Foi preciso uma clínica organizada pela Federação Internacional de Natação (FINA) na piscina de um hotel na sua cidade natal, Baucau, para Imelda Ximenes Belo aprender a nadar. Tinha 14 anos e o entusiasmo da adolescência levaram-na a querer treinar regularmente, ainda que não tivesse as condições de treino ideais. Foi dividindo as braçadas na piscina do hotel e no mar. Um mar que está quase sempre infestado de crocodilos de água salgada e que costuma deixar a população de Timor-Leste com medo.
Mesmo correndo o risco de ficar sem um dos membros ou a própria vida, Imelda não desiste. "Há crocodilos no mar e eles podem ser realmente perigosos. Não posso afastar-me muito e ir muito fundo porque não se consegue ver. Os meus pais preocupam-se que eu possa ser comida, mas eu apenas rezo a Deus para me proteger dos crocodilos", disse numa entrevista à AFP, em 2018.
Imelda participou pela primeira vez numa grande competição aos 19 anos, nos Mundiais de Budapeste 2017, graças à regra da universalidade introduzida pela FINA, que permite aos atletas, mesmo sem tempos de entrada normais, participar.
A estreia nos mundiais na Hungria foi uma experiência que nunca vai esquecer, até porque viu-se aflita para acabar os 100 metros livres. Demorou 1.19,52 minutos para terminar em 78.º e último lugar e assumiu que estava a ofegante perto do final da prova. "Foi muito duro porque iam todos tão depressa, mas eu sabia que não podia desistir. Fiz o meu melhor e é isso que ensino às minhas crianças", disse, na altura.
Em 2018, a timorense de 22 anos, participou também nos Jogos Asiáticos, onde nadou os 50m, 100m e 200m livres e os 50m mariposa. Um ano depois voltou aos Mundiais de natação, na Coreia do Sul, entrando nas eliminatórias dos 50m e 100m livres.
Pandemia obrigou a treinar no mar de novo
Com a pandemia em 2020, as dificuldades em treinar numa piscina foram enormes e teve de regressar ao mar, que lhe mereceu uma palavra especial do secretário-geral do Comité Olímpico Nacional de Timor-Leste, Laurentino Guterres: “Timor-Leste sofreu mais do que um surto de COVID e Imelda não consegue aceder a uma piscina há algum tempo. Destemida, ela treinou em terra firme e no mar, e, sim, existem crocodilos, mas entendemos que eles variam em diferentes épocas do ano".
Pioneira na natação feminina na sua terra, Imelda começou, entretanto, a treinar oito crianças locais quatro vezes por semana na piscina do Hotel Pousada, em Baucau. "A natação ensinou-me muito e quero transmiti-la aos mais jovens do meu país. Somos um país pequeno, mas isso não significa que não possamos ter grandes sonhos", disse ao "The Straits Times".
Esta sexta-feira vai cumprir mais um. Estará na pista 4 da primeira eliminatória dos 50m livres - e nem sequer é a atleta com o pior tempo.
Com um recorde pessoal de 34,13 segundos, Imelda ainda tem atrás dela a sudanesa Haneen Ibrahim, com 34,81s, que esteve presente nos Jogos Olímpicos do Rio 2016, onde foi 84.ª com um tempo de 36,25s, na mesma prova. Mas a pior marca dos 50m livres, em Tóquio, é da nadadora do Burundi Odrine Kaze (34,97s) que vai competir na mesma eliminatória.
A jovem timorense que tem como ídolo a estrela americana Katie Ledecky, tem noção do valor das outras atletas - basta dizer que o recorde mundial dos 50m livres, que pertence à sueca Sarah Sjoestroem, está nos 23,67s -, mas espera inspirar futuros atletas da sua pequena nação.
Imelda carrega o peso de um apelido - D. Carlos Ximenes Belo, bispo emérito, ganhou o Nobel da Paz em 1996, juntamente com José Ramos-Horta -, e pode tornar-se num dos heróis anónimos dos Jogos Olímpicos, representando uma antiga colónia portuguesa, com 15.000m2 e apenas 1,2 milhões de habitantes, mais habituada a ter holofotes por causa de agitações políticas do que pelo sucesso desportivo.