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Imelda vai nadar nas piscinas de Tóquio, mas, em Timor, treina no mar com crocodilos: “Os meus pais preocupam-se que eu possa ser comida”

Imelda Ximenes Belo só começou a nadar aos 14 anos, treina habitualmente na piscina de um hotel e, em 2017, quase não teve forças para terminar os 100 metros livres nos mundiais de Budapeste. Mas está em Tóquio a representar Timor-Leste. Esta sexta-feira parte na pista 4 para a primeira eliminatória dos 50 metros livres

Alexandra Simões de Abreu

BEN STANSALL

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Foi preciso uma clínica organizada pela Federação Internacional de Natação (FINA) na piscina de um hotel na sua cidade natal, Baucau, para Imelda Ximenes Belo aprender a nadar. Tinha 14 anos e o entusiasmo da adolescência levaram-na a querer treinar regularmente, ainda que não tivesse as condições de treino ideais. Foi dividindo as braçadas na piscina do hotel e no mar. Um mar que está quase sempre infestado de crocodilos de água salgada e que costuma deixar a população de Timor-Leste com medo.

Mesmo correndo o risco de ficar sem um dos membros ou a própria vida, Imelda não desiste. "Há crocodilos no mar e eles podem ser realmente perigosos. Não posso afastar-me muito e ir muito fundo porque não se consegue ver. Os meus pais preocupam-se que eu possa ser comida, mas eu apenas rezo a Deus para me proteger dos crocodilos", disse numa entrevista à AFP, em 2018.

Imelda participou pela primeira vez numa grande competição aos 19 anos, nos Mundiais de Budapeste 2017, graças à regra da universalidade introduzida pela FINA, que permite aos atletas, mesmo sem tempos de entrada normais, participar.

A estreia nos mundiais na Hungria foi uma experiência que nunca vai esquecer, até porque viu-se aflita para acabar os 100 metros livres. Demorou 1.19,52 minutos para terminar em 78.º e último lugar e assumiu que estava a ofegante perto do final da prova. "Foi muito duro porque iam todos tão depressa, mas eu sabia que não podia desistir. Fiz o meu melhor e é isso que ensino às minhas crianças", disse, na altura.

Em 2018, a timorense de 22 anos, participou também nos Jogos Asiáticos, onde nadou os 50m, 100m e 200m livres e os 50m mariposa. Um ano depois voltou aos Mundiais de natação, na Coreia do Sul, entrando nas eliminatórias dos 50m e 100m livres.

Pandemia obrigou a treinar no mar de novo

Com a pandemia em 2020, as dificuldades em treinar numa piscina foram enormes e teve de regressar ao mar, que lhe mereceu uma palavra especial do secretário-geral do Comité Olímpico Nacional de Timor-Leste, Laurentino Guterres: “Timor-Leste sofreu mais do que um surto de COVID e Imelda não consegue aceder a uma piscina há algum tempo. Destemida, ela treinou em terra firme e no mar, e, sim, existem crocodilos, mas entendemos que eles variam em diferentes épocas do ano".

Pioneira na natação feminina na sua terra, Imelda começou, entretanto, a treinar oito crianças locais quatro vezes por semana na piscina do Hotel Pousada, em Baucau. "A natação ensinou-me muito e quero transmiti-la aos mais jovens do meu país. Somos um país pequeno, mas isso não significa que não possamos ter grandes sonhos", disse ao "The Straits Times".

Esta sexta-feira vai cumprir mais um. Estará na pista 4 da primeira eliminatória dos 50m livres - e nem sequer é a atleta com o pior tempo.

Com um recorde pessoal de 34,13 segundos, Imelda ainda tem atrás dela a sudanesa Haneen Ibrahim, com 34,81s, que esteve presente nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, onde foi 84.ª com um tempo de 36,25s, na mesma prova. Mas a pior marca dos 50m livres, em Tóquio, é da nadadora do Burundi Odrine Kaze (34,97s) que vai competir na mesma eliminatória.

A jovem timorense que tem como ídolo a estrela americana Katie Ledecky, tem noção do valor das outras atletas - basta dizer que o recorde mundial dos 50m livres, que pertence à sueca Sarah Sjoestroem, está nos 23,67s -, mas espera inspirar futuros atletas da sua pequena nação.

Imelda carrega o peso de um apelido - D. Carlos Ximenes Belo, bispo emérito, ganhou o Nobel da Paz em 1996, juntamente com José Ramos-Horta -, e pode tornar-se num dos heróis anónimos dos Jogos Olímpicos, representando uma antiga colónia portuguesa, com 15.000m2 e apenas 1,2 milhões de habitantes, mais habituada a ter holofotes por causa de agitações políticas do que pelo sucesso desportivo.