Morbo. Uma palavra que em português significa doença mas que em espanhol envia-nos para um imaginário de encanto guloso, de quem esfrega as mãos de contente antes de se atirar a algo, estão a ver?
Pois bem, morbo, a palavra que desde logo se ligou a esta meia-final Real-Atlético, como uma simples conta de somar (do género Real + Atlético = morbo) porque frente a frente estariam os dois rivais de Madrid, que na Champions se cruzaram sempre nas últimas três temporadas, duas das quais na final. E sempre com vantagem para o Real Madrid, que tem na Champions, invariavelmente e a cada edição, uma obsessão. Já do outro lado da cidade, mais perto do rio Manzanares, a Champions é, essencialmente, uma questão de esperança, ou de illusion, como eles dizem do outro lado da fronteira.
E é por isso que o Real-Atlético se tornou, nos últimos anos, num verdadeiro jogo europeu, muito mais do que um jogo entre equipas da mesma cidade.
Por outro lado, a forma de jogar das duas equipas fez-nos recear que o morbo fosse apenas no papel. Que o jogo fosse demasiado dividido a meio-campo para ser entretido, que fosse mais de gente aguerrida e menos de jogadores talentosos. Mas, felizmente, houve encanto na luta, principalmente na 1.ª parte. E houve alguém para quem, em havendo uma bola, uma baliza e um jogo decisivo, há sempre morbo.
Na verdade, o que dizer desta 1.ª mão das meias-finais da Champions que não envolva as palavras Cristiano e Ronaldo?
Depois de Munique, o português voltou a brilhar na Liga dos Campeões, precisamente quando é preciso brilhar, marcando os três golos que deixam o Real com pé e meio em nova final. Um golo na 1.ª parte, dois na 2.ª, num jogo em que o Real fez por merecer a vantagem, levando o Atlético quase ao desespero: nos primeiros 45 minutos pela pressão quase constante e na 2.ª metade com contra-ataques viperinos que praticamente sentenciaram a eliminatória.
Oportunidades atrás de oportunidades
Assim, num jogo que se temia que fosse demasiado equilibrado, o Real entrou praticamente a cheirar o golo. Logo aos 7 minutos, Carvajal tabelou com Isco e rematou em trivela. Oblak defendeu como pôde, a bola ressaltou em Benzema e quase, quase entrou.
O Real foi apertando e o primeiro golo só demorou mais três minutos a aparecer: Casimiro cruzou meio enrolado, mas mesmo assim Ronaldo percebeu exatamente para onde ia a bola e, subindo mais alto que Savic, cabeceou para o fundo das redes.
A vantagem, ainda que precoce, percebia-se. O Real fartava-se de recuperar bolas, pressionava até mais não e o Atlético pouco ou nada conseguia fazer. E mesmo que logo de seguida a ordem tenha sido de colocar água na fervura, ou seja, controlar, segurar pela posse, o certo é que até à meia-hora de jogo, os merengues podiam ter marcado mais três vezes: primeiro por Varane, com um cabeceamento que Oblak foi, sabe-se lá como, buscar ao cantinho inferior esquerdo da sua baliza; depois num remate rasteiro de Modric, que passou bem perto do poste e, finalmente, num remate de moinho de Benzema, a responder a um cruzamento de Cristiano, que aproveitou bem o facto de Lucas Hernandez não ser um lateral.
Pelo meio, a única oportunidade de golo do Atlético ao longo do jogo. Gameiro surgiu isolado entre os dois centrais do Real, mas Navas, com um sangue frio admirável, lançou-se à bola afastando-a dos pés do francês de origem portuguesa.
Nos últimos 15 minutos da 1.ª parte, houve mais Atlético, depois de uns primeiros 30 minutos em que a equipa de Simeone fez zero remates à baliza. E por zero leia-se, tentativas, remates ao lado, enquadrados, por cima. Foi zero, mesmo.
A tendência de subida dos rojiblancos acentuou-se no arranque da 2.ª parte, mas a vontade não deu para criar uma oportunidade que fosse. E enquanto isso, o Real ia equilibrando e lançando peças para arriscar no contra-ataque, nomeadamente Marco Asensio e, principalmente, Lucas Vázquez.
Aos 73 minutos, e quando o jogo já caminhava para o chato - aquilo que se temia desde início - a estratégia começou a funcionar. Num ataque rápido, Benzema recebeu à entrada da área, guardou a bola e entregou-a de forma meio atabalhoada a Ronaldo, que surgia na esquerda. Mas como a sorte tende a proteger os audazes - pelo menos é o que diz o povo -, o ressalto em Filipe Luís acabou por deixar o português em frente a Oblak e com uma bomba daquelas à Ronaldo, o Real chegou ao 2-0.
Cristiano que faria o hat-trick - e o seu 10.ª golo nesta edição da Champions, o 8.º nos últimos três jogos (!) - a quatro minutos dos 90, dando o melhor fim a uma jogada inventada por Lucas Vázquez, com quem o madeirense fez questão de festejar e, posteriormente, a quem ofereceu a bola de jogo.
O jovem espanhol rompeu pela esquerda e com um toque de mestre deixou a defesa do Atlético aos papéis. Na linha, colocou na área onde Casimiro deixou a bola passar até chegar a Ronaldo. E ali, no coração da área, o português só teve de dar um jeitinho e depois, pumba lá para dentro.
Com tudo isto, a eliminatória está praticamente fechada, num jogo em que o Real foi superior, surpreendentemente bem superior, e Ronaldo provou, mais uma vez, que não é deste mundo: chega a maio a subir de forma e a marcar nos jogos importantes. Chegou ainda ao golo 400 pelo Real Madrid. Sempre com mucho morbo.