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Liga dos Campeões

As chances que ruíram com a implosão de Adán

O trânsito de Marselha atrasou o autocarro que levou a equipa do Sporting ao estádio e o jogo arrancou 20 minutos para lá do previsto, mas, aos 50 segundos, Trincão marcou numa jogada que mostrou como a estratégia parecia estar bem afinada. Só que, com a sucessão de três erros, o guarda-redes Antonio Adán provocou dois golos, foi expulso e com ele afundou as hipóteses dos leões, que sofreram a primeira derrota (4-1) nesta Liga dos Campeões

Diogo Pombo

Guillaume Horcajuelo/Lusa

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Chegar um coche atrasado tem muito de português, de ser português, se nos rendermos à preguiça das generalizações também abdicamos da pontualidade. Quem nunca se atrasou para um qualquer evento ou escutou argumentos a favor do não comparecimento, precisamente, à hora marcada, a mando de um suposto bom-costume para se evitar parecer mal, que dê o primeiro chuto na bola. Esse singelo ato, em Marselha, tardou a aparecer, só pelas 18h06 o apito sibilou e se começou a jogar com vinte e um minutos contados para lá do suposto.

O trânsito é das consequências mais moedoras de juízo advindas de uma invenção humana, em cidades habitadas por milhões haverá iguais milhões de carros para essas pessoas se movimentarem e o autocarro da equipa do Sporting terá ficado atarracado algures, preso em ruas e ruelas e, alegadamente, sem batedores da polícia que lhe filtrassem caminhos até ao Velódrome, estádio onde os jogadores apenas pisaram o relvado às 17h36, a nove minutos da hora marcada para o arranque da partida.

Tamanho atraso não intencional mexe com rituais e planeamentos de aquecimento dos motores que tiveram de ser apressados, isso remexe com os botões da concentração, baralha os hábitos dos quais se depende e, às 18h, quando a UEFA dissera que afinal se ia jogar, estavam os jogadores do Marselha sozinhos no túnel, esperando e esfriando, enquanto o seu treinador, Igor Tudor, gritava num inglês impaciente algumas palavras furibundas: “What are we doing here? Where we are? This is Champions League. Now we are more damaged than your team”. E o que parecia dar razão ao croata teve pressa a mostrar-se.

Apenas se tinha jogado uns 50 segundos quando St. Juste, à direita da defesa do Sporting, bateu um passe rasteiro para a hipótese mais longínqua, encontrando Marcus Edwards que tocou a bola, de primeira, para a imensidão de espaço à direita do meio-campo adversário onde Trincão entrou a correr. O canhoto encarou dois adversários, iludiu-os fintando para o centro e rematou, em jeito, o tipo de golo que muitas vezes tenta. Tão madrugador que parecia validar a indignação de Tudor e tão demonstrativa da estratégia afinada por Rúben Amorim sobre como poderia desmantelar um suposto reflexo da sua equipa em campo.

Vasile Mihai-Antonio/Getty

Jogando, também, com três centrais, dois alas e um par de médios e, fora a disposição das peças, pedindo-lhes que, sem bola, se guiem muito por referências individuais de tu-marcas-este-e-eu-aquele e pressionem, à vontade, logo perto da área dos outros, o sistema e forma de defender do Marselha foram aproveitadas pelo Sporting, dando a provar aos franceses garfadas da refeição que tentam cozinhar. Saindo a jogar da área com passes curtos entre Adán e os centrais, chamativos de pressão, os leões atraíam a tal queda pela pressão alta e deixavam os seus três atacantes na frente, a fixarem o trio de defesas gauleses e a esperarem por momentos em que a jogada os deixasse com bola e nesse três contra três.

O golo marcou-se assim, com Edwards a recuar uns metros para puxar um marcador enquanto Pote e Trincão olhavam para os espaços nas costas da linha defensiva e o português voltaria a rematar na área (10’) após uma tabela entre os outros dois comparsas do ataque. O Sporting atraía lá atrás com bola, cortejava a pressão, forçava o Marselha a esticar a sua equipa e a cavar buracos entre a linha defensiva e dos médios. Mesmo incomodados pela pressão agressiva dos adversários a meio-campo contra qualquer receção de costas e com algumas perdas de bola (sobretudo de Ugarte), a equipa conspirava com sucesso contra os franceses.

Mas, numa dessas tentativas de respirar fundo, ter paciência, querer sair curto da área e apanhar os franceses na curva, Gonçalo Inácio atrasou uma bola para António Adán que a recebeu, tocou para o pé esquerdo, levantou a cabeça e a quis bater ao terceiro toque. A morosidade deixou Alexis Sánchez acercar-se e, quando o guarda-redes pontapeou a bola, acertou no chileno para o ressalto (14’) dar em empate. Entre o azar e a vagareza andará a explicação do golo que fez o espanhol implodir e, aos poucos, fazer ruir a equipa com a sucessão dos seus erros.

Uma das diferenças desta época para as anteriores é a maior participação de Adán no início da feitura das jogadas, sendo mais vezes mais um na saída de bola para dar superioridade numérica à equipa perante equipas que tentem, na sua área, condicionar as ideias do Sporting. Seja em passe curto ou longo, os jogadores recorrem com maior frequência ao espanhol e, pouco depois, não tenho opções para passar a bola a curta distância, Adán tentou ajeitá-la para alguém um pouco mais longe, ainda no seu meio-campo - a bola acabou gentil nos pés de Guendouzi, o encaracolado médio que a colocou logo em Clauss, ala que, perante a passividade dos leões na reação perda recente, a cruzou para Harit, sozinho na área (14’), cabecear a vantagem do Marselha.

O descontrolo errático do guarda-redes acentuar-se-ia no que esperado era, também, que os franceses tentassem. Um passe forçado nas costas dos defesas fez Adán sair da baliza, hesitar, dar uns passos além-área e saltar com a mão à bola. Foi o disparate-mestre do espanhol, o último dos erros em cadeia que desmoronou qualquer base de equilíbrio na primeira parte. A expulsão disparatada provocou logo um livre que Harit rematou perto da baliza pouco antes de curvar a bola, num canto, para a cabeça (28’) do central Leonardo Balerdi, que saltou sozinho e primeiro do que Franco Israel, o novo homem das luvas, logo cometedor de um erro (saiu-se tarde da baliza, não atacando a bola) à primeira intervenção.

O restante tempo teve o Sporting a arfar, somando perdas de bola em campo próprio e várias tentativas de ter bola em que ninguém lograva receber um passe e virar-se, colecionando cartões amarelos (três) e nunca mais indo com uma jogada para lá da linha do meio-campo. O desastre falível da exibição de um jogador foi a areia movediça de uma equipa que se atolou nela próprio até ao intervalo, enquanto o Marselha ainda ameaçou engordar a vantagem um par de vezes - o marroquino Harit, irrequieto e rápido a executar o que lhe vai na cabeça, a destacar-se perto da área.

Condenado a ter só 10 em campo, estando o resultado complicado e a sua discussão difícil, Rúben Amorim preferiu experimentar a insistir, dar rodagem em vez de carregar com mais minutos alguns corpos a que recorre sempre. Entraram, no descanso, os miúdos José Marsà, um central rápido e canhoto e confortável em ter a bola nos pés, e Nazinho, ala esquerdo, além de Paulinho para a equipa ter uma referência de passe quando recuperasse a posse após os expectáveis períodos em que o Marselha abusasse do facto de ter mais um futebolista em campo.

Guillaume Horcajuelo/Getty

Durante o quarto de hora contado depois do regresso, o Sporting, empurrado pela ousadia e rapidez que injetava nos passes, teve alguns prolongados momentos de estadia na metade do campo francesa. Ter mais um central descaradamente hábil a avançar com a bola ajudava a chamar a pressão dos adversários, Sotiris mostrar capacidade para resistir a quem o tenta roubar também e até foi o grego, depois de uma jogada trabalhada de um lado ao outro do campo, a rematar (51’) uma tentativa que rasou um dos postes da baliza.

A resistência da equipa partindo da inferioridade numérica teria sempre um prazo. Mesmo já não com a mesma urgência, nem atirando-se tanto numa pressão alta, o Marselha controlaria a bola, os ritmos e as oportunidades para refastelar um pouco mais a vantagem, sobretudo a partir das redondezas dos 60, 65 minutos. À desastrosa exibição de Adán que teve a pena capital da expulsão juntou-se a igualmente errática, durante hora e meia, de Ricardo Esgaio, que foi exposto constantemente pela pujança atacante de Nuno Tavares e ainda mais massacrada pela falta de ajudas disponíveis para o ala dos leões, quase sempre exposto a situações de um para um.

O português, Guendouzi, Harit e o talento do trintão Alexis Sánchez rematariam à baliza nas muitas jogadas que aprisionaram o Sporting à sua área, que o forçaram a só resistir e ser incapaz de reagir, a sofrer com o facto de haver sempre mais um adversário a atirar-lhe à cara a inferioridade numérica com uma interceção de passe, um aperto para retirar espaço e tempo para pensar. Outro golo apareceria mesmo, quando o conhecido Chancel Mbemba reclamou um ressalto, simulou o remate e fez o 4-1 com seis minutos de sobra para o fim. Era a machadada final e estridente na via-sacra a que Adán condenou a equipa, reduzida a 25 minutos de aplicação da estratégia aparentemente acertada.

Os primeiros golos sofridas e a derrota estreante do Sporting nesta Liga dos Campeões surgiram com atraso face ao que foi a prestação da equipa na edição passada da prova (perdera os dois jogos inaugurais da fase de grupos). Não é um alarme, muito menos será uma arrelia de maior. Enquanto Antonio Adán não ligou o complicómetro e encadeou aquelas ações erráticas, a equipa competiu com o Marselha e era a que melhor explorava as debilidades da outra.

Mas um coletivo pode ser sugado pela individualidade e a implosão do guarda-redes em momentos em que a forma de jogar do Sporting o expõe, por apelar à sua participação - nos momentos de sair a jogar de trás e no controlo do espaço nas costas dos defesas, que se alinham longe da área - foi o que mais afetou o jogo a que os leões tardaram a chegar ao campo. E, depois, devido ao seu guarda-redes, depressa ficaram fora da discussão do jogo.