Mbappé e, mais uma vez, o seu “feeling” com o Real Madrid
Christian Liewig - Corbis
Chegámos aquela altura do ano em que a luz do sol Mbappé ilumina com mais força o planeta Mbappé com o cíclico rumor que acompanha, desde sempre, o jogador de 25 anos: é desta, dizem, que o francês vai cumprir o seu destino e irá para o Real Madrid
O planeta de Kylian Mbappé gira em torno de um sol próprio, com um movimento de translação característico, muito dele, porque a enorme estrela incandescente que lhe ordena a órbita tem, também ela, a silhueta da cabeça de uma tartaruga ninja, que é provavelmente a única alusão infantil a poder ser alocada a Kylian Mbappé. Quando apareceu, o francês já era rapaz-homem com carris bem delimitados por diante, cheio de promessa e confiança, e não tardou em descolar lá para o alto estratosférico onde apenas um punhado de futebolistas chegam para viverem numa atmosfera só deles.
Mbappé orbita à volta de Mbappé, tal não é surpresa e a sua história assim o anteviu, desde cedo. A criança forjada em Bondy, um complicado bairro nos subúrbios de Paris que fornecem as ruas que são viveiros de talento, que aprendeu outras línguas em adolescente enquanto a família preferiu mandá-lo para o Mónaco, não para um qualquer gigante do futebol, de modo a não haver entraves à explosão do miúdo que forrava o quarto com pósteres de Cristiano Ronaldo equipado de branco, porque essa era a cor da sua ilusão. A questão, saber-se-ia enquanto o galopante francês marcava em finais de Mundiais que ganhou e perdeu, estava mais no clube onde jogava o seu ídolo.
Com o seu ar obstinado, o velocípede que se arrependeu “um pouco” de ter crescido demasiado cedo “como um homem”, arreliado com contratos de publicidade, idas ao ginásio e com o que deveria ou não comer na adolescência, chegou ao Paris Saint-Germain etiquetado ao preço de 180 milhões de euros, um balúrdio. Tinha 18 anos e quando conheceu Unai Emery, o então treinador, pediu-lhe que o tratasse como um adulto e não o tirasse da equipa ao mínimo jogo titubeante seu, mas concordasse que julgaria Mbappé pela consistência, ou falta dela, numa série de partidas. “Sempre disse que não deves ter limites na tua ambição”, explicaria mais tarde ao “New York Times”, num inglês fluido e sem entraves.
As pistas para mais um episódio cíclico de frenesim quanto à trajetória vindoura de Kylian Mbappé estavam todas nessa entrevista, feita há ano e meio na redação do jornal vasculhada por seguranças privados antes de darem o ok para o jogador sair do carro topo de gama estacionado à porta. Em Nova Iorque, o jogador profetizou concretamente sobre o seu futuro, dizendo, com todas as letras, o que terá sido ofuscado pela revelação de Emmanuel Macron, o presidente de França, lhe ter telefonado para o convencer a ficar em Paris: “Disse-me: ‘Não quero que te vás embora agora, és muito importante para o país, toda a gente ficará feliz se ficares em Paris onde todos te amam. Tens tempo para ir embora, podes ficar mais um pouco.’”
Kylian Mbappé ficou, decisão dele e de mais ninguém como insistentemente frisaria, mas devotou o seu coração ao lugar que esta quinta-feira voltou a piscar, sem vergonhas, no radar noticioso: é desta que o francês, recusado em prolongar o contrato com o PSG, irá para o Real Madrid. Será neste verão que o mais badalado entre a nova vaga de talentos geracionais para mandar no futebol fará as pazes com o seu destino, finalmente, poupando-nos a mais solstícios e equinócios em que a luz solar de Mbappé ilumina mais ou menos o planeta Mbappé com o mesmo rumor.
O sorriso amarelo de Mbappé, há um ano, quando o presidente do PSG lhe pregou uma espécie de partida
Aurelien Meunier - PSG
Ele próprio deixou essa inevitabilidade ao “New York Times”, sem filtros:
“Estou em contacto com eles há muitos anos, sempre com respeito e admiração. Mesmo quando decidi ficar no PSG, liguei diretamente ao presidente Florentino Pérez, temos uma grande relação e ele respeitou a minha decisão. Só estive no Real Madrid durante uma semana quanto tinha 14 anos e foi incrível. Nunca joguei lá, mas tenho um feeling de que tenho uma história com eles. Há momentos na tua vida em que, apesar de nunca teres lá estado, sentes que estás em casa, é uma sensação diferente. É talvez o melhor clube do mundo, desejo-lhes toda a sorte.”
Os novos tempos escancararam-se no verão passado mesmo diante dos nossos olhos. A super estrela que é Mbappé, acabado de renovar contrato com o clube mais apetrechado da Europa graças à carteira sem fundo do Catar, que alegadamente ia gastar €200 milhões brutos, por ano, para o manter, a estender em público o seu amor à equipa das 14 Ligas dos Campeões no museu. Dono da aura que jamais algum dinheiro comprará, o Real Madrid exerce uma força gravítica tão forte na enorme massa futebolística do francês que nem ele se incomodou a tentar negá-la, afinal para quê, se tentar esconder o evidente é tantas vezes o ato que mais ridiculariza o carrossel dos rumores.
Até porque, em 2022, o jogador-bandeira do PSG apareceu com um sorriso amarelo ao lado de Nasser Al-Khelaïfi, o presidente do clube, ambos a segurarem uma camisola com um “2025” estampado nas costas em pleno Parque dos Príncipes em apoteose pela novidade. Manobra malandra do dirigente, noticiou-se na altura: Mbappé concordara em renovar o contrato, mas com cláusulas que lhe permitiam, ao fim de dois anos, decidir se o prolongaria por mais uma época. Disse-se, também, que a voz de Mbappé seria ouvida em matéria de treinadores e jogadores a contratar, de política desportiva a seguir. O capitão da seleção gaulesa negou-o com a mesma veemência notada na sua admiração ao Real Madrid.
O que a imprensa francesa e espanhola avançam agora é que Mbappé já escolheu. É agora, é desta, não há volta a dar. Mas, como as órbitas em torno de uma grande estrela, há sempre a hipótese de o movimento apenas estar a cumprir o seu movimento premeditado de diz-que-disse, já habitual apesar da ainda tão curta carreira do francês com rasto tão ostonteante - aos 25 anos, tem 316 golos em 425 jogos, incluindo 75 pela seleção. Na prática, todos sabemos que Kylian Mbappé acabará no Real Madrid, só desconhecemos é quando será.
Michael Regan - UEFA
Lendo os sinais, o PSG começou a preparar o seu carrossel circunstancial o ano passado, quando deixou Lionel Messi ir-se após o Mundial com pompa antagónica à que lhe reservou quando chegou e mostrou a porta de saída a Neymar, para o brasileiro ir preparar a reformar na Arábia Saudita. O clube quis premeditar a sua boa figura na medida do possível, contratando talentosos jogadores franceses nascidos na periferia parisiense (Ousmane Dembélé e Randal Kolo Muani, este vindo de Bondy, mesmo bairro de Mbappé) e apostando num treinador, Luis Enrique, fã de moldar jovens como Warren Zaïre-Emery e Bradley Barcola, também gauleses e formados no clube.
Agora, poderá alegar se quiser rodar essa roda de spin que a saída do seu astro é parte de um plano de mestre para o PSG representar a França e o talento francês, um fim definitivo da era celestial de acenar com milhões a grandes estrelas que desde 2011, quando a Catar Sports Investments comprou o clube, surtiu, só por uma vez, quase o efeito desejado e logo quando ninguém estava a ver no estádio: em 2020, jogou a final da Liga dos Campeões no pandémico Estádio da Luz, onde perdeu com o Bayern de Munique. Nesse dia, Mbappé ficou desolado e talvez a sua cabeça derivou, outra vez, para uma certa experiência que viveu aquando do seu 14.º aniversário.
O charme operado pelo Real Madrid trabalhou o rapaz logo nessa idade, quando o convidou a passar uma semana em Valdebebas, base do clube, a conviver com os galáticos e a ser recebido por Zinedine Zidane. O miúdo envergonhado que era Kylian Mbappé perguntou a se tinha de tirar os sapatos para entrar no luxuoso carro desportivo com que o à época diretor-desportivo merengue o foi buscar. Se estiver mesmo para ser desta que o francês vai para o Real Madrid, será o clube a cuidar do chão que jogador irá pisar.