Perfil

Jogos Olímpicos

Bem-vindos aos mais kafkianos dos Jogos

É entre as dificuldades para entrar no país, o medo pandémico e a insatisfação dos locais que Tóquio 2020 arranca esta sexta-feira, com a cerimónia de abertura marcada para as 12 horas portuguesas

Kim Kyung-Hoon/REUTERS

Partilhar

"Isto parece saído de um livro de Kafka.” A frase é atirada em sonoro e expressivo italiano por um veterano jornalista da televisão pública da Suíça, já entre a frustração e a ansiedade, algures à entrada da quinta hora de espera no aeroporto de Narita. O tortuoso e burocrático processo para colocar o pé em Tóquio em pleno estado de emergência tira do sério até o mais santo dos seres humanos, e por esta altura já se contam duas horas numa fila logo à saída do avião, pelo menos três controlos de documentos, mais um teste PCR e nova espera de duas horas por um resultado. Tudo depois de um voo de 12 horas para chegar ao outro lado do mundo. A seguir ao desabafo em italiano, ainda se seguiriam mais três controlos até à tão aguardada liberdade condicional, a única que qualquer participante nos Jogos Olímpicos de Tóquio terá de hoje, dia oficial do arranque, até ao final, a 8 de agosto.

No meio daquele labirinto, é impossível que nas nossas cabeças não comecem a ressoar as palavras de José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal, que por estes dias falava dos desafios de competir e trabalhar num país que “não nos quer cá”. Os japoneses continuam diligentes e preocupados, mas é difícil ver neles o entusiasmo que geralmente invade as faces dos outros povos na hora de receber grandes competições. As aplicações de telemóvel criadas para facilitar a entrada de atletas, staff e jornalistas no Japão chegaram tarde — e não chegaram para toda a gente. Incontáveis e-mails de gente assoberbada pelas exigências das autoridades japonesas ainda estão por responder. E, em consequência, amontoam-se os papéis nas secretárias, as horas de espera, as filas, as aglomerações de gente. Na ânsia de tanto controlar a propagação da covid-19, as regras nipónicas parecem ter colocado um pedregulho enorme na engrenagem de toda a gente.