Dizem que sempre foi o menino preferido de Florentino Pérez. Que certo dia, tinha Karim Benzema 21 anos, o presidente do Real Madrid assistiu a uma partida do miúdo que deslumbrava a Europa e ficou fascinado pela técnica, a personalidade, a subtileza, o golo. Aquele rapaz francês crescera com o quarto forrado com imagens de Ronaldo Nazário vestido de blanco, pelo que o namoro tinha tudo para consolidar-se como casamento.
A união selou-se no galáctico verão de 2009, o de Cristiano Ronaldo e Kaká. O começo não foi fácil, pelo escasso rendimento do avançado na temporada inicial e relação inicialmente conturbada com José Mourinho na seguinte. Mas o cenário foi mudando.
Inteligente e generoso, Benzema nunca deixou de marcar, mas tornou-se num especialista para o futebol do madeirense que o acompanhava no ataque. Ali estava a base do cimento do regresso do Real Madrid de Liga dos Campeões, o de Lisboa, primeiro, e o das três Champions seguidas, depois. Com a saída do português, passou de sócio a artista principal, de 20 e picos golos por época para os 44 em 46 jogos em 2021/22, para a Bola de Ouro, para a transformação em grande símbolo do emblema que aprendera a amar em criança.
Agora, passadas 14 temporadas, 647 jogos e 353 golos no Santiago Bernabéu, a relação terminou. Após dias de especulação, com espaço para um “se queda” do jornal “Marca” que ficará para a história como o que Piqué dedicou a Neymar antes do PSG, Karim Benzema vai mesmo sair de Madrid. Em comunicado, o clube anuncia a separação das partes depois de um período “brilhante e inesquecível”, lê-se.
O francês, atual vencedor da Bola de Ouro, deverá, agora, ir para a Arábia Saudita, reencontrando o antigo parceiro de ataque. O destino que é apontado como mais provável é o Al-Ittihad, orientado por Nuno Espírito Santo e que acaba de se sagrar campeão do país.
“Jogo para quem entende de futebol”. Na fase em que era mais criticado, quando se lhe acusava de falta de golo e pouco egoísmo ao mesmo tempo que ajudava Cristiano Ronaldo a bater todos os recordes e o Real Madrid a acumular êxitos, Benzema defendeu-se, certo dia, com esta frase a modo de escudo protetor.
Atuando sempre como avançado, Karim foi muito mais do que a ponta final das jogadas. Saía da área, associava-se com médios, extremos e restante companhia que surgisse, tricotava lances, descobria caminhos.
Se era preciso esvaziar a área para abrir espaços para Cristiano Ronaldo, lá estava ele; se era necessário entrar na zona de penálti para que Cristiano Ronaldo não tivesse de viver lá, podendo chegar e não estar, lá estava ele; se era preciso pegar na bola no último dérbi no Calderón e desenhar uma finta inexistente em cima da linha final, lá estava ele.
Benzema fez tudo isto mantendo uma excelente relação com a baliza. Depois da fraca época inicial, em que só marcou nove vezes, fez 19 golos ou mais em 12 das 13 campanhas seguintes. Sai do Santiago Bernabéu como segundo máximo marcador da história do clube, apenas atrás de Cristiano.
Sem o madeirense, vimos outro Benzema, ainda que com as virtudes-base de sempre. Lá estava a técnica, a inteligência, a intuição, a movimentação, o ser muito mais do que homem para o remate, fazendo de tudo, qual Da Vinci da dianteira.
Só que, a somar às qualidades da era Cristiano Ronaldo, Karim foi Karim e Cristiano ao mesmo tempo. Tornou-se no goleador da equipa, com 27, 30, 44 e 30 golos nas campanhas sem o português, isto ao mesmo tempo que supervissionava e ajudava no crescimento de Vinícius Júnior.
Aos 35 anos, sai do Real Madrid depois de cinco Ligas dos Campeões, cinco Mundiais de Clubes, quatro Supertaças Europeias, quatro Ligas, três Supertaças de Espanha e uma Taça do Rei. Deverá, agora, tornar-se noutro homem na estratégia de utilização do futebol por parte da Arábia Saudita.
Chegou como jovem candidato à Bola de Ouro, transformou-se em parte fundamental do ataque que devolveu a glória europeia ao Real Madrid, metamorfoseou-se novamente para fundir a sua versão altruísta com uma absolutamente decisiva. Benzema foi de tudo no Santiago Bernabéu, parte indispensável da equipa que devolveu o amor do clube pela mais importante taça do futebol europeu.
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