Perfil

Futebol nacional

Orgulho e inconformismo, por Pedro Gonçalves

O Sporting venceu esta noite o Vizela, por 2-1, na última jornada da Liga Portuguesa e teve em Pedro Gonçalves a bússola para encontrar caminhos e não encolher os ombros. Mais tarde, mesmo sem lugares ou objetivos para conquistar, o médio-avançado-faz-tudo explicaria na flash interview que havia que jogar pelo orgulho

Hugo Tavares da Silva

MANUEL FERNANDO ARAÚJO

Partilhar

Quando já nada está em cima da mesa para conquistar, resta aos futebolistas e a quem orbita à volta de uma equipa de futebol o alívio por a época chegar ao fim. Pressão, lesões, quilómetros, duelos, chuvadas, calor, pancadas, insultos, sprints, dúvidas, arrependimentos, lamentos, alegrias, infortúnios e tantas outras coisas. O ano futebolístico já vai longo e, finalmente, chegou ao fim, não sem antes os cartolas da Liga oferecerem uma last dance às 21h15 de sexta-feira, debaixo de chuva.

O Sporting venceu o derradeiro jogo do campeonato em Vizela, por 2-1, num jogo em que se manteve a toada competitiva e a dignidade. Os senhores da casa, que mesmo perdendo assinaram a melhor pontuação de sempre (40), ainda suspiravam por escalar uns lugares na classificação. Já a equipa de Rúben Amorim não passaria do quarto lugar. Foram 74 pontos, depois de 23 vitórias, cinco empates e seis derrotas, com 71 golos marcados e 32 sofridos. Os leões pecaram demasiado na primeira volta, impossibilitando andar na bulha do título por esta altura. Pior: a terceira vaga para a Liga dos Campeões foi agarrada por Sp. Braga.

Antes do apito inicial e em noite de despedida, Kiki Afonso, o capitão, foi celebrado por ter alcançado os 100 jogos no clube. A família apareceu no relvado, as lágrimas lotaram os seus olhos. No final voltaria a ser acarinhado – “Foi um dia muito difícil emocionalmente”. O ambiente antes do jogo não fazia prever um ou outro sururu que aconteceria durante os 90 minutos.

Amorim avisou, na véspera, que todos os jogadores vão começar a próxima época do mesmo patamar, sem pedestais. Mas isso não invalida que este jogo em Vizela tenha sido uma espécie de jogo -1 da temporada 2023/24. É que, depois de ter assumido no passado recente ter apostado em Héctor Bellerín para tomar decisões, desta vez colocou em campo Franco Israel, que já fora titular com o Benfica e que ameaça definitivamente o protagonismo de Antonio Adán, e Dário Essugo, o menino que estará a sentir a responsabilidade de se mostrar numa altura em que a saída de Manuel Ugarte é certa.

Também Sebastián Coates, o capitão e o senhor dos senhores do balneário, terá de convencer Rúben Amorim. É que a concorrência é muito forte na defesa, com jovens com qualidade e com um avassalador atleticismo. O primeiro golo da noite foi uma ratoeira ou uma lição para as ideias futuras. Kiko Bondoso pegou na bola no meio-campo e lançou Milutin Osmajic, uma fera a atacar os espaços, e o uruguaio foi incapaz de acompanhar – golo do montenegrino. O central é impecável em muitíssimas áreas da sua labuta, mas, quando fica exposto a uma área enorme para cobrir e, pior, em correrias desenfreadas, há problemas, um facto que não impede a equipa de manter sempre as linhas subidas. Com Ousmane Diomande, Jeremiah St. Juste, Gonçalo Inácio e Matheus Reis à disposição, Rúben Amorim terá decisões importantes e interessantes para tomar. Convém também não subestimar a qualidade e a voz de liderança de Coates.

Depois de Osmajic fugir mais uma vez, mas acabar por ser controlado decentemente, o Sporting empatou. Pedro Gonçalves, sempre irrequieto e a procurar agitar as coisas, bateu o canto e Gonçalo Inácio deixou tudo empatado. O central voltou ao lado direito da defesa e, como é habitual, mostrou bons pormenores técnicos.

MANUEL FERNANDO ARAUJO

O controlo do jogo estava nas botas dos rapazes que viajaram de Lisboa. A bola ia saltando de leão em leão, mas definitivamente preferia os pés de Hidemasa Morita. É uma maravilha ver o japonês jogar. Às vezes parece estar a jogar sob gelo, tal é a subtileza com que se move, ganha espaço, desvia adversários, toca, foge e aparece em zonas baldias.

Do outro lado havia uma postura mais defensiva e reativa, é certo, mas o Vizela sabe jogar futebol e gosta de sair a tocar a bola desde zonas recuadas. A fluidez nos passes e nas triangulações, as sociedades em campo e a qualidade técnica são gritantes neste grupo orientado por Tulipa. Guzzo, Samu e Kiko Bondoso costumam ser os melhores amigos da bola. Na reta final da primeira parte, o Vizela mostrou os dentes, mas foi um mero fogacho. Ainda assim, do outro lado estava um competente rival, como afirmaria Tulipa na flash interview (“toda a gente lhes conhece as dinâmicas, mas são difíceis de parar”).

O segundo tempo teria um Sporting ainda mais dominador, com muita bola, mas nem por isso com grandes ideias para furar a linha defensiva dos vizelenses. Paulinho, outrora muitíssimo elogiado pelo que dava à equipa na construção e nas combinações, está a perder essa afinidade com os colegas, então também ele estará sob um escrutínio que costuma ser impetuoso e brutal. A entrada de Marcus Edwards ajudou a apimentar o já amorfo jogo. Essugo, debaixo de lupa e a quem será exigido outro tipo de intervenção em jogadas como no 1-0, foi substituído pelo inglês, o que empurrou Pedro Gonçalves para trás, o que foi mui útil para a equipa e para quem gosta de ver bom futebol. É um futebolista talentoso.

O médio-avançado-faz-tudo sacudiu o jogo mais do que uma vez. Para além do que fez para colocar os colegas em vantagem, tentou marcar um golaço, de fora da área, a Fabijan Buntic. Mais tarde, com um microfone à frente, explicaria que aqueles jogadores queriam jogar pelo orgulho. Não havia lugares para subir ou descer, por isso era “importante” ter esta postura. Voltou a referir a palavra “orgulho”. E amor à camisola.

Talvez por isso, por uma antecipada justiça poética pelas palavras certeiras que estariam por sair-lhe da garganta, tenha sido Pedro Gonçalves quem inventou o golo que deu mais uma vitória ao Sporting, numa altura em que já estavam em campo Chermiti e Bellerín. Pote furou pelo meio, deixou um adversário no chão, tocou subtilmente na bola e avançou. Sacou um cruzamento, algo que nem estava a sair especialmente bem, e a bola preferiu beijar a bota de um defesa. Ivanildo foi infeliz e meteu a bola na própria baliza.

E o alívio voltou a sentir-se, pelo menos para um lado. É que, tal como diriam Pedro Gonçalves e Rúben Amorim no final do jogo, é preciso aprender a viver assim: seja treino ou jogo, é preciso ganhar, querer, ter fome. Esta noite, com nada em jogo, a não ser o tal orgulho, foi isso que se viu.