Nos Jogos Olímpicos, ou em qualquer parte do mundo, há um problema na ordem do dia: a pandemia causada pela covid-19. Mas há situações para as quais nem a pandemia é desculpa. Entre restrições, controlos, recintos fechados e a obrigatoriedade de viver numa ‘bolha’ durante toda a competição, a organização exige ainda a algumas atletas que façam uma escolha difícil: a carreira ou os filhos?
Elas são mães e atletas. Mas os Jogos Olímpicos pedem-lhes que sejam mães ou atletas.
O Japão impede a entrada no país a residentes de mais de 150 países, o que significa que os habitantes da maioria das nações representadas nos Jogos Olímpicos não podem simplesmente viajar para Tóquio, “a menos que sejam encontradas circunstâncias excecionais”, explicam as autoridades daquele país.
Se mães afastadas dos seus filhos não é uma circunstância excecional, o que é?
Kim Gaucher, num vídeo publicado nas redes sociais, lançou o alerta: “Tóquio disse não aos amigos, não à família, sem exceções". A jogadora de basquetebol, natural do Canadá, é mãe de Sophie, de três meses, e ainda está a amamentar. São 28 dias que a equipa vai estar fora por causa dos Olímpicos e, até perto do final do mês passado, Kim ainda não sabia se iria conseguir levar a filha.
Pensou em todas as soluções, entre elas deixar um stock de leite para 28 dias...
Impossível, no seu caso.
“Eu não tenho leite suficiente em mim para treinar como uma atleta de alto nível, voltar a estar em forma e alimentá-la atualmente, enquanto estou a armazenar leite para 28 dias”, explicou no mesmo vídeo.
Todas as vezes que tentou recorrer da decisão, recebeu respostas animadoras, mas nada foi concretizado. Até que recorreu à Internet e a repercussão que o tema teve na imprensa mundial levou a organização a tomar uma atitude.
No início de julho, a organização dos Jogos anunciou que as mães que ainda se encontram a amamentar poderão levar os bebés para Tóquio. É lá que Kim e Sophie estão neste momento.
Ainda assim, as exigências feitas pelo Governo japonês continuam a dificultar a situação.
Ona Carbonell, capitã da equipa de natação sincronizada espanhola, por exemplo, anunciou na passada segunda-feira, também num vídeo publicado nas redes sociais, que não vai levar o filho Kai para Tóquio. Após fazer o pedido, o Comité Olímpico Internacional até lhe deu uma resposta positiva, mas realçou que as regras não foram impostas por eles, mas sim pelo Governo.
Ou seja, para Carbonell ter consigo Kai e o marido, Pablo, em Tóquio, eles teriam que ficar num hotel numa localização ainda por determinar, não poderiam sair do quarto durante os dias que lá estivessem e, para a amamentação, teria que ser a nadadora a deslocar-se a esse local, abandonando a aldeia olímpica.
Por um lado, porque não acha adequado ter que deixar a família fechada num quarto durante tantos dias e, por outro, porque considera que poderia colocar a sua equipa em risco por deixar regularmente a ‘bolha’, Ona foi obrigada a tomar a decisão de viajar para Tóquio sem o filho.
A britânica Naomi Folkard considera que a mudança em relação à decisão inicial pecou por tardia, uma vez que já se tinha visto obrigada a pôr em prática um plano para garantir os cuidados da filha, Emily.
Para a atleta de tiro com arco, a preparação para os Jogos consistiu em bombear e congelar cerca de 80 biberões de leite materno para que a sua filha pudesse ser alimentada durante toda a competição.

Naomi Folkard
Michael Steele
Ao contrário de Ona Carbonell, a informação que Naomi recebeu é que apenas poderia estar com Emily numa sala perto da aldeia olímpica, o que considerou muito limitado. A atleta optou por manter o seu plano e não levar a filha para Tóquio.
“Apesar de terem feito algo, é muito limitado. Só poderíamos encontrar os nossos bebés numa sala perto da aldeia olímpica, não poderia passar muito tempo com ela”, explicou Naomi em declarações ao "Sportsmail".
Charlie é a filha da norte-americana Alex Morgan. Com apenas um ano tem um passaporte de fazer inveja a muita gente, visto que acompanha a mãe desde que nasceu. Desde a mudança para Inglaterra quando Alex vestiu a camisola do Tottenham até às deslocações que a seleção feminina dos EUA fez para preparar os Jogos Olímpicos. Mas há um carimbo em falta: o de Tóquio.

Alex Morgan e Charlie
Brad Smith/ISI Photos
Sete dias antes da viagem, a jogadora ainda não sabia se poderia ou não levar a filha e desabafou nas redes sociais: “Somos mães olímpicas a dizer-vos que é NECESSÁRIO [levarmos os nossos filhos]. Não fui contactada para poder levar a minha filha comigo para o Japão e partimos dentro de sete dias”, lê-se nas redes sociais da avançada dos Orlando Pride, numa publicação de 30 de junho.
Morgan foi uma das muitas mães que, uma vez que já não estão a amamentar, se viram impossibilitadas de viajar com os filhos. Mesmo que eles tenham apenas um ano.
Há ainda o exemplo de Serena Williams. A tenista norte-americana não apresentou o facto de não poder levar a filha, Olympia, como justificação para a sua ausência no Japão, mas quando questionada pela NBC se iria aos Jogos caso isso implicasse ficar separada da filha de três anos, Serena respondeu: “Eu nunca passei 24 horas sem ela, isso responde à pergunta”.
As 'mães olímpicas' fizeram o apelo e todas as mães do mundo subscrevem: é hora de normalizar o facto de as mães trabalharem. Se elas encontram formas de conciliar tudo aquilo a que se propõem, não há motivos para quem está de fora criar barreiras aos planos que traçam para que isso aconteça.
Até que esse dia chegue, há uma série de mães a representar os seus países em Tóquio. E, como disse Alex Morgan na mensagem que deixou a Charlie, a fazer com que valha a pena.