Tudo começou numa noite qualquer quando partilhou com os amigos que se ia meter na arbitragem. Tinha visto uma publicação no Instagram a dar conta de um curso de iniciação para aquela atividade. Disseram-lhe que estava a ter “uma epifania”. Em casa, a cantiga foi ligeiramente diferente: “Vais meter-te nisso? És maluco”, respondeu-lhe a mãe, que lhe tinha sugerido arranjar um trabalho para preencher as horas vagas e moles do gap year na faculdade. Além disso, uma lesão grave no cóccix retirou-lhe durante um ano o futebol jogado. Um apito e um fôlego de cada vez: porque não?
“Nunca pensei ser árbitro de futebol. Entretanto voltei a jogar na universidade, mas a arbitragem tem sido a minha prioridade”, conta Miguel Paredes, de 20 anos. Este aluno de História está na segunda temporada como árbitro. Tem sido “uma experiência desafiadora”, garante. A forma como se expressa é madura e muitíssimo fluída. A voz tem peso, o entusiasmo é quase emocionante. “Claro que o principal na arbitragem é ter sempre atenção à gestão de expectativas das pessoas que estão lá dentro, mas também temos de inibir um pouco os nossos impulsos nervosos e a nossa vontade de agir rapidamente. É uma grande responsabilidade. Tem sido um balanço super positivo.”
A Tribuna Expresso fala com Paredes antes do treino na Academia Militar, no centro de Lisboa, que tem um protocolo com a Associação de Futebol de Lisboa. Esta entidade está a encerrar mais um curso de iniciação de arbitragem. Este fim de semana cumprem-se as derradeiras provas físicas e escritas e ainda o relatório de jogo. O timing da conversa é oportuno e lamentável ao mesmo tempo: há poucos dias, três árbitros foram agredidos em jogos de futebol, sendo que um desses episódios aconteceu num jogo de sub-10.
Miguel, que começou nestas andanças com apenas 19 anos, revela que alguns pais estragavam o que deveria ser o futebol juvenil. A clareza deste pensamento recebeu-a quando viu uma mãe a insultar o seu assistente num jogo e, cinco minutos depois, viu o filho que estava ao seu colo a usar as mesmas palavras para dizer o mesmo. “Eram coisas absurdamente mal educadas”, recorda. “Esse momento marcou-me muito. Percebi que os filhos são a imagem dos pais. Há pais que não sabem estar e que dificultam o trabalho dos árbitros.” Os insultos e os gritos por vezes até são mais audíveis em jogos de sub-10 e sub-11, “em que nem se contam os golos”, revela.
Este jovem árbitro diz que o insulto é “o pão nosso de cada dia”. Considera, ainda assim, que a banalização dessa agressão e da violência é algo “estranho” e “mau”. A história mais complicada viveu-a num torneio de seniores, num relvado lisboeta. “Estava a ser um jogo super pacífico e controlado, até que há um penálti que me pareceu claro, assinalei e fui agredido por um jogador”, desbobina a lembrança. “Eu ainda tinha 19 anos, ele tinha 45. Agarrou-me o braço, cravou-me as unhas. Disse que eram árbitros como eu que estragam a carreira a jogadores e que se eu não tivesse cara de miúdo matava-me ali. Foi complicado. Graças a Deus não fiquei traumatizado, nem me perturbou demasiado, mas marcou o meu início de carreira.”