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Mafra-FC Porto. Do cabaré para o convento, eis Eustáquio

O médio nascido no Canadá, regressado em criança à Nazaré e que foi mudando de lugares mostrando-se a construir jogadas é hoje quem se multiplica em corridas para dentro da área, para ser quem as finaliza. Stephen Eustáquio deixou um golo e uma assistência no 0-3 com que o FC Porto ganhou em Mafra e seguiu para os oitavos-de-final da Taça de Portugal. Sérgio Conceição foi expulso

Diogo Pombo

DeFodi Images

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O definidor maior da nossa vida é a terra onde nascemos, ainda mal vemos, não sabemos falar e nem consciência temos do que nos rodeia e já somos impotentes perante essa introdução à verdadeira noção de sorte e azar. Stephen Eustáquio brotou para a sua existência em Leamington, fica no Canadá, para onde emigrara a família que o fixou, em criança, na Nazaré quando regressaram a Portugal já com o filho duplicado na cidadania que lhe permitiu escolher, há três anos, representar o país que dedica a maioria das vibrações do seu povo a modalidades que deslize sobre o gelo.

Também nas andanças futebolísticas os lugares podem servir de fator-x, serem os grandes determinadores de carreiras e Eustáquio, ainda gaiato, num ano saltou da terceira para a primeira divisão, pulando do Torreense para o Leixões e depois Chaves. Foi sempre mais e mais para norte até se mostrar, descaradamente, como um 6 de pé refinado, um médio carinhoso da bola, primeiro filtro de jogadas à frente da defesa e que esmiuçava, depois, os passes feitos num jogo com os seus técnicos e com um fraquinho por estatísticas e percentagens. De Trás-os-Montes seguiu para o Paços de Ferreira, onde se deu a extravagância de uma mudança rumo ao Cruz Azul, do México, lugar que o presenteou com o azar ao qual já iremos.

Pulando nós com um valente trampolim, o luso-canadiano que ao FC Porto chegou como alguém que matuta o início das posses de bola é o médio que se farta de correr área adversário dentro, correndo em diagonais em quase todas as jogadas e em direção ao lado onde está quem tem o bem precioso nos pés. Esse é o lugar que hoje parece definir um Stephen Eustáquio diferente, um que Sérgio Conceição moldou para, em Mafra, repetir o que muito tem feito esta época: aos 4’ remata no fim de um desses movimentos, aos 23’ também, com 32’ quase marca numa tentativa à entrada da área pouco antes de o fazer aos 38’, ao sprintar de rompante rumo à baliza.

Esse é segundo golo, o primeiro é de Marcano que é assistido por ele, num canto onde a marcação à zona do Mafra é esburacada com um simples movimento feito por um central para libertar o outro. O jogo do FC Porto não é Stephen Eustáquio, longe está de possuir tal influência nos primórdios das jogadas, onde se escolhe por onde ir, ou nos lugares onde se define o último passe, o lugar de Eustáquio foi sendo maturado nos últimos seis meses da época anterior para nesta surgir assim, intenso e rotativo a correr metros quadrados mais alargados de relva.

ANTONIO COTRIM/LUSA

Fá-lo, mais uma vez, contra um Mafra que faz o que pode perante as naturais distinções entre o 2.º classificado da primeira liga e o 11.º da segunda, notam-se as intenções trabalhadas em atrair a pressão para procurar as receções em apoio de Diogo Almeida para, depois, tentar colocar o talentoso pé esquerdo de Pité em jogo e de frente para a baliza. Os de verde da cintura para baixo e amarelados na camisola aproximam-se algumas vezes da baliza de Cláudio Ramos, o referido canhoto tem um remate que rasa o poste antes do intervalo e, na segunda parte, o tal avançado desperdiça uma oportunidade nas barbas da mancha feita pelo guarda-redes portista.

Acontece pouco antes da hora da partida e vem de um passe que Eustáquio, na saída de bola, tenta dar de primeira e sem olhar, erro nada associado ao azar como o que teve no México, outro lugar definidor onde rompeu o ligamento de um joelho ao segundo jogo pelo Cruz Azul. Recuperou para de lá sair e cumprir as duas épocas e meia seguintes no Paços de Ferreira com o futebol vistoso, técnico e criterioso que levou o FC Porto a contratá-lo para o treinador que o está a transmutar o tirar meros minutos após aquele mau passe. Ainda nem Eustáquio estaria de casaco vestido no banco quando Sérgio Conceição viu ser-lhe mostrado um cartão vermelho direto por pontapear, furiosamente, uma bola que saiu do campo no sítio onde ele se situava, em pé.

Os lugares, de novo, todo-influenciadores do desenrolar de eventos embora este nada tenha esmorecido a superioridade que o FC Porto exercia. O resto do jogo foi uma acalmia trabalhada pela equipa, rodando as posses de bola quando um lado do campo estava tapado, fazendo os jogadores do Mafra correrem e tendo a paciência para encontrar um ponto na jogada em que o primor dos toques de Otávio ligassem combinações com Evanilson e Danny (primeiro) ou Pêpê e Toni Martínez (depois). Ou onde fosse possível dar soltura ao frenesim de Galeno em ir para cima de adversários para os driblar.

O terceiro golo, feito pelo brasileiro (73’) numa recarga bombástica a um remate ao poste de Martínez, surge quando o próprio já tinha experimentado um disparo forte com o mesmo pé esquerdo e uma conspiração à futebol de praia entre uma trivela de Wendel, a cabeça de Otávio e a testa de Marcano esbarrou na parada do guarda-redes Renan Bragança. A capacidade do Mafra em tentar pressionar alto para tentar condicionar o FC Porto logo na saída de bola dos centrais abolira-se há muito, esgotada pelas diferenças cada vez mais evidentes e maiores do que a menção de ali se terem encontrado um semifinalista e o vencedor da última edição da Taça.

Os dragões foram buscar a passagem aos ‘oitavos’ da Taça de Portugal ao Estádio Municipal de Mafra, distante em tão-só dois quilómetros do convento albergado pelo Palácio que é monumento nacional e sugere a ligação ao icónico filme feito três anos antes de Stephen Eustáquio vir ao mundo. Os lugares definem as pessoas, já o tiveram a crescer com números artísticos diversos aos que hoje o solidificam no FC Porto, na equipa onde, em vez de as construir, lhe é decrescentemente estranho entrar na área para finalizar jogadas.