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A extroversão de Marcus, o introvertido com quem se pode jogar de outra forma (crónica do Sporting-Vitória)

Antes da meia hora, o vimaranense Afonso Freitas foi expulso e Rúben Amorim tirou logo do banco Marcus Edwards e ganhou (3-0). Mas, e sobretudo e após o intervalo, para ter a equipa a jogar longe dos muitos cruzamentos, dos ataques constantes à profundidade e de variar muito o flanco onde tinha a bola. Com o inglês e outras experiências, o Sporting tentou atacar de maneira diferente

Diogo Pombo

JOSE SENA GOULÃO/LUSA

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A cara franzida com os olhos fechados pela espremidela conjunta dos músculos faciais, abrindo a boca enquanto os dentes se cerram uns contra os outros, é um instante quase extrapolável. Pedro Gonçalves acaba de rematar a bola com potência sem acertar na baliza, falha-a por uns bons dois metros depois de uma receção de caxemira e em suspensão, na área. E a face que fecha aos 18 minutos tem uma pintura de desilução-irritação porque ele, o bruá do estádio e quem está a ver noutras latitudes terão pensado algo semelhante.

Há dois anos, provavelmente na época passada também, o médio que se sportinguizou a atacante teria protocolarmente convertido a oportunidade no seu jeito tão Potês de rematar à baliza passando a bola ao alvo. Ao não aproveitá-la deu mais um rasgo de saudosismo, outro resquício de auras anteriores ao Sporting desta época em que as comparações com o visto antes na era de Rúben Amorim tem granjeado uma periodicidade quase semanal talvez fácil ilusão de focar análises no estanque 3-4-3 quando os sistemas não dizem tudo.

No futebol onde fidelizações ao que resultou confiando na repetição do sucesso são fatais, o Sporting, contudo, até estava fielmente a encostar o Vitória à sua baliza. A equipa era fiel porque, como tantas vezes no passada, queria atrair a pressão do adversário para os centrais ou uma saída de bola pela esquerda para, assim que fixada a atenção alheia, lançar logo um passe para Pedro Porro, o sempre projetado ala direito em quem mora uma rara aptidão para colocar bolas na área com bisturi. A que Pedro Gonçalves desaproveita é do espanhol, como a que Morita chuta contra Bruno Varela logo a seguir e muitas outra houve.

Ativos, também, numa forte reação à perda que abafava logo as saídas em passes curtos e jogadores próximos que os de Guimarães preferiam tentar quando recuperava a bola, os leões insistiram em deixar Porro a receber bolas nos últimos 30 metros e só com um adversário na frente. Foi o espanhol a amarela primeiro Afonso Freitas, o lateral que, pouco depois, colocaria a sola da chuteira na perda de Gonçalo Inácio para receber um segundo cartão (26’) e as antenas de Rúben Amorim captarem, de imediato, uma reação. Mal se deu a expulsão, o treinador tirou Nazinho para lançar Marcus Edwards.

O imediatismo da decisão e da mexida na equipa eram de um técnico contrastante, que decidiu agir logo, abdicar de um defesa a ala para ter um extremo driblador (Arthur Gomes) que fixa adversários nele para conviver com o fintador em espaços curtos, de bola colada ao pé, que é o inglês. Esta feitura fez bem à equipa: Porro fez um remate de cabeça que talvez desse em golo mesmo sem o desvio de Edwards (34’) e, na ressaca de um canto, o canhoto das poucas palavras picou suavemente o cruzamento que Morita transformou (40’) no 2-0.

JOSE SENA GOULÃO/LUSA

Quatro dias contados da eliminação da Liga dos Campeões, em Alvalade, jogando como que incapaz de se desamarrar das limitações, fazendo-as parecer quase algemas contra um Eintracht Frankfurt que lhe bloqueou as habituais intenções, o Sporting tinha ainda o conforto de meia partida num contexto que piscava o olho à recuperação de ânimos, à lavagem de uma alma já com calos de críticas esta época.

Refém do jogador a menos, o Vitória não se desviava do estilo de jogo com passes no pé e saídas da área com ligações curtas, ajeitando-se ainda mais à pressão dos leões e a perdas de bola no seu meio-campo sem chegar a Mikey Johnston, Ogawa ou Jota, os atacantes que acelerevam as jogadas. E o Sporting nunca deixou de carregar. Continuando Porro a ser o íman de quem saiam as tentativas aéreas de entrar na área, a partir da hora de jogo a equipa insistiu menos nos cruzamentos, tentando-se afastar do que tem sido uma redundância em vários encontros.

Com o 3-0 feito, intencionalmente, por Edwards, quando o inglês se apontou da direita para o centro rematou a bola que ainda desviou no corpo de Bamba, o treinador voltou redistribuir características na equipa para, quiçá, também lhe sugerir esse desvio comportamental. Ao destro Arthur que jogava na esquerda entrou Trincão para ser o canhoto encostado à direita, dois extremos a alas com pé trocado com declarada tendência para jogarem virados para o centro do campo e se associarem com outros jogadores - lá estavam Edwards e já Rochinha, outros dois que tabelam mais do que cruzam.

Viu-se um Sporting a matutar mais as posses de bola, tentar ligar jogo por dentro do campo, a forçar uma atração nos seus criativos dos espaços curtos para continuar a lançar gente nas costas da defesa, sim, mas após combinações e para eles, depois, passarem a bola na área ou cruzarem rasteiro de zonas mais perto da baliza. Não houve mais golos, só vários ‘quases’ no último passe e um anulado a Paulinho.

Teve o conforto de mais de uma hora com vantagem numérico e isso favoreceu as intenções, mas, com Paulinho apto para ser um foco de tabelas, Pote a alimentá-las e Marcus Edwards devolvido a zonas do campo onde a extroversão criativa em quem é tão introverso no trato fomenta coisas distintas no jogo da equipa, o Sporting mostrou o quão proveitoso lhe pode ser tentar abanar a organização adversário ligando os seus tipos mais talentosos em combinações curtas na órbita da área. Os leões começaram a insistir nos proveitos passados e acabaram a tentar valias futuras.