Eric Dier, internacional inglês que cresceu em Portugal, é fluente na língua de Camões e Pessoa. Sem sotaque, declara o seu amor ao clube que o ajudou a crescer como jogador e como homem: o Sporting, onde passou 10 anos. “Levarei sempre o Sporting comigo. Devo tudo a este clube”, disse o médio defensivo ao “The Athletic”.
Em junho e de férias por Portugal, Eric Dier visitou a academia que foi a sua escola durante tanto e tão relevante tempo. Eric chegou ao país com sete anos, mais novo do que muitos dos futebolistas a quem ofereceu palavras de incentivo e conselhos. Em Alcochete a pedido do próprio, Dier admitiu: “Aprendi com todos, do pessoal de cozinha aos treinadores. Todos me marcaram de uma forma ou de outra”.
No centro de formação de um clube que tem Cristiano Ronaldo e Luís Figo entre os seus maiores orgulhos, Eric Dier reencontrou José João, o seu primeiro treinador, entre os 9 e os 11 anos, sensivelmente. O inglês fez questão de publicar no Instagram uma fotografia dos dois. O técnico admitiu que se “perde o contacto com os jogadores com o tempo”, mas disse também que “certas pessoas deixam uma marca, ele é um desses casos”.
Tudo isto aconteceu há quase três meses. Esta terça-feira, Eric estará no relvado de Alvalade (17h45, Eleven Sports) a defender o Tottenham Hotspurs. Na altura da visita, ainda não se sabia que Dier ia regressar a casa por ter acontecido antes do sorteio da fase de grupos da Liga dos Campeões. Então, José João não teve problemas em afirmar: “Hoje em dia, o Eric é uma referência no Tottenham. É um líder. As pessoas ouvem o que ele diz e podemos ver a influência que ele tem sobre a equipa”.

Mike Hewitt/Getty
Em 2016, o inglês disse: “O meu cérebro futebolístico é um pouco estrangeiro, porque eu aprendi tudo o que sei noutro sítio”. E é curioso – e ao mesmo tempo muito britânico – que o “outro sítio” seja o país onde passou a parte mais dramática da vida de um ser humano. Como coloca o “The Athletic”, trata-se de “um homem com 45 internacionalizações por Inglaterra” e “feito em Portugal”.
Louise, a mãe do jogador, era a diretora de uma empresa internacional de catering envolvida no Euro 2004. O primeiro ano de Eric em Portugal foi passado no Algarve. Foi 12 meses mais tarde que o professor de Educação Física do pequeno inglês recomendou o Sporting ao mais novo dos Dier, depois de ter reparado num talento que despertava. “Vi logo que ele fazia bons passes, recebia bem a bola e tinha noção posicional”, disse Miguel Silva, em 2016. Foi o lendário Aurélio Pereira que foi buscar o futuro craque, mais um nas suas mãos.
José João lembra-se do momento em que a criança pequena e pálida, com pouco português na língua, chegou. “Ele só chorava”, diz o técnico, que acrescenta: “Não queria lá estar. Mas no dia seguinte voltou e juntou-se ao resto dos rapazes para o treino”.
“Vi rapidamente que ele era diferente dos outros jogadores que tínhamos então. Tinha muita qualidade, particularmente na relação com a bola, o que procuramos naquela idade“, diz João, que tinha 22 anos quando acolheu o jovem jogador. Bastaram alguns treinos para o clube decidir ficar com ele.
Até aos 12 anos, Dier jogou apenas alguns jogos com menos jogadores, na academia. Essa prática terá sido iniciada em Portugal, por essa altura, tendo chegado a Inglaterra bastante mais tarde. A experiência terá ajudado o jovem a alcançar a primeira equipa do Sporting, em 2012/13, depois de algumas lesões de defesas mais seniores. Foi também na posição de defesa central que acabou por se estrear pelo Tottenham, dois anos mais tarde.
“O seu físico fez-nos pensar que ele iria ser um bom central ou número seis. Ele estava muito desenvolvido para a idade. Era alto e muito magro, mas as pernas eram musculadas. Por não ser muito rápido, pensámos que ele deveria jogar no centro, com o jogo a decorrer à sua frente. Foi fácil de ver”, diz José João.
O mítico Aurélio Pereira reconheceu, em 2016, que Eric era “muito disciplinado” e “doce”. “Apesar de ser inglês, ele identificava-se muito com o nosso estilo. Gosta de ter a bola nos pés. É um verdadeiro produto do Sporting. Nunca desiste e é confiante, (…) confia em si mesmo”, descreveu o descobridor de talentos.

MIGUEL RIOPA/Getty
O tempo do atual jogador dos spurs no Sporting incutiu nele uma série de valores que o próprio admite moldarem-lhe a vida, ainda hoje. “Tínhamos de ser bons na escola, isso era muito importante” disse Dier em janeiro. “Eles focavam-se em muito mais do que futebol, o que eu penso ser importante e algo de que todos lá [na academia] beneficiaram”, completou.
Desde novo, Eric demarcava-se pelo cabelo loiro e pela pele clara, mas também pelas suas características, como explica José João: “Os jogadores portugueses são conhecidos pela velocidade de pensamento e pelo virtuosismo no um-contra-um. (…) O Eric era mais refinado, jogava como se já tivesse sido orientado. Desde tenra idade, ele entendia o jogo um nível acima dos companheiros. Isso estava relacionado com a ligação dele com a bola”.
Foi Jesualdo Ferreira quem lançou Dier na primeira equipa dos leões. E o veterano não deixava o jovem de 18 anos em paz. Há, segundo “The Athletic”, uma fotografia que prova a intensidade das instruções que Jesualdo dava a Dier. Pela primeira vez, o futuro internacional jogava no meio campo defensivo. Em 2016, Eric admitiu: “Ele foi o primeiro treinador a colocar-me nessa posição no futebol sénior e mostrava muita crença em mim”.
Preferido pelos adeptos, Eric Dier ganhou amizade ao técnico que também passou com sucesso por Benfica e FC Porto. Jesualdo Ferreira terá finalizado a moldagem de um jogador que é uma estrela na difícil Premier League e na prestigiada seleção inglesa. E que vai mostrá-lo, novamente, aos adeptos verdes e brancos, desta vez como adversário.