Perfil

Como jogam, quem joga, o que mudou: 2.ª parte do Guia da I Liga 2022/23

Futebol nacional

DeFodi Images

A I Liga 2022/23 arranca na sexta-feira e o analista Tomás da Cunha escalpeliza as 18 equipas: nesta segunda parte, saiba o que esperar de FC Porto, FC Vizela, GD Chaves, Gil Vicente, Marítimo e Paços de Ferreira

Partilhar

Tomás da Cunha

Tomás da Cunha

Analista e comentador de futebol

FC Porto

Os dragões recuperaram o título de forma autoritária, não só pelo recorde de pontos mas também pela transformação estilística que alguns nomes proporcionaram na equipa de Sérgio Conceição. Menos jogo direto, mais pensamento e perfume técnico na zona central. A ascensão de Vitinha – sempre protegido por Uribe - trouxe um lado mais cerebral ao futebol azul e branco. A inteligência táctica de Otávio criava vantagens por dentro e, enquanto houve Luis Díaz, o FC Porto teve um dos melhores desequilibradores que por cá passou nos últimos anos.

Conceição soube lidar com a perda impactante do colombiano (Pepê foi crescendo na temporada) em janeiro. Além do peso dos médios, cimentou uma dupla de alta complementaridade no ataque. Taremi, mais relacionado ao jogo entrelinhas e muitas vezes fazendo de terceiro médio sem bola, passou a estar envolvido na criação e Evanilson fixou-se como referência. Beneficiam-se mutuamente e dão garantias para a nova época. A produtividade de Fábio Vieira no último terço – passe e remate – também resolveu muitos problemas. Mais um exemplo da aposta na prata da casa, que já pedia outro protagonismo.

As saídas do plantel levantam dúvidas, até por ainda não haver reforços no meio campo, mas a maior certeza está no banco de suplentes. Sérgio Conceição oferece ao FC Porto uma consistência pontual difícil de acompanhar, perdendo mais ou menos jogadores – continuidade de Taremi e Otávio será desejo forte. Ainda assim, parece claro que há necessidades na zona central. Stephen Eustáquio e Grujic oferecem perfis diferentes ao treinador, mas dificilmente não entrará um médio de outro nível. David Carmo, que fica com o lugar de Mbemba, e Pepe têm a responsabilidade de suportar a pressão azul e branca. Os problemas físicos do veterano central podem atrapalhar ao longo da época. Pepê deve reforçar o protagonismo nesta temporada e Gabriel Verón, mesmo que passe por um período de adaptação, tem condições físicas e técnicas para se chegar à frente nesta temporada. Fica a curiosidade para perceber se jovens como Vasco Sousa, Bernardo Folha, Danny Loader e Gonçalo Borges vão somar minutos.

Jogador referência: Otávio/Taremi
Possível revelação: Gabriel Verón

Otávio, Taremi e Evanilson, um trio que se mantém no FC Porto campeão

Otávio, Taremi e Evanilson, um trio que se mantém no FC Porto campeão

Gualter Fatia/Getty

FC Vizela

O percurso de crescimento da equipa de Álvaro Pacheco, desde o Campeonato de Portugal, tem sido não menos do que impressionante. Ficar na primeira liga foi um sucesso, mas a ambição passará por conseguir uma época mais tranquila. À partida, surge uma vantagem em relação a outros concorrentes diretos na luta pela manutenção: a continuidade da maior parte do plantel.

De resto, jogadores como Samu e Kiko Bondoso fizeram toda a trajetória recente pelo Vizela e mantêm o protagonismo no conjunto minhoto. A relevância do extremo enquanto desequilibrador e finalizador torna-o preponderante. É hiperactivo e tem facilidade a utilizar os dois pés, sempre a acelerar para atacar a baliza. Álvaro Pacheco perdeu Schettine, o que implica a chegada de um ponta-de-lança que dê garantias. Ainda assim, existem argumentos ofensivos. Os principais problemas surgiram ao nível da organização defensiva.

O Vizela foi a segunda defesa mais batida da liga portuguesa, algo que deve ser melhorado para evitar surpresas desagradáveis. Nunca houve muita segurança na dupla de centrais, desde logo, havendo margem para um upgrade individual no sector. Com poucas movimentações até ao momento, o grande destaque do mercado vai para Diego Rosa, emprestado pelo Manchester City. Álex Méndez veio do Ajax, o que demonstra a atenção do clube a promessas que procuram espaço de afirmação. Quanto ao brasileiro, destacou-se no Mundial de sub-17 de 2019, mostrando atributos acima da média ao nível do passe. Rashid, Claudemir e Guzzo são outras opções válidas.

Jogador referência: Kiko Bondoso
Possível revelação: Diego Rosa

Bondoso, o desequilibrador da equipa de Álvaro Pacheco

Bondoso, o desequilibrador da equipa de Álvaro Pacheco

Gualter Fatia/Getty

GD Chaves

Não sendo propriamente uma surpresa a subida do emblema flaviense à primeira liga, depois da despedida em 2018/19, foi preciso uma segunda volta de excelência para ainda garantir o lugar de playoff. A equipa de Vítor Campelos fez um campeonato de trás para a frente, aproximando-se da consistência exibicional de Rio Ave e Casa Pia. Para a nova temporada, a renovação de João Teixeira era prioritária. Está em ponto de rebuçado. No trio de médios habitualmente utilizado, pode jogar mais ligado à construção ou no suporte ao avançado. Assume-se como a referência criativa e tem protagonismo como lançador de contra-ataques.

O crescimento do Chaves ao longo da época teve contribuição importante de Batxi e de Wellington Carvalho, melhor marcador da equipa no campeonato. A partir das alas, oferecem explosão e capacidade de aparecer em zonas de remate. Euller, canhoto vindo do Chipre, deverá entrar na discussão por um lugar no 11. Ainda assim, as principais mudanças estão no eixo defensivo, já que a dupla Luís Rocha e Alexsandro (completamente acima da realidade da segunda liga, mudou-se para Lille) abandonou Trás-os-Montes.

Steven Vitória entrou para assegurar experiência de primeira liga e Nélson Monte volta a Portugal para ter a estabilidade que não deu para ter na Ucrânia. À esquerda, não é certo que Bruno Langa mantenha a titularidade, tendo em conta a chegada de Sandro Cruz, jovem lateral formado no Benfica. Isto significa, portanto, que o único resistente pode ser João Correia, outra das figuras do conjunto orientado por Vítor Campelos. Ataca por dentro, desequilibra por fora, atreve-se a entrar na área. Tal como João Teixeira, renovou contrato. A incógnita, nesta altura, é se os reforços são suficientes para aumentar o nível competitivo e permanecer na elite do futebol português.

Jogador referência: João Teixeira
Possível revelação: Euller

João Correia marcou na festa da subida e mantém-se em Chaves

João Correia marcou na festa da subida e mantém-se em Chaves

PEDRO SARMENTO COSTA/LUSA

Gil Vicente

Não dá para falar da liga portuguesa 2021/22 sem valorizar ao máximo a campanha histórica do emblema de Barcelos. Não só pela classificação, também pelo futebol sedutor e pela forma como Ricardo Soares enquadrou jogadores com um perfil técnico e criativo dentro da ideia colectiva. Como sempre acontece, o clube não conseguiu segurar algumas das figuras do plantel e o treinador também abraçou o desafio egípcio. Há que começar novamente, mas o que está feito ninguém pode apagar.

A escolha de Ivo Vieira é coerente com o que foi feito na época passada, apostando num técnico com mentalidade ofensiva. Não vem de uma experiência famosa em Famalicão, mas já provou anteriormente que tem competências para dar continuidade ao trabalho de Ricardo Soares – incutindo um cunho pessoal, naturalmente. O desafio para dirigentes e adeptos é entender que fazer melhor é quase impossível. A “ressaca” nem sempre é fácil e há que adequar expectativas, desde logo pela saída de nomes como Pedrinho e Samuel Lino, dois dos melhores da liga 2021/22.

Pedro Tiba, não sendo tão criativo, chega para ser uma das referências do conjunto gilista. É um médio algo subvalorizado em Portugal, mas ainda vai a tempo de ganhar outro estatuto. Kritsyuk não precisa de apresentações. Ali Alipour dará concorrência a Fran Navarro, ponta-de-lança que tem a tarefa de provar que os golos que marcou não foram coisa de uma época isolada. Tal como em 2021/22, há alguns jovens entusiasmantes para acompanhar. Tomás Araújo, emprestado pelo Benfica, deve encontrar espaço para se lançar na primeira liga. Kevin Villodres, a partir da esquerda, fará movimentos semelhantes aos de Samuel Lino. O Gil Vicente espera que se aproxime do nível do brasileiro. Boselli troca Tondela por Barcelos e ameaça a titularidade no lado direito - outro extremo de pé contrário. Kanya Fujimoto afirmou-se em Barcelos e a chegada de Mizuki Arai (baixinho, habilidoso, assume a jogada ou combina no último terço) confirma a aposta no mercado japonês.

Jogador referência: Fran Navarro
Possível revelação: Mizuki Arai/Kevin Villodres

Espanhol Fran Navarro foi uma das figuras do Gil na época passada

Espanhol Fran Navarro foi uma das figuras do Gil na época passada

Gualter Fatia

Marítimo

Júlio Velázquez saiu com os madeirenses em zona de descida, à décima primeira jornada, depois de uma derrota em Tondela. A entrada de Vasco Seabra provou que era possível fazer melhor com aquele plantel. Longe do poderio do Marítimo de outros tempos, que andava regularmente na luta europeia e via os melhores jogadores transferidos para os principais clubes, mas com valor suficiente para chegar a lugares tranquilos.

E assim foi. Além das alterações tácticas promovidas pelo novo treinador, vimos também uma mudança significativa no estado de espírito da equipa, que se traduziu em cinco vitórias nas sete primeiras jornadas com Vasco Seabra (um triunfo em onze jogos com Velázquez). Não fosse um final de época marcado pela dificuldade em somar pontos e os insulares poderiam até candidatar-se ao top-6. O objetivo, agora com a possibilidade de fazer a pré-temporada e ter influência na escolha do plantel, passará por alcançar uma certa continuidade exibicional e melhorar a classificação.

Rafik Guitane, ágil e extremamente habilidoso, foi o principal desequilibrador maritimista e não fará parte dos planos para a nova época. Ali Alipour (segundo melhor marcador) mudou-se para Barcelos e Joel Tagueu está a ser cobiçado, o que pode obrigar Vasco Seabra e encontrar novas referências goleadoras. Já chegaram Jesús Ramírez e Pablo Moreno, promissor avançado espanhol que ainda não convenceu no futebol sénior. Tem um sentido de desmarcação notável. Lucho Vega entra para trazer criatividade e, no miolo, Rafael Brito (um dos nomes mais entusiasmantes que o Benfica formou recentemente) e João Afonso compensam a saída de Rossi. Nota-se a aposta em talento jovem, faltando perceber se o Marítimo consegue o regresso de Rodrigo Pinho – desejo já assumido publicamente pelo treinador.

Jogador referência: Zainadine
Possível revelação: Rafael Brito/Pablo Moreno

Vasco Seabra chegou a meio da última época e elevou a qualidade de jogo do Marítimo

Vasco Seabra chegou a meio da última época e elevou a qualidade de jogo do Marítimo

Gualter Fatia/Getty

Paços de Ferreira

Houve várias equipas da liga que, não começando a época da melhor forma, conseguiram ultrapassar a crise e atingir a estabilidade. Os castores foram um desses conjuntos. Com a troca de Jorge Simão por César Peixoto, o Paços de Ferreira voltou às vitórias e deixou a parte baixa da tabela para terminar numa posição tranquila. Isto tudo com um plantel modesto e em que faltou poder de fogo, algo que o clube está a tentar corrigir no mercado.

A pré-temporada ajudará certamente o técnico pacense a afinar ideias, procurando encaminhar a equipa para um jogo mais apoiado, resistindo à pressão e evitando o passe precipitado em profundidade. Douglas Tanque não teve um substituto à altura e os 29 golos marcados na liga 21/22 equivalem ao segundo pior registo, apenas atrás da B SAD. Criar mais situações de finalização e aproveitá-las é o desafio para que haja um salto qualitativo e, quem sabe, a luta por lugares mais altos na classificação. Tudo indica que César Peixoto terá outras armas ofensivas para provocar dificuldades aos adversários.

Individualmente, Arthur Sales traz mobilidade, potência para atacar o espaço e um pé esquerdo temível, que promete fazer estragos em Portugal. Nigel Thomas é um extremo irreverente, imprevisível no drible e nas mudanças de velocidade. Faltava rasgo e o perfil de contratação considerou essa lacuna. Num plantel que conta com a veterania de Antunes, Luiz Carlos ou Gaitán, há muitos jovens à procura de conquistar estatuto. Jordan Holsgrove, médio construtor, é um forte candidato a revelação deste campeonato. A saída do guarda-redes André Ferreira – pilar indiscutível dos castores – e dos centrais Maracás e Marco Baixinho abre espaço à renovação do setor defensivo, com a incógnita Tiago Ilori a chegar por empréstimo.

Jogador referência: Gaitán
Possível revelação: Jordan Holsgrove/Arthur Sales

O veterano Nico Gaitán mantém-se no plantel de César Peixoto

O veterano Nico Gaitán mantém-se no plantel de César Peixoto

Gualter Fatia/Getty