Foi expulso por falar com Jorge Fonseca durante o combate
"São momentos difíceis, mas as regras são bem claras, os treinadores só podem falar quando o combate está parado, mas achei que ele precisava de uma motivação extra e os sentimentos ali a 30 segundos de ganhar uma medalha nos Jogos são praticamente incontroláveis e foi isso que aconteceu. Não consegui cumprir as regras, infelizmente, e fui bem expulso. Mas também penso que a minha expulsão valeu a pena porque ajudou a terminar o combate e a segurar a vantagem para ganhar a medalha".
A relação entre treinador e judoca
"Esta sinergia que nós temos é uma coisa que demora muitos anos a conquistar, acompanho o Jorge desde miúdo, são 15 anos de ligação dentro e fora do tapete. Esta ligação e esta conetividade que se mantém mesmo não estando juntos fisicamente é algo que demora muito tempo a conquistar, mas é algo que nós felizmente temos. Eu comunico com o Jorge praticamente com o olhar, embora algumas vezes o olhar não chegue quando é preciso transmitir a parte técnica e tática. Consegue-se com muitos anos de ligação".
O judoca que é Jorge Fonseca
"O Jorge é um atleta de exceção, é um talento. Não é possível fazer aquilo que o Jorge faz hoje começando a fazer judo tão tarde se não tivesse nascido um talento em pessoa. A partir daí, tendo um talento à nossa frente, é preciso enquadrá-lo, estruturá-lo, adaptar este desporto à sua morfologia e não vejo nenhuma desvantagem em ser mais baixo. Aliás, os últimos três campeões olímpicos nesta categoria são todos mais ou menos do tamanho dele.
Vejo até grandes vantagens, o centro de gravidade é mais baixo, é mais difícil cair, a velocidade e a explosão é mais fácil de colocar dentro do tapete porque ele lança-se para baixo com mais velocidade, muitas vezes os adversários nem o conseguem ver. Tem as desvantagens, que são as alavancas dos adversários vindas por cima e ele tem de começar o combate com a preocupação de baixar essas alavancas e não se deixar controlar. A partir daí, está no campo dele e fica tudo muito mais fácil. O que fizemos foi mesmo isso, adaptar a morfologia dele a este desporto, mas como lhe digo o Jorge é mesmo fenómeno".
A medalha de bronze
"Nós estamos contentes, mas não estamos satisfeitos, não estou satisfeito porque sei que o Jorge era, em potência, um dos grandes candidatos ao ouro. Hoje, agora, à vossa frente, posso dizer, não disse antes porque achei que não deveria dizer, não era necessário para não colocar pressão, nem nele, nem em mim. Agora, estou à vontade para dizer.
Até a meia-final, podia ter caído para qualquer um dos lados, só não caiu para o nosso. Perdemos bem mas não fiquei plenamente satisfeito, estou só contente porque a carreira do Jorge está a ter uma consistência bonita, está a ter uma consistência muito aceitável. Dois títulos de campeão do mundo e agora uma medalha olímpica, ele começa a construir um império muito bom para ele, para a história e para a carreira, porque a vida de atleta passa rápido e quando olhamos para trás fica aquilo que conseguimos conquistar e está a conquistar muito. Isto vem dar uma sequência lógica ao que temos feito mas não nos deixa completamente satisfeitos, só contentes"
O caso especial do judoca português
"O Jorge é um atleta que já estava estudado até antes desse primeiro Campeonato do Mundo que ganhou. Aquilo que se passou depois de ele vencer esse Mundial de 2019 sem ser um dos candidatos, e esse sim deixou-me bastante feliz, contente e realizado porque ele era um outsider, foi que, e penso que não deve haver problemas em falar nisso, foi que não conseguiu lidar muito bem com o título de campeão do mundo. Aquele dorsal vermelho que ele passou a usar pesou muito, em todas as decisões e ataques que tomava no tapete. Ele não se conseguia encontrar, ele não conseguia ser o Jorge porque estava pressionado.
Foi preciso passar alguns meses duros, em que as coisas não aconteciam, em que toda a gente queria ganhar e ele não conseguia manter o resultado desse Campeonato do Mundo. Entretanto, veio a Covid, tivemos tempo para refletir sobre isso, tivemos a ajuda da doutora Ana Ramires nesta fase final do ciclo e conseguiu voltar a superar-se".
A superação após os títulos mundiais
"Sobretudo, o Jorge voltou a conseguir ser o atleta que é. Para se ter resultados deste nível, um atleta não pode ter medo de falhar e basicamente o que se passou com o Jorge depois de 2019 foi que tinha medo de falhar".
Aquele tempo de espera entre a meia-finai e o combate para o bronze
"É mau, é mau... Este desporto nesta fase atira dois atletas para cima e manda dois atletas para baixo. Os que perdem as meias-finais vêm para baixo, os que ganharam nas repescagens vêm para cima e encontram-se num combate para o bronze. Quem vem de baixo vem de uma derrota, aquilo é preciso ser digerido, mastigado em 20 ou 25 minutos.
Não é fácil levantar moral porque este é um nível elevadíssimo e sabíamos que ia ser um combate muito difícil para o bronze porque não teve muito tempo para repousar nem para colocar a cabeça no lugar. Portou-se como um campeão, conseguiu entrar digerindo a derrota na meia-final. E porquê? Porque ele sabia que podia ter passado à final. Se soubesse que não tinha nível para chegar à final, talvez tivesse ficado contente porque ia lutar pelo bronze. Este desporto é mesmo isto, para além das capacidades técnicas, é preciso saber lidar com todos estes sentimentos".