Futebol internacional

E se Mbappé ficar uma época inteira na bancada?

E se Mbappé ficar uma época inteira na bancada?
EMMANUEL DUNAND

O avançado do PSG, contratado em 2017 ao Monaco por qualquer coisa como 180 milhões de euros, está em guerra com o clube e o clube já o avisou: ou renova ou é vendido. Mbappé não estará interessado em nenhuma dessas possibilidades, então foi afastado da digressão no Japão e na Coreia do Sul. O sindicato dos jogadores profissionais de França já entrou em ação, denunciando “assédio moral” e ameaçando ir para os tribunais defender o capitão da seleção francesa, de 24 anos

Tem sido a novela de verão do costume. Kylian Mbappé, um poderoso e veloz talento com um compromisso com a história do futebol mundial, está destinado a palcos especiais e já escolheu abandonar o PSG. Depois de tanto, de um rol de palavras de amor e promessas de amanhãs, quer sair. E o Real Madrid, esse lobo aparentemente milenar e paciente, está à espreita.

O futebolista já percebeu o que eventualmente Neymar terá percebido durante a estadia na capital francesa. Para trincar o algodão doce que está no céu e coçar as costas com as estrelas, terá de ser tudo o que é noutro lado, onde os enormes futebolistas têm um idioma próprio, saído da garganta mas também das botas, e onde chovem finais de Ligas dos Campeões e jogos memoráveis como se fossem uma tarde de inverno corriqueira. Não é, nunca é, mas a narrativa de um Real Madrid, por exemplo, é essa e foi com essa gente que se sentou à mesa no verão passado e que parecia até ter as coisas bem encaminhadas.

Kylian Mbappé, de 24 anos, tem apenas mais um ano de contrato com o PSG, um clube desesperado para não perder quem sabe o jogador mais valioso do mundo a custo zero. Em 2017, os parisienses foram buscar o avançado, que supostamente tinha qualquer coisa de Ronaldo Fenómeno e Thierry Henry, a troco de muitíssimos milhões. Foi por isso que os cartolas do clube sentenciaram que o atleta ou renovava, ou seria vendido.

E afastaram-no da digressão ao Japão e à Coreia do Sul, colocando o avançado, campeão do mundo em 2018 e vice em 2022, a treinar com os jogadores dispensados, como Julian Draxler, Georginio Wijnaldum, Colin Dagba e Leandro Paredes. Quem diria?

O jogador em causa será porventura um pioneiro super futebolista a testar as virtudes dos contratos curtos – renovou em maio por duas temporadas –, e não está interessado em ir na conversa do empregador. Foi este impasse que levou o Paris Saint-Germain a enviar uma carta ao jogador no dia 3 de julho: “Temos 30 dias para decidir”, pode ler-se no documento dado a conhecer pelo diário francês “L’Équipe”. “Em primeiro lugar, é preciso recordar que o espírito que ditou as nossas conversações na primavera de 2022 sempre foi ver-te continuar no PSG, uma família que fez o impossível pela tua carreira durante tantos anos para, no momento acordado contigo, responder favoravelmente a um pedido de transferência.”

E mais: “É urgente reunirmo-nos para definir em conjunto a melhor solução para ambas as partes”, continuava a carta. “Uma renovação para a época 24/25 ou uma transferência a partir desta janela de transferências são as únicas opções, para evitar uma paralisação duradoura do clube provocada pelas tuas ações recentes. Esperamos que estes anos de comprometimento, boa vontade e investimento sem precedentes em ti te levem a pensar no futuro e nos adeptos do grande clube que te apoiaram durante todo este tempo.”

Eurasia Sport Images

Vinte dias volvidos e o desenlace parece tudo menos favorável ao clube detido pelo Catar. A consequência poderá ser a mais temível e talvez expectável quando o assunto é dinheiro e multimilionários. O “Le Parisien” informou que o PSG já terá dito à entourage do jogador que não vai hesitar em deixá-lo na bancada durante toda a temporada se não renovar o contrato ou não aceitar uma transferência.

Este braço de ferro levou o sindicato dos jogadores profissionais de França a entrar em ação, conta a BBC. “Estes jogadores devem ter as mesmas condições de trabalho que os restantes profissionais”, pode ler-se num comunicado daquela entidade, em alusão à permanência de um grupo de dispensados em Paris e dos treinos à parte do elenco principal.

“A UNFP [sindicato dos jogadores] sente que seria útil lembrar aos treinadores que colocar um empregado sob pressão, através da deterioração das suas condições de trabalho, por exemplo, para os forçar a sair ou a aceitar o que o empregador quer é assédio moral, o que a lei francesa condena firmemente”, diz ainda o comunicado, que ameaça recorrer aos tribunais para defender o jogador do comportamento do clube.

O peso de Mbappé no PSG é inegável e é por isso que estamos aqui: 260 jogos, 212 golos e muitos troféus, como seis edições da La Ligue e três Taças de França, sendo que faltou sempre nas prateleiras do museu uma obsessão chamada Liga dos Campeões.

De acordo com o “El País”, o presidente do clube, Nasser Al-Khelaifi, já terá aceitado que vai receber menos do que os 200 milhões de euros oferecidos em 2021 pelo Real Madrid, um clube que está na defensiva depois de ter sido usado no verão de 2022. Contra o PSG, agora treinado por Luis Enrique e já sem Lionel Messi, há um ou outro argumento. O jogador estaria livre no próximo verão e isso garantir-lhe-á um novo acordo com um novo clube por valores pornográficos, mas há outra questão: se sair, perderia 80 milhões de euros que supostamente deverá receber até junho e que dizem respeito ao prémio por fidelidade.

Há uma cláusula existente no contrato atual, até 31 de julho, para a renovação por mais uma temporada, mas que apenas pode ser acionada pelo jogador. O PSG colocou-se numa posição débil desde o início.

No desvario que vive o futebol atual, um negócio sem limites e com poucos problemas de consciência, surgiu a notícia de que o Al Hilal de Jorge Jesus acenou com um saco de dinheiro (200 milhões de euros) para ter o capitão da seleção francesa. Segundo a RMC Sport, os sauditas terão oferecido ao atleta qualquer coisa como 400 milhões de euros por dois anos de contrato.

Esta é a grande novela do verão. Outra vez. Não deixa de ser assombroso ter um futebolista como Kylian Mbappé a dançar entre ameaças de ficar longe dos relvados durante uma temporada inteira. Mas – e ignoremos o romantismo por alguns segundos – esse seria só mais um inusitado passo rumo ao mundo distópico em que se está a transformar o futebol, certo?

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