esporádico, sofre contra equipas suas inferiores, cansa-se com o acumular de jogos que é sinal de ainda estar a competir em muita coisa e perde com um Viktoria Plzen. Resultado que é mau sinal, mas que é também bom, porque chegou para se continuar na Liga Europa. É a vida boémia, por Sporting.