Quando já nada está em cima da mesa para conquistar, resta aos futebolistas e a quem orbita à volta de uma equipa de futebol o alívio por a época chegar ao fim. Pressão, lesões, quilómetros, duelos, chuvadas, calor, pancadas, insultos, sprints, dúvidas, arrependimentos, lamentos, alegrias, infortúnios e tantas outras coisas. O ano futebolístico já vai longo e, finalmente, chegou ao fim, não sem antes os cartolas da Liga oferecerem uma last dance às 21h15 de sexta-feira, debaixo de chuva.
O Sporting venceu o derradeiro jogo do campeonato em Vizela, por 2-1, num jogo em que se manteve a toada competitiva e a dignidade. Os senhores da casa, que mesmo perdendo assinaram a melhor pontuação de sempre (40), ainda suspiravam por escalar uns lugares na classificação. Já a equipa de Rúben Amorim não passaria do quarto lugar. Foram 74 pontos, depois de 23 vitórias, cinco empates e seis derrotas, com 71 golos marcados e 32 sofridos. Os leões pecaram demasiado na primeira volta, impossibilitando andar na bulha do título por esta altura. Pior: a terceira vaga para a Liga dos Campeões foi agarrada por Sp. Braga.
Antes do apito inicial e em noite de despedida, Kiki Afonso, o capitão, foi celebrado por ter alcançado os 100 jogos no clube. A família apareceu no relvado, as lágrimas lotaram os seus olhos. No final voltaria a ser acarinhado – “Foi um dia muito difícil emocionalmente”. O ambiente antes do jogo não fazia prever um ou outro sururu que aconteceria durante os 90 minutos.
Amorim avisou, na véspera, que todos os jogadores vão começar a próxima época do mesmo patamar, sem pedestais. Mas isso não invalida que este jogo em Vizela tenha sido uma espécie de jogo -1 da temporada 2023/24. É que, depois de ter assumido no passado recente ter apostado em Héctor Bellerín para tomar decisões, desta vez colocou em campo Franco Israel, que já fora titular com o Benfica e que ameaça definitivamente o protagonismo de Antonio Adán, e Dário Essugo, o menino que estará a sentir a responsabilidade de se mostrar numa altura em que a saída de Manuel Ugarte é certa.
Também Sebastián Coates, o capitão e o senhor dos senhores do balneário, terá de convencer Rúben Amorim. É que a concorrência é muito forte na defesa, com jovens com qualidade e com um avassalador atleticismo. O primeiro golo da noite foi uma ratoeira ou uma lição para as ideias futuras. Kiko Bondoso pegou na bola no meio-campo e lançou Milutin Osmajic, uma fera a atacar os espaços, e o uruguaio foi incapaz de acompanhar – golo do montenegrino. O central é impecável em muitíssimas áreas da sua labuta, mas, quando fica exposto a uma área enorme para cobrir e, pior, em correrias desenfreadas, há problemas, um facto que não impede a equipa de manter sempre as linhas subidas. Com Ousmane Diomande, Jeremiah St. Juste, Gonçalo Inácio e Matheus Reis à disposição, Rúben Amorim terá decisões importantes e interessantes para tomar. Convém também não subestimar a qualidade e a voz de liderança de Coates.
Depois de Osmajic fugir mais uma vez, mas acabar por ser controlado decentemente, o Sporting empatou. Pedro Gonçalves, sempre irrequieto e a procurar agitar as coisas, bateu o canto e Gonçalo Inácio deixou tudo empatado. O central voltou ao lado direito da defesa e, como é habitual, mostrou bons pormenores técnicos.

MANUEL FERNANDO ARAUJO
O controlo do jogo estava nas botas dos rapazes que viajaram de Lisboa. A bola ia saltando de leão em leão, mas definitivamente preferia os pés de Hidemasa Morita. É uma maravilha ver o japonês jogar. Às vezes parece estar a jogar sob gelo, tal é a subtileza com que se move, ganha espaço, desvia adversários, toca, foge e aparece em zonas baldias.
Do outro lado havia uma postura mais defensiva e reativa, é certo, mas o Vizela sabe jogar futebol e gosta de sair a tocar a bola desde zonas recuadas. A fluidez nos passes e nas triangulações, as sociedades em campo e a qualidade técnica são gritantes neste grupo orientado por Tulipa. Guzzo, Samu e Kiko Bondoso costumam ser os melhores amigos da bola. Na reta final da primeira parte, o Vizela mostrou os dentes, mas foi um mero fogacho. Ainda assim, do outro lado estava um competente rival, como afirmaria Tulipa na flash interview (“toda a gente lhes conhece as dinâmicas, mas são difíceis de parar”).
O segundo tempo teria um Sporting ainda mais dominador, com muita bola, mas nem por isso com grandes ideias para furar a linha defensiva dos vizelenses. Paulinho, outrora muitíssimo elogiado pelo que dava à equipa na construção e nas combinações, está a perder essa afinidade com os colegas, então também ele estará sob um escrutínio que costuma ser impetuoso e brutal. A entrada de Marcus Edwards ajudou a apimentar o já amorfo jogo. Essugo, debaixo de lupa e a quem será exigido outro tipo de intervenção em jogadas como no 1-0, foi substituído pelo inglês, o que empurrou Pedro Gonçalves para trás, o que foi mui útil para a equipa e para quem gosta de ver bom futebol. É um futebolista talentoso.
O médio-avançado-faz-tudo sacudiu o jogo mais do que uma vez. Para além do que fez para colocar os colegas em vantagem, tentou marcar um golaço, de fora da área, a Fabijan Buntic. Mais tarde, com um microfone à frente, explicaria que aqueles jogadores queriam jogar pelo orgulho. Não havia lugares para subir ou descer, por isso era “importante” ter esta postura. Voltou a referir a palavra “orgulho”. E amor à camisola.
Talvez por isso, por uma antecipada justiça poética pelas palavras certeiras que estariam por sair-lhe da garganta, tenha sido Pedro Gonçalves quem inventou o golo que deu mais uma vitória ao Sporting, numa altura em que já estavam em campo Chermiti e Bellerín. Pote furou pelo meio, deixou um adversário no chão, tocou subtilmente na bola e avançou. Sacou um cruzamento, algo que nem estava a sair especialmente bem, e a bola preferiu beijar a bota de um defesa. Ivanildo foi infeliz e meteu a bola na própria baliza.
E o alívio voltou a sentir-se, pelo menos para um lado. É que, tal como diriam Pedro Gonçalves e Rúben Amorim no final do jogo, é preciso aprender a viver assim: seja treino ou jogo, é preciso ganhar, querer, ter fome. Esta noite, com nada em jogo, a não ser o tal orgulho, foi isso que se viu.